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Estado de Minas

Médicos chegaram, mas estrutura continua atrasada nas unidades de saúde em MG

Inscritos na primeira etapa do programa Mais Médicos contam ao EM o que encontraram no início do trabalho. Precariedade é norma na maioria dos relatos, que incluem até consulta em curral adaptado. Mesmo os que acharam a casa em ordem enfrentam gargalos comuns do SUS


postado em 13/10/2013 00:12 / atualizado em 13/10/2013 07:59

O médico Dirceu Salgado com a paciente Deusdete Costa: atendimento na zona rural precisa lidar com extrema escassez de recursos, mas é bem recebido por moradores(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press.)
O médico Dirceu Salgado com a paciente Deusdete Costa: atendimento na zona rural precisa lidar com extrema escassez de recursos, mas é bem recebido por moradores (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press.)

Faltam equipamentos, os medicamentos são insuficientes ou estão com o prazo de validade vencido, há dificuldade para fazer exames e os postos de saúde funcionam de forma precária, alguns no extremo improviso. Há caso até de paciente atendido em um curral adaptado na Grande BH. Esses são exemplos de problemas constatados pela equipe do Estado de Minas, que conversou com cinco dos 71 profissionais formados no Brasil ou com diploma revalidado no país selecionados para trabalhar em Minas na primeira etapa do Mais Médicos, programa do governo federal que pretende fixar profissionais no interior e na periferia das grandes cidades. Em três municípios – Itaguara e Ribeirão das Neves, na Grande BH, e Januária, no Norte de Minas – foram relatadas pelos profissionais muitas dificuldades. Nos outros dois – Pará de Minas (Centro-Oeste) e Cipotânea (Zona da Mata) – a situação é melhor. Mas, apesar do cenário encontrado em parte das unidades de saúde mais de um mês depois de iniciados os trabalhos, os bolsistas estão passando por cima dos problemas, pois perceberam que o serviço realmente estava em falta.

Formado em Volta Redonda (RJ), o médico Dirceu Carneiro de Faria Salgado, de 57 anos, chegou no início do mês passado a Itaguara, cidade de 13 mil habitantes na Região Metropolitana de BH, para formar uma equipe da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Selecionado pelo Mais Médicos, ele ficou responsável por dividir o atendimento na zona rural com outra equipe que já trabalhava na região. Em uma das localidades, chamada de Matinha, as primeiras consultas foram feitas com companheiros inusitados. “Tem morcegos vivendo dentro da antiga escola municipal. Eles ficaram voando por cima da gente enquanto eu fazia as consultas”, contou o médico, que foi pego de surpresa em outros dois locais. Em um deles, a maca estava improvisada em um fogão a lenha adaptado para receber um colchonete. No outro, atendeu em um curral. “Os pacientes ficavam sentados em bancos improvisados nas antigas cocheiras e o consultório não tinha maca para exames, apenas pequenas carteiras. O piso do curral era de terra batida, só a sala da consulta tinha cimento”, relatou.

Conforme documento redigido pela equipe, faltam equipamentos diversos, como otoscópio (que permite examinar o interior da orelha em busca de sinais de doenças), macas e balança, sem falar em computador, impressora, mesas, cadeiras, entre outros. Mesmo assim, acostumado a atuar na saúde pública, o médico não vê problemas em trabalhar na cidade. “A assistência básica não precisa de tanta infraestrutura. Basta ter vontade, estetoscópio e saber dialogar com os pacientes. Aqui fazemos um atendimento considerado ideal, com exame físico, orientamos com relação aos cuidados e também analisamos os ambientes onde os pacientes moram, nos casos de consulta domiciliar”, afirmou o profissional.

