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Estado de Minas

Professor de matemática por 64 anos recebe título de Engenheiro do Ano

Considerado 'paizão' em sala de aula, Edson Durão Judice recebe hoje o título que em 2014 contempla a educação


postado em 11/12/2014 06:00 / atualizado em 11/12/2014 08:13

(foto: Cristina Horta/EM/DA Press)
(foto: Cristina Horta/EM/DA Press)
A paixão infinita pelo ensino está presente em gestos, palavras e lembranças do professor de matemática Edson Durão Judice, nascido, criado e residente em Belo Horizonte. Na sala do seu apartamento no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul, o engenheiro civil formado em 1948 faz um gesto no ar, como se quisesse abraçar cada um dos milhares de ex-alunos, eleva à enésima potência a necessidade da educação no país e se mantém com um livro nas mãos, certo de que leitura e estudo são atividades ímpares na vida. Perto de completar 90 anos e 60 de casado – “gosto de múltiplos de 10”, brinca –, o professor tem hoje um dia especial: receberá, às 20h, o título de Engenheiro do Ano 2014 e a Medalha Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), ambos concedidos por essa instituição. Feliz, ainda se surpreende e raciocina com modéstia: “Veja só, o engenheiro do ano é um professor de matemática”.


Os méritos de Edson se encaixam com perfeição nos objetivos da SME, que, pela primeira vez em mais de três décadas do prêmio anual, contempla a educação. Com lucidez e simpatia, ele agradece a homenagem e conta que completou em 2013, quando entrou pela última vez na sala de aula como docente, 64 anos de ofício. “Ser professor é pura vocação, tem que juntar gosto e dedicação, adquirir conhecimento e transmiti-lo. O mais importante, no entanto, é saber estimular a turma, fazer o aluno vibrar com o assunto. Se não for assim, o aprendizado se torna impossível.”

Pai de cinco filhas e avô três vezes, o professor é fã número um da disciplina que considera “linda” em todas as etapas, principalmente “quando se chega à solução de um problema”. Para quem morre de medo de cálculos, teoremas, logaritmos e equações, o mestre que lecionou para engenheiros, arquitetos, economistas e administradores faz observações valiosas e afasta o estigma de bicho-papão. “Matemática não é difícil, mas exigente. Trata-se de matéria sequencial, tudo está encadeado, é método dedutivo. Não se pode saber o conteúdo de um ano letivo se não tiver aprendido o do ano anterior.”

Estudando sua “matéria-prima” até hoje, num misto de disciplina e atualização, o homenageado da noite alterna a prática com a leitura de romances – no momento, não desprega os olhos da reedição de A 25ª Hora , livro do romeno C. Virgil Gheorghiu ambientado nos tempos da Segunda Guerra Mundial. Para ouvir, músicas clássicas compostas por Mozart e Beethoven. Mas os números são alvo das maiores atenções e afeto. Depois de servir um cafezinho com pão de queijo, ao lado da mulher Maria Helena, professora de português, ele dá mais uma lição de vida. “O estudo da matemática melhora o raciocínio, torna-o bem mais ágil. É ciência básica, da qual dependem os avanços tecnológicos. Tenho uma filha juíza que, antes do direito, fez matemática, e fala que o curso a ajuda muito no raciocínio.”

RETRATOS Nascido “numa casa na Rua Tupinambás, a um quarteirão da Praça Sete”, no Centro da capital, o professor Edson viu muitas transformações na paisagem da cidade, que completa 117 anos amanhã. “Gosto da minha terra, sou do tempo dos bondes. Mas houve um crescimento desenfreado, está uma balbúrdia, com ruas entupidas de veículos. Renovei minha carteira de habilitação até 2017, mas tenho deixado o carro na garagem do prédio. Prefiro andar a pé e de táxi.”

Deixando o sofá da sala e agora de pé, perto da mesa de jantar, Edson faz uma viagem no tempo por meio dos álbuns de fotografias e dos retratos pendurados nas paredes. Lá, está o menino com uniforme de escoteiro; adulto, ao lado do pai Herculano, fotógrafo profissional; recebendo o diploma de conclusão de curso das mãos de Mário Werneck, então diretor da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais, atual Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e diante do quadro-negro. “Tinha muito estudante que ‘filava’ minhas aulas de geometria analítica ou de cálculo, deixava o seu professor para ficar na minha sala. Tive alunos fantásticos e, na verdade, sempre fui um paizão para eles.”

O profundo amor pelos estudos começou na infância. Sempre lembrando datas e períodos com exatidão, o belo-horizontino conta que cursou o primário na Escola Cesário Alvim (1933 a 1936) e ginasial na Afonso Arinos (1937 a 1941). Dos 17 anos em diante, foram mais sete anos, dos quais dois de preparatório para o vestibular e cinco no curso de engenharia civil.

