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Estado de Minas

Frei pivô da confusão entre fiéis na Igreja de Nossa Senhora do Carmo quebra o silêncio

Frei Cláudio van Balen afirma que suspensão das missas foi atitude autoritária e que não houve diálogo


postado em 30/01/2014 06:00 / atualizado em 30/01/2014 07:08

"Em momento algum incitei as pessoas. Nunca. Não tenho nada a ver com um e-mail que teria circulado convocando os fiéis para protestar contra a minha ausência na missa das 11h, no domingo, na Igreja do Carmo" (foto: Beto Novaes/EM/D. A Press)
Os olhos azuis estão sem brilho e o semblante cansado denota longas horas de reflexão. Três dias depois da confusão entre fiéis na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte, que levou à suspensão da missa dominical das 11h, tradicionalmente celebrada por frei Cláudio van Balen, o principal personagem do episódio quebra o silêncio e se declara inocente nesse “crime”. No início da tarde dessa quarta-feira, após o almoço, o carmelita conversou com o Estado de Minas e se defendeu da acusação de que, no sábado, teria incitado um grupo de paroquianos, já conhecidos como “claudianos”, para impedir a missa de ação de graças, no mesmo horário, celebrada, em caráter especial, pelo pároco frei Evaldo Xavier Gomes, recém-eleito prior provincial (superior) da Ordem dos Carmelitas no Brasil para as regiões Sul e Sudeste, responsável pela paróquia no Bairro do Carmo, na Região Centro-Sul da capital.

“Meu sentimento é de preocupação com uma dose de tristeza, por ver que, nestes tempos, ainda se briga por bobagens, pelo que não é essencial, por leis que nem são leis”, afirmou o frei de 80 anos, numa pequena sala da igreja que iniciou, em 8 de dezembro, a comemoração do seu cinquentenário. “Agora estou sem missa. Fiquei sem a das 11h, no domingo, e sem a das 19h30, na sexta-feira. Ofereceram-me a das 8h, aos domingos, mas não é minha assembleia. Gosto das pessoas idosas que iam, das famílias”, disse frei Cláudio. Na segunda-feira, ele foi informado sobre a determinação da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Ordem dos Carmelitas de suspender a celebração eucarística das 11h, que chega a reunir mais de 1 mil católicos; é famosa pelas homilias do frei holandês, que atua no Carmo há mais de quatro décadas e é partidário da teologia da libertação. “Foi uma atitude autoritária, não houve diálogo, tinham que respeitar.”

Durante toda a manhã de ontem, o religioso trabalhou num texto –“Um esclarecimento necessário” –, escrito na primeira pessoa e com relatos do caso, que ganhou repercussão internacional entre a comunidade católica. Destacando que “as manifestações imprevistas” o prejudicaram, ele registrou que no domingo estava ausente de BH, “acompanhando um casal amigo à sua residência na vizinhança da capital”. O texto informa que “nada disso foi planejado. O que houve foi uma explosão emocional por parte de fiéis, que estranharam a presença, previamente não anunciada, do pároco frei Evaldo. Fui informado por terceiros de que estaria liberado da celebração”.

Sem querer tocar em temas espinhosos, como a pressão sofrida em 2010, quando um grupo de fiéis, temendo a expulsão dele, fez até abaixo-assinado para que fosse mantido na paróquia, frei Cláudio não esconde a surpresa com as mudanças na Paróquia de Nossa Senhora do Carmo. “São características e estilos diferentes, atualmente não se priorizam os serviços”, resumiu. No texto, o carmelita destaca que, “desde longa data, nota-se, em boa parte da comunidade, alguma insatisfação. Se antes, durante décadas, os fiéis se acostumaram com uma participação ativa nos trabalhos paroquiais, sempre de comum acordo, hoje se observa certo distanciamento dessa prática”. E mais: “Esse pano de fundo não justifica, mas pode explicar a espontaneidade de uma reação um tanto estranha e, quem sabe, inoportuna, durante a missa”. A Igreja do Carmo tem um trabalho social de grande amplitude, com uma série de serviços nas áreas de educação, saúde, assistência aos carentes, fisioterapia, biblioteca, alimentação e outros, muito disso graças, segundo paroquianos, ao trabalho de frei Cláudio.

SERVIÇOS E PODER
Lembrando que o povo não aceita mais determinadas situações, o holandês, que chegou ao Brasil aos 17 anos e, em 1967, a BH, frisa que, “fiéis à mensagem de Jesus, nossa convivência na Igreja tem de se afinar com o papa Francisco. Afinal, ela é o rebanho de ovelhas com um pastor, que visa a uma confraternização libertadora e participativa. A característica de nossa assembleia – ‘convocação’ de todos – há de ser não o ‘poder’, mas o serviço que Jesus sintetizou no gesto do lava-pés. Bem diferente, pois, da Igreja tradicional, que se contentava com um rebanho passivo, obediente e, não raro, alienado”.

No fim do texto, o frei diz que respeita as ordens superiores e reafirma o compromisso com a sociedade: “Declaro-me, também em nome dos que estiveram presentes nesse evento, respeitador das hierarquias e disposto a prosseguir no caminho da fé inserida na realidade atual. Nosso objetivo é construir uma comunidade em torno de serviços religiosos – em benefício de uma vida de qualidade para todos – visando à formação de uma parcela do povo de Deus, comprometida com a esperança e com os clamores de nossos dias”.

Cordialidade em encontro

Na tarde de ontem, o titular da Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, frei Evaldo Xavier Gomes, teve uma reunião com frei Cláudio van Balen e considerou o encontro “fraterno”. Mas explicou que não há autoritarismo. “Há sucessão em qualquer organização humana, podendo ser o Exército, empresa e até na família, que passa de pai para filho. Na Igreja não é diferente. O que não é normal é não aceitar que as gerações se sucedam”, disse pároco. Ele admitiu que foi oferecido ao frei holandês o horário de missa dominical das 8h, o qual não foi aceito, e, sobre a missa das 19h30 de sexta-feira, lembrou que “é preciso dar lugar a outros”.

Frei Evaldo disse que o ocorrido domingo, na Igreja, que contou até com a presença da Polícia Militar no altar e ânimos exaltados dos devotos, teve repercussão mundo afora. “Recebi muitos e-mails, alguns de países europeus. O vídeo postado na internet por um anônimo tinha, até a tarde de ontem, mais de 9 mil visualizações.” As cenas mostram gritos, vaias nos padres, bate-boca entre devotos, rostos amedrontados de mulheres, lágrimas e religiosos tentando rezar o terço de joelhos sob grande tensão. Para o superior dos carmelitas, a suspensão da missa das 11h foi uma “resposta normal” a uma situação grave numa celebração eucarística.

Conforme a paróquia, frei Cláudio não celebraria a missa das 11h apenas no domingo passado. A missa especial, presidida por frei Evaldo e concelebrada por outros carmelitas, inclusive frei Tinus van Balen, irmão de Cláudio, seria para comunicar o nome do novo pároco do Carmo, padre Wilson da Mota Fernandes, de 31 anos, e a eleição de Evaldo para prior provincial (superior) da Ordem dos Carmelitas no Brasil para as regiões Sul e Sudeste. Ontem, num raro momento de descontração, frei Cláudio afirmou: “Como estou sem missa, agora vou escrever meus livros e atuar como psicólogo, pois tenho formação para isso. Moro aqui e ficarei até o dia que permitirem”. E fez um pedido ao rebanho que acompanha suas missas, para que não faça novas manifestações.


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