Alheia à questão estrutural, a aposentada Deusdete de Oliveira Costa, de 62, que precisou subir em uma cadeira para se sentar na maca durante o atendimento no distrito de Barro Preto, afirma que a nova equipe melhorou a situação na região. “Antes o médico vinha uma vez por mês, a cada dois meses ou até de três em três meses. Agora, eles estão agendando duas vezes por mês”, afirmou. Com dificuldades na audição, ela carrega a chave da antiga escola onde recebe atendimento. “Cada morador tem a chave e abre quando vai ter consulta”, explicou.

O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM/MG), Itagiba de Castro Filho, diz que há muito tempo a entidade vem denunciando as condições precárias de trabalho dos médicos, especialmente no interior e na periferia das maiores cidades. Ele afirma que não basta alocar os profissionais nos municípios onde não há atendimento: é necessário investir para dotá-los de boas condições de trabalho, se o governo quiser melhorar a saúde do país. “É preciso investir para tirar os pacientes das filas para internações, exames de média e alta complexidade e para UTI. A população quer ter o direito de obter os medicamentos sem precisar entrar na Justiça para isso”, disse.

O presidente do conselho também chama a atenção para a questão dos exames complementares, que muitas vezes não são tão necessários na atenção básica, mas podem ajudar no futuro. “São esses exames, que muitas cidades não fazem, que podem apontar problemas graves em sua fase inicial, facilitando o diagnóstico e o tratamento”, acrescentou. Para o ex-presidente e atual conselheiro do CRM João Batista Gomes Soares, os principais gargalos estruturais em Minas são os medicamentos e as consultas, quando é necessário encaminhar o paciente a um especialista. Sem apontar locais, Soares argumenta ter notícias de escolhidos pelo Mais Médicos que já estão pensando em desistir, devido às condições encontradas. “Se não se criarem os meios, não adianta levar o cidadão. Não existe uma rede de saúde estruturada e nem uma sequência no trabalho do médico da atenção básica. Por isso  ele acaba desanimando e não permanece nos piores lugares”, disse.

Sobre a situação de Itaguara, o secretário de Saúde do município, Edvar Alves, afirmou que um edital de licitação está sendo elaborado para compra de equipamentos médicos, além de mesas, cadeiras, computador e impressora. A expectativa é de que em janeiro os objetos sejam adquiridos pela prefeitura. O secretário admite que a estrutura na zona rural é precária, mas alega que não há justificativa para construir unidades de saúde em localidades que têm poucas famílias. Por isso alguns imóveis foram improvisados, argumenta. “Estou fazendo um levantamento dos imóveis municipais para, a partir do ano que vem, requisitar recursos ao Ministério da Saúde para reforma das unidades”, afirmou.



A obstetra Roseni Norberto encontrou boa estrutura em Pará de Minas, mas há restrição em alguns exames(foto: NANDO OLIVEIRA/ESP. EM/D. A PRESS)
A obstetra Roseni Norberto encontrou boa estrutura em Pará de Minas, mas há restrição em alguns exames (foto: NANDO OLIVEIRA/ESP. EM/D. A PRESS)
Doses sem tristeza

Em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, faltam alguns tipos de medicamentos e a dificuldade em fazer os exames de rotina atrapalham o andamento das consultas. Já em Januária, no Norte de Minas, o problema passa pela falta de equipamentos básicos e o município carece de uma unidade básica de saúde. Em ambos, médicos graduados no país, com o diploma revalidado conforme as leis nacionais ou formados no exterior, foram designados pelo programa Mais Médicos para atender a população. Diante das dificuldades, o jeito é improvisar para dar conta de uma demanda que não era atendida antes da chegada dos profissionais e tentar amenizar o gargalo da saúde.

Ao assumir o cargo em Areias, distrito de Ribeirão das Neves, na Grande BH, a médica Daniele do Amaral Silva, de 31 anos, formada em Cuba e com diploma revalidado pela UFMG, percebeu que parte dos medicamentos tinha o prazo de validade vencido. “Eles já foram substituídos por novos”, conta. Depois, constatou que a farmácia não tinha alguns remédios de prescrição bastante comum, como os antibióticos Benzetacil (indicado para infecções na garganta e pneumonias) e claritromicina (para tratar úlceras, infecções respiratórias e de pele).

