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Estado de Minas NOSSA HISTÓRIA

Conheça a saga de Fortunato, o escravo carrasco do Brasil Império

Após matar proprietária de terras, jovem tem a pena de morte trocada por prestação de serviço de algoz no Brasil Império. Ele enforcou 87 pessoas e não obteve o sonhado perdão


postado em 26/09/2015 06:00 / atualizado em 26/09/2015 11:35

(foto: Arte/EM/D.A Press)
(foto: Arte/EM/D.A Press)

A história é manchada de sangue, mas é a nossa história. Corria algum dia de 1884 quando o homem de 73 anos que estava atrás das grades na cadeia de Ouro Preto, onde hoje funciona o Museu da Inconfidência, fechou os olhos para sempre. Seu último suspiro levou consigo as lembranças das 87 vidas que ele executou, a mando de autoridades do Brasil Império (1822-1889), em forcas espalhadas por 29 cidades de Minas Gerais e em duas do Rio de Janeiro. Essa foi a saga do negro Fortunato José, o escravo que virou um dos principais carrascos do país.

Fortunato nasceu num lugarejo que hoje é a cidade de Lavras, no Sul do estado. Aos 22 anos, viciado em bebida e jogatina, foi advertido por dona Custódia, a viúva do fazendeiro João de Paiva, dono da propriedade onde o então jovem veio ao mundo. Irritado com a repreensão, tirou a vida da senhora com uma porretada na cabeça. O crime ganhou repercussão e o rapaz foi condenado à morte. Sua vida seria ceifada na forca.

Por ironia, o algoz que deveria cumprir a ordem havia morrido. E as autoridades fizeram uma proposta a Fortunato: sua pena seria comutada para a de prisão perpétua em troca de ele virar “o dono” da forca. Quem explica é o pesquisador Marco Antônio Faria: “Teve a pena comutada com a condição de exercer a função de carrasco, pois o ‘titular’ havia falecido”.

E foi assim que o então jovem, ávido por álcool, começou a percorrer o estado para ceifar a vida dos condenados. O carrasco tinha a expectativa de um dia receber o perdão do governo e se tornar um homem livre. Sua primeira execução ocorreu no Natal de 1833. Tirou a vida de um escravo. Na mesma data, enforcou o segundo. Na lista de mortos, há negros e brancos, homens e mulheres.

Historiadores contam que a imagem de pessoas dependuradas no laço o perseguiu até a própria morte. Talvez fosse para amenizar essa dor que Fortunato costumava dizer que era funcionário público. “Ele falava sempre, em seu linguajar sem cultura, da sua ‘profissão’, à qual ele denominava de emprego público mal remunerado”, completou Barrica, pesquisador-membro do Instituto Histórico de Pitangui (IHP), onde o carrasco levou dois homens à forca.

Também foi nessa cidade do Centro-Oeste mineiro, elevada à condição de vila em 1715 e a 130 quilômetros de Belo Horizonte, que o algoz, por pouco, não foi assassinado. Fortunato tinha o hábito de dormir a noite anterior à execução na mesma cela que o condenado à forca. Em 21 de setembro de 1838, ele adormeceu ao lado do escravo Ignácio Cassange, cuja pena de morte estava prevista para a manhã seguinte.

A morte programada do condenado era aguardada por uma multidão, pois seria a inauguração da forca, erguida no Morro das Cavalhadas, atrás da atual capela de São Francisco de Assis, erguida no século 19. A execução deveria ocorrer às 9h de 22 de setembro de 1938. Na noite anterior, o algoz decidiu cumprir o ritual de dormir na mesma cela que a vítima. Na madrugada, porém, Fortunato acordou com o corpo ensanguentado. O escravo havia lhe desferido golpes de navalha em todo o corpo. Socorrido, o carrasco foi internado.

Passou dias num leito. Sobreviveu para continuar sua saga, mas não executou Ignácio, que foi enforcado por outro algoz na vila de Sabarabuçu, atual Sabará. A partir de então, descartou a possibilidade de pernoitar ao lado de condenados. As cicatrizes pelo corpo o faziam lembrar daquela noite.

“Foi alvo do espírito revoltoso de um pitanguiense, que, dono de instinto assassino, se valeu da oportunidade para impedir – ou pelo menos postergar – seu triste fim. Em outras vilas, a prática de se confinar vítima e executor num único espaço se mostrou desprovida de maiores consequências. Já em Pitangui, terra de ‘matadores insignes’ e ‘homens régulos’, como definiu o governador da época, os papéis não se inverteram por pouco. Quase que o algoz passa a ser vítima de sua presa”, disse o pesquisador Vandeir Santos, também do IHP.

A fama de Fortunato – embora triste – foi tamanha, que ele foi fotografado numa época em que poucas personalidades tiveram a imagem registrada por uma câmera. O algoz foi registrado, já enfraquecido, numa cama na cela de Ouro Preto. Ele também foi tema de reportagem do extinto periódico Mosaico Ouro-Pretano.

A matéria foi publicada em 17 de julho de 1877. O veículo informou que Fortunato, “admoestado (repreendido) frequentemente, mas com brandura, por sua senhora (dona Custódia, a viúva do fazendeiro), criou-lhe ódio e, um dia, enfurecido, prostrou-a morta com uma bordoada certeira. Foi isto em 1833: tinha então 22 anos o miserável, predestinado a vida medonha e abominável”.

A última execução do carrasco ocorreu em 1874, quando a pena de morte na forca foi extinta no Brasil. Fortunato não obteve o sonhado perdão pela morte de dona Custódia. Passou os últimos anos de sua vida na cela em Ouro Preto.


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