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Estado de Minas DIREITO DE PROTESTAR X DIREITO DE IR E VIR

Onda de protestos divide opiniões em BH

Pela terceira vez em dois dias, manifestação com dezenas de pessoas fecha o tráfego no Centro de BH. Atos como o dos policiais civis dividem opiniões


postado em 22/05/2014 06:00 / atualizado em 22/05/2014 08:27

Enquanto cerca de 60 manifestantes interditavam a Praça Sete, travando o tráfego em todo o Centro, agentes da BHtrans providenciavam desvios para minimizar transtorno(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Enquanto cerca de 60 manifestantes interditavam a Praça Sete, travando o tráfego em todo o Centro, agentes da BHtrans providenciavam desvios para minimizar transtorno (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

A passos de procissão, levando caixões e faixas com reivindicações, 60 policiais civis cruzaram as avenidas Antônio Carlos e Afonso Pena, ontem, bloqueando totalmente o sentido Mangabeiras de uma das mais importantes artérias de tráfego de Belo Horizonte. Imediatamente, o trânsito da hora do almoço na área central ficou congestionado, cruzamentos precisaram ser fechados e desvios de emergência foram providenciados. Dentro dos veículos retidos ou em pontos de ônibus que deixaram de ser atendidos pelo transporte coletivo, muitas pessoas reclamaram da perda de compromissos, enquanto outros apoiavam o movimento que pede melhorias na segurança pública brasileira. A onda de protestos, muitos deles com baixa adesão, como o de ontem, divide as opiniões dos cidadãos quando fecham ruas e avenidas e impedem que os belo-horizontinos se desloquem para a casa, os estudos ou o trabalho. Especialistas e até a polícia dizem que enquanto não houver uma regulamentação sobre o assunto, pouco pode ser feito na prática para liberar pistas e impedir que o direito constitucional de ir e vir fique refém do direito constitucional de livre manifestação, mesmo quando poucos atrapalham muitos.

Só nesta semana foram três passeatas na capital mineira que, apesar de arregimentarem menos de 100 ativistas, tiveram impacto considerável sobre a cidade. No fim da tarde de terça-feira, 60 médicos do sistema de saúde municipal bloquearam a Avenida Nossa Senhora do Carmo. No início da noite, foi a vez de 80 ativistas do movimento Tarifa-Zero fecharem a Avenida Prudente de Morais, na Cidade Jardim. Ontem, foi a vez dos policiais civis. A equipe do Estado de Minas contou exatas 60 pessoas fechando o cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas. Espalhadas, mal ocupavam a extensão de um quarteirão, em sua marcha atrás de um carro de som.

Manifestantes consideram válido o que classificam como participação em nome de outros, por acreditar que o desgaste pode ser revertido em ganhos sociais futuros. “A gente para o trânsito para pedir melhorias no transporte público. Não é por nós. É para todos. Isso atrasa um pouco a vida das pessoas, mas temos de lembrar que todos já sofrem com um tráfego horrível, porque privatizam as ruas com carros e não com veículos coletivos”, disse uma das representantes do movimento Tarifa-Zero em BH, Ana Caroline Azevedo. “Acho que é válido ter um grupo querendo melhorias coletivas, em vez de estar sozinho no trânsito, parado, reclamando”, considera.


Mas o discurso de quem reivindica o direito de protestar em nome de outros está longe de ser consenso. Para o advogado especialista em direito constitucional André Hermanny Tostes, há um desequilíbrio nesse tipo de situação. “Quando poucos interferem nos direitos de muitos é de se desconfiar que algo está errado. O direito à livre manifestação não é ilimitado e não pode se sobrepor ao direito de ir e vir da maioria”, disse. Ainda assim, o especialista avalia que essa seja uma questão mais de evolução educacional do que de direito. “Há instrumentos que podem ser usados, como um mandado de segurança reivindicando o direito líquido e certo de ir e vir, para garantir o tráfego em uma via. O problema é que a Justiça age sob a ameaça de um acontecimento ou depois do acontecido. Isso muitas vezes torna ineficiente a aplicação desse tipo de medida”, disse.