“Os pacientes que precisam desses medicamentos têm de ir a outras unidades. Às vezes, para eles não precisarem se deslocar, acabo optando por outro remédio, que não é o ideal, mas ajuda a combater a enfermidade”, diz Daniele. Ela avalia que o posto tem estrutura e conta com os equipamentos necessários para atenção básica, mas um deles está quebrado desde 2 de setembro, primeiro dia de trabalho. “O otoscópio (que permite identificar sintomas de doenças no interior da orelha) não está funcionando. É de uso muito frequente”, diz.

Ao chegar ao consultório, Daniele estranhou o fato de não haver computador. O jeito foi usar seu próprio notebook e pagar cerca de R$ 300 por uma impressora nova, além de comprar os papéis. O toner de tinta consumiu outros R$ 200 e a reposição mensal custa R$ 60, segundo ela. “Quando um paciente vem renovar receita, é só imprimir a que ficou gravada no computador”, observa. O que Daniele não consegue acelerar é a realização dos exames. “Muitos demoram, como ultrassom abdominal, ecocardiograma, exame de sangue e raios X. A maioria prefere pagar na rede particular, para apressar o resultado”, conta.

Ela já havia trabalhado em dois centros de saúde da capital. Apesar dos problemas encontrados em Ribeirão das Neves, ela não se arrepende de ter assumido o cargo no posto, que estava sem médico desde janeiro. “O posto é novo, a estrutura física é boa. Vi que havia uma demanda reprimida muito grande. Alguns pacientes chegam com exames antigos, já sem validade, porque não havia quem pudesse olhá-los”, contou Daniele, que trabalha das 8h às 17h e atende 20 pessoas por dia, em média. “Muitos pacientes estavam sem tomar medicações, porque a receita vencia e eles não tinham como renovar. Outros estavam sem fazer exames de rotina. Alguns recorriam à rede particular”, acrescenta. Segundo ela, gestantes que a procuraram para fazer acompanhamento pré-natal já tinham quase 30 semanas de gravidez.

Mesmo com as dificuldades, a aposentada Salvadora Rodrigues Vieira, de 52 anos, que mora quase ao lado do posto, aprovou a chegada de Daniele. Ela tem diabetes e toma medicação controlada. Antes de a bolsista do Mais Médicos assumir o cargo, a paciente buscava a prescrição no Hospital das Clínicas da UFMG, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de BH. “Eu perdia um dia inteiro para pegar a receita. Agora melhorou demais”, diz.

No entanto, Salvadora reclama do fato de os pedidos de exame demorarem muito para ser atendidos. “Não adianta o posto funcionar bem se não tem condições de o médico trabalhar. Minha filha de 19 anos apresentou um pedido de ultrassom na garganta em maio e até agora não a chamaram para fazer”, relata. “Pedi uma tomografia em agosto de 2012 e só consegui fazer semana passada. Se estivesse para morrer, morreria”, diz.

A Prefeitura de Ribeirão das Neves informou por meio de nota que a unidade do distrito Areias encontra-se em processo final de reforma. Segundo a nota, o posto não é informatizado, por isso ainda não há computador e impressora. A aquisição de medicamentos está sendo regularizada e o otoscópio sairá da manutenção nos próximos dias, segundo a administração.

O programa


O programa Mais Médicos foi lançado em julho pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de levar profissionais a regiões do Brasil onde há carência de pessoal. Já ocorreram duas chamadas, sendo que apenas aqueles que se inscreveram na primeira fase começaram a trabalhar, a maioria em 2 de setembro. Além de mão de obra, o programa prevê investimento de R$ 15 bilhões na infraestrutura de hospitais e unidades de saúde até 2014 e a abertura de 11,5 mil vagas em cursos de medicina, em parceria com o Ministério da Educação, até 2017.

