(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas DANÇA LIBERTADORA

Conheça o Vogue, dança de empoderamento que arrebata adeptos em BH

Com o nome inspirado em revista de moda, duelo de vogue é uma dança de autoafirmação de mulheres, homens, gays e transexuais e se transforma em espaço de expressão


postado em 28/05/2016 06:00 / atualizado em 28/05/2016 08:43

Os braços traçam linhas retas, enquanto os punhos giram no próprio eixo com a mesma rapidez com que os quadris vão de um lado para o outro em deslocamentos que remetem, ao mesmo tempo, à leveza de uma garça e à rapidez de um ninja. Chamam atenção pela plasticidade e dificuldade, mas os movimentos que conquistaram Madonna, nos anos 1990, são mais que uma dança. Em Belo Horizonte, transformaram-se em espaço de expressão e empoderamento de mulheres, homens, gays e transexuais. “O vogue é uma dança de autoafirmação. Quando a gente pensa que ele foi criado por pessoas que eram excluídas da sociedade, ele afirma essas pessoas. Chega para dar lugar a elas. E a mulher se encontrou muito nesse lugar”, diz a professora e integrante do Trio Lipstick, Maria Teresa Moreira, de 25 anos.



A comunidade do vogue acolhe quem chega, sem restrição de idade, tipo físico e classe social. Na pista, todos podem, literalmente, se jogar no dip, movimento em que o corpo gira no próprio eixo, levando as costas ao chão, enquanto uma das pernas se ergue no ar. Não se pode dizer que todos são iguais. Pelo menos em termos de performance, não. Cada um dança a seu modo num processo inevitável de confrontar-se consigo mesmo.

Movimentos do vogue encantaram a Madonna nos anos 1990 e hoje se tornou uma dança de autoafirmação(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A PRESS)
Movimentos do vogue encantaram a Madonna nos anos 1990 e hoje se tornou uma dança de autoafirmação (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A PRESS)

A dança ganha seguidores, contribui para a afirmação de grupos sociais excluídos e conquista jovens de classe média da cidade. Foram abertas classes para aulas, com a adesão de mulheres de todas as idades, como é o caso da decoradora Cássia Rodrigues Sigaud, de 53. “A dança exige muita coordenação e tem que ter muita agilidade e me faz mexer com os neurônios”, brinca. Os movimentos também dominam festas em espaços de ocupação da juventude, como o Viaduto Santa Tereza, e alternativos, como a Gruta, no Horto, e Benfeitoria, na Rua Sapucaí, na Floresta. Seguem dois formatos: as jams, termo emprestado do jazz para designar as apresentações livres e improvisadas, quando todos podem se arriscar, e os duelos, quando ocorrem as disputas.

Diante da expansão da cultura, a jornalista Danielle Pinto criou o site BH is voguing para falar da história da dança. “O primeiro marco para o surgimento são as cadeias americanas nos anos 1940, entre os gays. A revista que permitida era a Vogue. Gays e trans usavam aquelas poses das modelos, imitavam aquele jeito, aquela sensação que elas passavam. Mais tarde, entre 1970 e 1980, esse repertório foi para rua, as periferias de Nova York, o Harlem, principalmente”, lembra.

Enquanto as jams são informais, os duelos são o momento de investir no vestuário e maquiagem. Um dos mais importantes da cidade é a Dengue, festa da diversidade em que os amantes da cultura vogue se apresentam. Se os movimentos são poses, a moldura é formada pelo público que acompanhar os duelos onde os dançarinos performam. Antes de começar as disputas, cada um apresenta nas runways a persona com quem duelará.

Cristal Lopez é referência do movimento em Belo Horizonte e já ganhou oito vezes o duelo (foto: Miss Dengue/Divulgação)
Cristal Lopez é referência do movimento em Belo Horizonte e já ganhou oito vezes o duelo (foto: Miss Dengue/Divulgação)
Quem vê a primeira vez pode até pensar que os dançarinos combinam os passos com antecedência. Mas a coreografia se faz a partir da resposta que dá ao outro e a execução milimétrica de cada movimento demonstra o nível de destreza do dançarino. Mas não basta braços e pernas. No vogue, é preciso caras e bocas, no linguajar próprio, fica melhor na foto quem faz carão.

É vestido com meia-calça e blusa do tipo arrastão, cinto largo, capacete, salto agulha de 15 centímetros e barba cerrada que o ator Guilherme Augusto disputa. “Essa é a minha caracterização para duelar. Nunca me imaginei vestir desse jeito. Gosto de mistura. A barba remete ao masculino, enquanto o salto e a meia-calça arrastão, ao feminino. As pessoas ficam em dúvida e perguntam o que eu sou. Sou a Bala Perdida”, diz. Outra referência do movimento na capital é a mulher trans Cristal Lopez, que venceu oito vezes o duelo. “É uma dança libertadora, a começar pela história”.

Nas jams, a estudante Mariana Serrano se entrega e é uma das jovens que foram fisgadas pela dança(foto: Miss Dengue/Divulgação)
Nas jams, a estudante Mariana Serrano se entrega e é uma das jovens que foram fisgadas pela dança (foto: Miss Dengue/Divulgação)
SEM LIMITES Um dos maiores vencedores do duelo, o estudante de moda Lázaro dos Anjos, de 23, se encontrou no vogue. O primeiro contato foi aos 12 anos, quando assistiu ao clássico Paris is burning, filme lançado, em 1991, que conta a história de um clube onde os negros americanos iam para dançar vogue. “O vogue permite que você seja o que desejar”, diz Lázaro, que assistiu a dança em Belo Horizonte pela primeira vez na apresentação do Trio Lipstick, durante a Virada Cultural de 2013.

Lázaro diz que, na Dengue, não enfrenta os olhares de reprovação que recebe quando anda pelas ruas da capital. “Sei quando me olham com aprovação e quando com repúdio. Não estou nem aí para quem está me olhando e me julgando. Tenho o direito de vestir a minha saia, passar meu batom e usar meu rímel. Sou um transgressor da imagem.”

Danielle e Paula Zaidan, de 23, bailarina e integrante do Lipstick, explicam que o vogue é mais do que uma dança, se transformou num estilo de vida. Paula lembra que tem alunos com idades que vão de 15 a 60 anos. “Muito legal ver pessoas com mais de 50 anos que sabem das limitações, mas não deixam de sentir que dançam vogue.” Nas jams, tanto a estudante Mariana Serrano, de 16, quanto a advogada Rafaela Viana, de 30, e o cenógrafo Ricardo Bizafra, de 31, não têm medo de se arriscarem. “Vim para cá para escapar do mundo corporativo engessado e quadrado”, diz Rafaela, que no trabalho tem responsabilidades contábeis e jurídicas. Para Bizafra, o vogue o possibilitou dançar, o que era uma vontade antiga. Ele ainda garante que não se sente desconfortável com o gestual que remete, ao observador mais conservador, ao universo feminino.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)