PM alega não poder intervir

Enquanto não houver uma lei que discipline a questão do fechamento de vias durante manifestações ou algum instrumento jurídico que proíba esse tipo de bloqueio, a Polícia Militar não pretende intervir diretamente nos protestos. A afirmação é da comandante do Comando do Policiamento da Capital (CPC), Coronel Cláudia Araújo Romualdo. “Em qualquer manifestação, a PM acompanha e faz boletim de ocorrência ao final, narrando o que ocorreu e o tipo de transtorno gerado para o trânsito”, afirma. Para a policial que comanda os batalhões de área da capital mineira, não existe regulamentação que impeça um grupo de pessoas exercendo seu direito à livre manifestação de tomar uma via, por menos pessoas que sejam – apesar de a Constituição Federal prever tanto o direito à manifestação quanto o de locomoção.

Diante dessa postura, resta aos policiais negociar com os grupos, uma tática que só funciona quando há lideranças bem definidas, o que não ocorreu nas primeiras manifestações contra a Copa do Mundo, no ano passado. “Conseguimos muitas vezes liberar pistas para carros depois de conversar e argumentar com as lideranças de algumas manifestações. E isso já funcionou várias vezes, por exemplo, na própria Avenida Afonso Pena, com manifestantes de uma ocupação na região do Isidoro (Região Norte), que concordaram em ficar em apenas em uma pista da avenida, em frente à prefeitura”, conta.

No entanto, o advogado especialista em direito constitucional André Hermanny Tostes considera que a Polícia Militar pode, sim, intervir em uma manifestação que esteja interferindo nos direitos e sobretudo na segurança de outros cidadãos. “O Estado tem o poder do uso da força e pode lançar mão disso quando considerar que há ameaças a outros direitos. Cabe ao Estado definir quando isso deve ser feito. Se alguém sentir que teve seu direito negado ou prejudicado, resta acionar a Justiça”, disse.

A equipe do Estado de Minas procurou a BHTrans, mas a empresa que controla o transporte e o trânsito da capital mineira se manifestou apenas por nota, afirmando que “monitora as manifestações e implanta os desvios necessários e as operações de urgência para minimizar os impactos no trânsito, como alteração de planos semafóricos”. “Agentes da empresa operam os desvios e rotas de monitoramento e verificam a situação do trânsito nas principais vias da cidade”, informou. Toda a operação é orientada pelo Centro de Controle Operacional da empresa. Informações para os motoristas são rotineiramente disponibilizadas por painéis de mensagens ou da conta no Twitter @OficialBHTRANS.
 

CARA A CARA

O direito à manifestação exercido por poucos pode interferir na vida da maioria?

Não
Maria Rezende, 76 anos
Aposentada
“Acho um absurdo pararem toda a cidade. Vejo uma bagunça generalizada, sem qualquer consideração pelas outras pessoas. Sou idosa e tive de andar mais de oito quarteirões para pegar o meu ônibus”

Sim
Ramon Oliveira, 25 anos
Montador industrial
“Se a manifestação for pacífica, sem quebradeira e roubos, como temos visto, acho que não tem problema parar o trânsito para forçar os governantes a nos dar o que queremos, mesmo que sejam poucas pessoas”

Não
José do Espírito Santo, 58 anos
Despachante
“Falta bom senso nas manifestações. Não se pode parar uma avenida inteira. Por causa desse protesto de hoje não sei mais onde pegar meu ônibus. Estou perdido e tenho prazos para entregar os meus documentos”

Sim
Michele Francislaine Meireles, 30 anos
Vendedora
“Os manifestantes não têm outro jeito de cobrar melhorias sem sair pelas ruas e parar o tráfego. Como é que as outras pessoas vão prestar atenção na causa deles? É a única saída e é direito deles”

Não
Deborah Rabelo Sampaio, 42 anos
Cuidadora de idosos
“Só se manifestar não adianta. Só serve para prejudicar os trabalhadores que precisam do transporte para o dia a dia. Quantos protestos tivemos e em que melhoraram nossa vida? Em nada, até agora”

Sim
Alison Dean Batista da Costa
Motorista de ônibus
“É só assim que conseguimos melhorias no trabalho, salário justo e condições para nossa profissão. Acho que muitas profissões não são valorizadas porque não foram para as ruas mostrar sua insatisfação”


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