À espera do posto de saúde

O desafio de trabalhar no Mais Médicos diante de poucos recursos também é encarado pelo médico Gustavo Rocha de Carvalho, que iniciou as atividades em Januária, no Norte de Minas, em 2 de setembro. Ele admite que enfrenta a falta de equipamentos, como nebulizador, mesa ginecológica e até maca. Porém, garante que isso não chega a comprometer a assistência à população. “Enfrentamos dificuldades. Mas contamos com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde para solicitar os exames complementares e encaminhar os pacientes para consultas com os especialistas”, assegura o médico, que atende no posto do Programa de Saúde da Família (PSF) do Centro de Atenção Integral à Criança (Caic), em uma das áreas mais pobres da cidade. Por outro lado, ele – que cumpre jornada de 40 horas semanais e atende, em média, 30 pessoas por dia – disse que a evolução só será maior quando for construída uma unidade básica de saúde na cidade.

Januária recebeu até agora quatro profissionais do Mais Médicos. O secretário municipal de Saúde, Onedes Bruno de Souza, disse que aguarda recursos federais para construir uma unidade básica ou reformar o posto de atendimento do Caic. “Infelizmente, antes a atenção primária à saúde em nosso município nem existia. Eram apenas duas unidades do PSF e passamos para 16.” Ele informou ainda que a administração tenta outras fontes de recursos e aguarda o recebimento R$ 250 mil da União, viabilizados por meio de uma emenda parlamentar. Essa verba será usada para comprar equipamentos e materiais para oito postos no município.

A equipe do Estado de Minas entrou em contato com o Ministério da Saúde para comentar os problemas de estrutura das cidades e fazer um balanço do primeiro mês do programa, mas não obteve retorno.

Quem achou o consultório em ordem

Enquanto médicos relatam problemas estruturais em pelo menos três cidades, há também exemplos de profissionais selecionados no Mais Médicos que encontraram boas condições de trabalho. As cidades não escapam de dificuldades, mas nada que influencie diretamente no trabalho dos novos profissionais.

Com mais de 40 anos de experiência, o médico Thomaz Chelini Pereira, de 67 anos, nascido e criado em Juiz de Fora, na Zona da Mata, resolveu se candidatar para ocupar uma vaga em Cipotânea, município com pouco mais de 6 mil habitantes, na mesma região. O oncologista aposentado foi designado para atuar como clínico-geral, área de sua residência, na única unidade básica de saúde da cidade, que fica na área urbana. “O posto é novo e bem arrumado. Tem os medicamentos de que preciso e uma estrutura para acesso à internet”, contou. Há também laboratório no município.

O médico lembra que a cidade é bem pequena. Portanto, casos de urgência e emergência são encaminhados ao hospital filantrópico ou a outras cidades.

DIFERENCIADO Em Pará de Minas, na Região Central, a obstetra Roseni Fátima Norberto, depois de 16 anos clinicando em São João del-Rei, está atendendo exclusivamente no Centro de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança (Casmuc). Neste primeiro mês, ela fez cerca de 300 atendimentos e garante que a unidade tem todo o equipamento necessário.

“Meu objetivo é oferecer um tratamento diferenciado, mais humano. Principalmente aqui, onde atendo exclusivamente mulheres e crianças, é muito importante essa diferença”, diz. O principal gargalo é a escassez de especialistas para fazer exames de imagem.

O secretario de saúde, Cleber de Faria, diz que a cidade não sofre com a falta de profissionais para a atual estrutura, mas diz que há bairros sem cobertura, o que deixa pelo menos 20 mil pessoas sem uma unidade de referência. Todos são obrigados a procurar postos de saúde do Centro ou de algum bairro próximo. “Estrategicamente, colocamos Roseni no Casmuc. Ela atende justamente essa parte da população.”


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