Corrente de fé, força das palavras e trabalho para valorizar a vida. Na manhã de ontem, o papa Francisco se encontrou com detentos e oito menores infratores no Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro (RJ), antes de rezar o angelus na sacada do edifício. O teor da breve conversa não foi revelado, mas os jovens confessaram ter sentido grande emoção pelo privilégio de ficar tão perto do pontífice e destacaram sua simplicidade e franqueza. Em Minas, outros presos participam, a distância, da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), pois confeccionaram miniaturas dos símbolos do maior evento católico do planeta – a cruz peregrina e o ícone (quadro) da Virgem Maria e terços que passam pelas mãos de milhares de católicos e tocam o sagrado. Além da ocupação, as atividades pavimentam o caminho da ressocialização e da oportunidade de emprego no futuro. _
“É delicado e abençoado”, disse ontem a diretora-geral da Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, Ândrea Andries Pinto, sobre o serviço feito por 17 detentos da unidade prisional em Juiz de Fora, na Zona da Mata. As 30 mil miniaturas dos ícones da JMJ 2013 foram feitas a pedido do frei Flávio Henrique, da Obra Pequenos Monges do Pater Noster, cuja comunidade religiosa reside na cidade. A confecção do material começou em 5 de junho e ficou a cargo de homens de um “pavilhão problemático”, considerados de alta periculosidade. “O papa Francisco disse que ninguém pode desanimar. Precisamos ter confiança no ser humano e saber que a saída está no trabalho e na educação. Muitos deles estão aqui por falta de oportunidade”, afirmou Ândrea, ressaltando que o resultado foi perfeito e vai continuar.
Até domingo, frei Flávio Henrique, ao lado dos demais integrantes da comunidade, está na Cidade da Fé, no Riocentro, em eventos promovidos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e parte da JMJ. Ele explica que as miniaturas foram desenvolvidas e licenciadas na Arquidiocese do Rio de Janeiro “para oferecer aos peregrinos do Brasil e do mundo mais do que um suvenir, mas os símbolos oficiais da Jornada da Juventude”. Na sua avaliação, “os presos executam um trabalho de excelente qualidade e que ecoa em todos nós a experiência do evangelho, especialmente na passagem de Mateus, capítulo 25: ‘Estive na prisão e foste visitar-me’”. Além de ajudar no custeio da JMJ, a venda das miniaturas da cruz peregrina e do ícone da Virgem Maria vai ajudar na construção de mosteiro da Obra Pequenos Monges do Pater Noster.
Em Juiz de Fora, Reinaldo Aparecido Rabelo, de 48 anos, é um dos presos dedicados à produção voluntária das peças e recebe pela atividade remição de pena – para cada três dias de trabalho é reduzido um na pena. “Eu me sinto trabalhando para Deus, não estou fazendo um objeto qualquer, essas peças têm significado muito especial”, disse. O colega Gleiderson Batista da Silva, 30, também acredita em algo maior do que a produção das peças de madeira. “Estou ajudando em um evento que vai congregar jovens em torno de Cristo, da paz e da fé.” A diretora Ândrea conta que o frei procurou a unidade ao saber das atividades ali desenvolvidas. “Os detentos viram uma forma de reconhecimento por sua postura e comportamento na penitenciária.”
Terços
Em Itajubá, no Sul de Minas, 12 mil terços com continhas coloridas, representando os continentes, e brancas, simbolizando o papa, foram feitos por 8 detentos. Todos estão sendo distribuídos na JMJ. “Foram dois meses de trabalho”, diz o diretor-geral do presídio local, Rodney Dantas. O serviço é resultado da parceria entre a unidade e a empresa Vilma Artigos Religiosos. A cooperação teve início em 2012 e, em maio deste ano, iniciou a produção de material especificamente para a JMJ.
Dantas também comunga da ideia de que muitos estão privados da liberdade por falta de oportunidades e que a unidade está investindo na expansão de oportunidades de emprego para os presos. “Trata-se de uma atividade de grande relevância, pois incentiva os detentos em sua recuperação, tornando-se uma fonte inspiradora para continuar no trabalho de ressocialização”, disse o diretor. As duas unidades fazem parte do sistema prisional da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds).
Emoção
Em seu encontro com oito menores infratores, o papa Francisco recebeu uma cruz com a inscrição: “Candelária nunca mais” e o nome dos adolescentes mortos no episódio. Emocionado, repetiu: “Candelária, nunca mais. Violência, nunca mais, só amor” e rezou um Pai- Nosso com os infratores. Ele não discursou, apenas disse palavras de encorajamento. Em 23 de julho de 1993, mais de 70 crianças e adolescentes dormiam nas proximidades da Igreja da Candelária. Em uma ação de extermínio da polícia, oito morreram fuziladas.
Diário do Peregrino
Bruno Henrique Silveira, 18 anos, estudante de curso pré-vestibular
“O dia começou mais animador ontem, com o sol aparecendo e a chuva dando uma trégua. O tempo ainda está nublado no Rio de Janeiro, mas nada tira o nosso entusiasmo. De manhã, participamos da catequese com o cardeal norte-americano Edward Burns, do Alasca, que falou muito sobre esperança, fortalecimento da fé e, principalmente, que todos devem pautar a vida pelos ensinamentos de Jesus Cristo. A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) está na reta final, e o contato com peregrinos do mundo inteiro é cada vez mais frutífero. Na noite de quinta-feira, o encontro dos jovens com o papa Francisco foi sensacional. Eu me lembrei muito da sua frase, logo na chegada ao Brasil, quando disse que não trazia ouro nem tesouros, mas Jesus no coração. Nesse dia, nosso grupo de mineiros ficou a cinco metros do papa. Foi muita emoção e é uma lembrança que vou levar para sempre. A expectativa maior, durante toda a sexta-feira, foi com relação à via sacra em Copacabana. Sem dúvida, a JMJ é uma experiência única.”