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Estado de Minas

Romance do vira-lata Xerife e da cadela Olívia encanta moradores de BH

História de amor no Bairro Prado relembra o filme A dama e o Vagabundo


postado em 29/05/2015 06:00 / atualizado em 02/09/2019 17:15

Olívia Palito não esconde sua escolha por Xerife, ou Lord Voldemort, que sente ciúme da amada e enfrenta Kurt Cobain (abaixo)(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Olívia Palito não esconde sua escolha por Xerife, ou Lord Voldemort, que sente ciúme da amada e enfrenta Kurt Cobain (abaixo) (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Kurt Cobain ama Olívia Palito, que ama Xerife, também chamado de Lord Voldemort, que ama desesperadamente Olívia e preza, acima de tudo, a sua liberdade. A história inspirada na Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, pode parecer pura fantasia, mas é bem real, tem como palco o Bairro Prado, na Região Oeste de Belo Horizonte, e traz um detalhe sui generis: se passa no reino animal e lembra muito o filme A dama e o vagabundo, lançado nos cinemas há 60 anos.

Na quarta-feira, vizinhos de uma residência na Rua Turquesa, quase esquina com Avenida Francisco Sá, acompanharam mais um episódio da saga de um cão sem dono, há meses à espreita, no passeio da casa, na esperança de ver a amada e obter dela algum afago. Pela manhã, por pouco mais de meia hora, houve beijo no focinho, momentos de estresse com o outro participante do triângulo amoroso, apreensão pela prefeitura e fuga, com o herói correndo desembestado.

Essa história começa pouco antes do carnaval, quando a funcionária pública Tatiana de Azeredo Coutinho Ferreira acolheu a vira-lata Olívia Palito, hoje amamentando 10 filhotes. “Ela era muito magrinha, daí o nome em homenagem à namorada do marinheiro Popeye”, explica. Logo, logo a cadela recebeu olhares de cobiça de Kurt Cobain, de 11 anos, morador antigo e apelidado em homenagem ao guitarrista (1967-1994) da banda Nirvana. A paixão nunca se consumou, conta Tatiana, pois o dono do pedaço Kurt não tem altura suficiente para cruzar. “Ele tem problemas, é epiléptico, embora muito querido aqui em casa”, afirma.



Um belo dia, quando estava no cio, Olívia Palito fugiu. Não tardou muito para Xerife ou Lord Voldemort aparecer na porta – afinal, é o mais provável paizão da ninhada. De pelo pretinho-reluzente e com cara de determinado, o animal sentou praça na calçada e não arredou as patas, retirando-se apenas de vez em quando.

As histórias sempre têm dois lados e, nesse caso específico, é preciso esclarecer: na residência da família apaixonada por bichos, o vira-lata ganhou o nome de Lord Voldemort, o vilão da série Harry Potter; entre os admiradores da rua, no entanto, a exemplo do mestre-de-obras Alaerte Alves Pereira, de 53 anos, a postos numa construção próxima, se tornou Xerife. “Pois ele está sempre de olho, atento aos movimentos”, revela.

Vilão odiado pelos rivais 


A fama de vilão faz todo sentido para a família. “Às vezes, minha irmã deixa Lord Voldemort entrar para beber água e comer, já que fica o tempo todo deitado na frente do portão. Acontece que ele e Kurt brigam e quem leva a pior é o nosso cachorro, que sai mordido e machucado. Assim, não podemos adotar Lord Voldemort, pois não teríamos sossego”, conta Tatiana. Para a mãe dela, Cleusa Azeredo Coutinho, tudo não passa de ciúme dos rivais. “Quem dera que os homens fossem parecidos com esse animal tão apaixonado”, filosofa.

Xerife não desgruda do portão da casa
Xerife não desgruda do portão da casa
De manhã bem cedinho, quem passava na Rua Turquesa podia ver Xerife quietinho na frente da casa de grade marrom, com os olhos fixos na varanda. Não se incomodava com os pedestres, as buzinas ou freadas bruscas. Por volta das 9h30, a branquinha Olívia Palito surgiu e aí foi o maior love. Antes, do encontro, ela espreguiçou, deu uma rodada e encostou o focinho na grade, enquanto Xerife, fazendo a corte, levantava as orelhas, esticava o corpo e correspondia aos carinhos na mesma intensidade. Na despedida, beijinho no portão, à moda antiga.

Pressentindo o perigo, Kurt Cobain surgiu intempestivamente e começou a latir, correndo de um lado para outro. No mesmo lugar no qual, momento antes, tinha cenas de carinho, agora havia cara feia e dentes arreganhados. A calma voltou a reinar até que surgiu o agente de endemias do Centro de Controle de Zoonoses da Prefeitura de BH, William Gonçalves, com a coleira na mão. Ele informou que o setor recebera denúncia anônima de que o animal poderia atacar as pessoas na rua. “O cão está bem de saúde e psicologicamente.

A posição em que estava, na frente da casa, mostra que é territorialista, por causa da fêmea e dos filhotes. É o macho alfa, e pode avançar em alguém”, explicou o agente. Minutos depois, com destreza e cuidado, o agente laçou e dominou o animal. A captura despertou atenção e muitos moradores chegaram nas janelas, alguns comentando que uma vizinha gostaria de adotar Xerife.


Um conquistador em fuga


Quando todos imaginavam que o romance chegara ao fim, com a captura, veio a surpresa. Por essas voltas que só o destino dá, Xerife se desvencilhou da corda e conseguiu fugiu, rápido como um raio, sumindo numa rua lateral. “Pode ficar tranquilo que amanhã mesmo ele retorna. É uma paixão sem fim por essa cachorrinha”, previu o confiante Alaerte, que é candidato à adoção de Xerife e pretende levá-lo para sua casa em Ribeirão das Neves, na Grande BH.


“Essa casa está muito movimentada”, brincou Cleusa, ao lado da neta Ana Tereza, de 9. Da ninhada, que será doada, a menina escolheu uma e batizou de Charlotte, em homenagem à novíssima integrante da realeza britânica, filha do Príncipe William e de Kate Middleton. A segunda netinha, Alice, também ganhará outro totó. Na porta, Cleusa mostrou uma parte da rua, cercada para obras, onde Xerife passava suas noites.

Amor eterno é feito para durar, não importa o que aconteça. Tanto que, no fim da tarde Xerife voltou ao passeio da residência. “Mas agora está mais arisco e desconfiado”, confidenciou Alaerte.

A vida imita a arte


A vida imita a arte e a arte imita a vida. Em 22 de junho de 1955, os estúdios Disney lançaram nos cinemas o filme de animação A dama e o vagabundo (Lady and the tramp), que até hoje emociona as gerações. Passados 60 anos, a história de amor entre dois cães é recriada no Bairro Prado, em BH. Na trama original, uma aristocrata ganha do marido a cadelinha Lady, da raça Cavalier King Charles Spaniel, enquanto Vagabundo é um cão de rua, sem raça, embora astucioso. Nem é preciso dizer que os destinos dos dois animais acabam se cruzando. Um dia, Lady foge e se perde na cidade, contando com a ajuda de Vagabundo para voltar para o seu mundo real.


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