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Estado de Minas

Moradores de Bento Rodrigues voltam ao povoado para resgatar o que sobrou da catástrofe

Polícia liberou acesso de moradores ao subdistrito de Mariana, que são acompanhados por militares do Corpo de Bombeiros. A nova paisagem do lugar é desoladora


postado em 01/12/2015 06:00 / atualizado em 01/12/2015 07:34

Adão Gomes, ao lado da mulher Maria Aparecida e da filha Bruna:
Adão Gomes, ao lado da mulher Maria Aparecida e da filha Bruna: "Aqui está o que restou de 48 anos de vida em Bento Rodrigues. Hoje, somos os retirantes da lama" (foto: Euler Júnior/EM/DA Press)

Mariana –
O sol abrasador do meio-dia, a emoção e a longa caminhada fazem o aposentado Adão Geraldo Gomes suar em bicas, tirar a camisa e passá-la no rosto para enxergar melhor. Um passo atrás, segue a mulher Maria Aparecida e, ao lado, a filha Bruna, de 25 anos. A unir a família, um pedaço de madeira sobre o ombro direito, de onde pende uma trouxa de pano vermelho, numa cena que remete aos retirantes da seca nordestina em épocas passadas. “Aqui está o que restou de 48 anos de vida em Bento Rodrigues. Neste saco, estão as roupas da minha mãe. Foi só isso que conseguimos recuperar de nossa casa. Hoje, somos os retirantes da lama”, afirma Adão Geraldo, que mora com a família num hotel desde o rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, desastre ambiental e humano que completa um mês no sábado.

No fim de semana, com a vigilância de militares do Corpo de Bombeiros, dezenas de ex-moradores do subdistrito de Bento Rodrigues voltaram ao local distante 23 quilômetros do Centro de Mariana, na Região Central, em busca de objetos pessoais, utensílios domésticos, imagens de devoção e outros pertences que, por alguma razão, não foram soterrados pelos milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério vazados da estruturam da empresa. “É a primeira vez que volto aqui. Perdi tudo, fiquei sem documentos, calçados, não tenho mais meu Fuscão”, conta o homem de 48 anos, que traz também no ombro a enxada marcada pelo barro e usada para raspar o chão da moradia em ruínas.

“É preciso reconstruir um novo Bento”, aponta o aposentado. Bruna tem os olhos baixos, ajudou no trabalho de garimpagem e, de vez em quando, em silêncio, registrou no celular as imagens que entraram de forma dramática para a história da família. Depois da visita, os três puseram a trouxa no porta-malas de um carro e partiram para Mariana – sem olhar para trás.

A paisagem trágica de Bento Rodrigues é muito mais ampla e sinistra do que se pode imaginar. Com acesso restrito desde o rompimento da barragem, o subdistrito só tem o silêncio cortado pelo vento e barulho de uma família de maritacas, donas da viga do telhado de uma casa na parte não atingida pela lama. Ao avistar gente no pedaço, as aves se empolgam e dão voos rasantes, num gesto típico de defesa do ninho.

DESCOBERTAS Os primeiros passos no solo rachado pelo sol, movediço em parte e brilhante pelo minério de ferro exposto à luz solar causam surpresa, comoção e um pouco de náusea. Logo de cara, as narinas são invadidas pelo cheiro fétido da lama que apodrece junto com as mercadorias de um bar. Nesse ambiente degradado em todos os sentidos, onde as pessoas retiram o que podem e depois se retiram sem muita esperança, uma mulher aponta um cacho de bananas quase maduro. “Aceita uma?”, oferece ao repórter. “Esse cacho estava aqui verdinho antes da tragédia. Ficou inteiro não sei como”, disse a mulher. Na caminhada por Bento Rodrigues, é possível encontrar ursinhos de pelúcia de vários tamanhos, num cômodo com jeito de quarto de criança, além de uma caixa de lápis de cor aberta sobre o barro, entre várias outros itens.

De repente, um sorriso de onde menos se espera. Depois de passar a manhã, encurvada, revirando o antigo lar, perto da Escola Municipal Bento Rodrigues, Rosângela Maria Silva Sobreira encontrou calças jeans, as quais estavam agora cuidadosamente dobradas, dois botijões de gás e seu maior tesouro: a coleção de perfumes. “Adoro eles, são minha paixão. Isso me dá um pouco de satisfação”, revela Rosângela, na companhia de familiares empenhados em esquadrinhar a área. Ajudando o grupo, Sandra Aparecida da Silva, de 41 anos, guarda com nitidez na memória o momento em que a lama da barragem desceu morro abaixo para soterrar vidas e a história do vilarejo fundado no século 18 pelo bandeirante Bento Rodrigues. “Parecia um filme de terror, não dá para esquecer.”


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