DOIS MAIS DOIS Edson foi um dos alunos pioneiros (1953) do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro, que promove a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, e concluiu, dois anos mais tarde, o doutorado em economia na UFMG. Em 1962, se tornou doutor em matemática na mesma instituição, onde trabalhou de 1949 a 1987.

Já na PUC Minas, Edson ingressou em 1966, lecionando nos cursos de administração, arquitetura e urbanismo e engenharias. O vasto currículo mostra que o professor Edson foi um dos fundadores da Fumec e escreveu muitos livros, entre eles, Elementos de geometria analítica, Elementos de álgebra vetorial e O teorema de Sard e suas aplicações. Atenta, Maria Helena explica que esse último, datado de 50 anos atrás, foi publicado pelo Impa e introduzido nos seus cursos de pós-graduação, pois não havia nenhuma obra no mundo sobre o assunto.

De novo acomodado no sofá da sala, o professor de matemática garante não haver segredo para viver bem. “Basta tranquilidade, sem esquentar muito a cabeça.” A conversa está ótima, mas chega a hora de despedir – com pesar, pois o professor é uma pessoa fascinante. “Então, tudo certo como dois e dois são quatro?”, diz o repórter, citando o dito popular. Com voz segura e sorridente, ele responde: “Dois e dois, nada, isso é nota zero. Agora, dois mais dois é que são quatro”.

Ver galeria . 4 Fotos  Edson Durão Judice, em 1946, durante formatura do CPORCristina Horta/EM/DA Press/Reprodução
Edson Durão Judice, em 1946, durante formatura do CPOR (foto: Cristina Horta/EM/DA Press/Reprodução )



SERVIÇO


Dia do Engenheiro – A entrega do prêmio, que celebra também o Dia do Engenheiro, será às 20h no auditório do Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Minas Gerais (Sicepot-MG), na Avenida Barão Homem de Melo, 3.090, no Bairro Estoril, na Região Oeste da capital.

ENTREVISTA

Edson Durão Judice, professor de matemática

'Felicidade não se mede em números'


Qual a importância da educação hoje?

A educação pode melhorar o mundo, mas há muito para ser feito. No Brasil, especialmente, trata-se de um desafio difícil e permanente. Antes de tudo, é preciso preparar melhor os professores, o que leva anos. E depois tem que lhes dar uma remuneração justa, um bom salário. Todo mundo quer saúde, qualidade de vida e respeito pelos direitos humanos – e tudo passa pela educação.

E o papel da ciência?


O mundo tem 7 bilhões de habitantes e, como já disse, a situação da educação está difícil. Por meio da tecnologia, podem-se melhorar as condições de vida, o conforto, a produção de alimentos e a geração de eletricidade.

Do que os jovens mais precisam?

Disciplina é muito importante, o aluno indisciplinado não aprende. Antes, os jovens eram mais interessados em estudar, hoje tem divertimento demais. O computador escraviza, o celular escraviza… O jovem precisa de uma família que cuide dele, que olhe para ele e o ajude a resolver seus problemas.

Qual seu ideal de felicidade?


Isso não tem jeito de medir em números! Sou católico, tenho muita fé e aprendi que, sem religião, fica mais difícil ser feliz. Qual a esperança de quem não acredita em Deus? Para ser feliz, é fundamental também ajudar os outros e ter sempre essa vontade. A vida inteira gostei de ser professor e de ajudar meus alunos.

Então, ciência e religião podem conviver bem?


Com toda certeza, podem viverem harmonia.

Matemática é tão difícil mesmo?

O mais importante é compreender a matemática e gostar. Resolver um problema, chegar à solução é a coisa mais linda que tem. O professor tem que fazer o aluno vibrar com a matéria durante a aula; se isso não ocorre, nada feito. Matemática não é difícil, mas exigente. Os jovens devem saber que, para estudar termodinâmica, mecânica e estrutura de edifícios, precisam aprender matemática.


DEPOIMENTOS

Augusto Celso Franco Drummond
Presidente da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME)

“Em 2014, decidimos homenagear a educação. Esta é a primeira vez que a Sociedade Mineira de Engenheiros, desde a instituição do prêmio, em 1983, destaca alguém da academia. Temos, assim, o professor Edson Durão Judice, que lecionou durante 64 anos e é formado em engenharia civil. Como educação, devemos entender todos os aspectos, da formação tecnológica à pós-graduação”

Rodrigo Octavio Coutinho Filho
Chanceler da Medalha Sociedade Mineira de Engenheiros

“O professor Edson sempre foi um homem acessível, atencioso, disposto a se aproximar dos alunos com cortesia. Fui seu aluno em 1972, no curso de engenharia civil no antigo Ipuc, na PUC Minas, e acho adequado chamá-lo de mestre pela clareza como ensinava. Ele domina a arte de ensinar, é um verdadeiro artista ao tratar de cálculos, álgebra e outros aspectos da matemática”


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