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Estado de Minas

Pacientes que buscam serviço médico em BH se expõem a risco nas estradas

Pessoas que vêm se tratar em BH colocam a vida em risco viajando por estradas perigosas e em vans clandestinas. Este ano já foram registradas 11 mortes


postado em 15/07/2013 07:00 / atualizado em 15/07/2013 07:09

O mesmo caminho que traz expectativa de vida pode levar à morte. Para pacientes que viajam até 800 quilômetros em um único dia em busca de tratamento médico em Belo Horizonte, os riscos enfrentados nas estradas se somam à doença que os atinge. A polícia não tem estatística de acidentes envolvendo transporte de pacientes em Minas, mas foram vários com vítimas este ano, segundo levantamento feito pelo Estado de Minas. Em apenas cinco acidentes, foram registradas 11 mortes e 26 feridos. Muitas vezes, as vítimas eram acompanhantes de parentes doentes, como a dona de casa Crislene Guimarães de Oliveira, de 18 anos, de Poços de Caldas, Sul de Minas, que morreu carbonizada no dia 3. Ela e o marido, o tratorista Ricardo Felizardo Loro, de 20, traziam o filho Pietro, de 2, que tem uma doença genética no fígado, para consultar em Belo Horizonte.

A Kombi da Secretaria de Saúde de Poços de Caldas, com oito passageiros, pegou fogo em um engavetamento que envolveu sete veículos, no km 546 da BR-381, em Itaguara, Grande BH. Ricardo foi arremessado para fora do carro, salvou o filho, mas não teve tempo de retirar a mulher das ferragens. Outros três passageiros da Kombi e o motorista de um Fiesta também morreram carbonizados. “O carro amassou todo. Nem sei o que aconteceu direito. Acho que tirei o menino pela janela. Não deu tempo de mais nada. Já tinha fogo quando peguei meu filho. Uma senhora saiu com uma menina e acho que todo mundo na Kombi estava vivo e morreu queimado”, lamentou Ricardo.

Segundo o tratorista, o filho era trazido a cada dois meses à capital. “Antes, ele ia de mês em mês e de semana em semana, quando era mais novinho. Toda vez que a gente viaja alguma coisa acontece na estrada. É difícil não ocorrer nada. Um ônibus pegou nosso carro uma vez. Toda vida tem esse problema. Muito perigo na estrada, carreta que corre demais e a gente só viaja rezando”, disse ele. De acordo com a polícia, o condutor de uma carreta bitrem causou o acidente em Itaguara. Ele não conseguiu parar num congestionamento provocado por manifestantes que queimavam pneus na pista.

Dados da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) revelam que BH recebe por dia cerca de 4,4 mil pacientes do interior para consultas e exames especializados, 40% dos 11,2 mil atendimentos diários na cidade. Em busca de tratamento, quem vem do interior enfrenta todo tipo de perigo e transtorno nas estradas. São pistas esburacadas, imprudência e cansaço de motoristas contratados por prefeituras que trabalham num verdadeiro “bate e volta”, a semana inteira, sem descanso. Para complicar, também há o transporte ilegal de pacientes.

Para se ter uma ideia, na terça-feira o EM anotou as placas de 30 veículos estacionados na área hospitalar, aguardando passageiros que estavam se consultando. Do total, três veículos são clandestinos e um deles, de Pitangui, no Centro-Oeste do estado, tem quatro autuações por transporte clandestino de passageiros, segundo o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG). Esses carros têm autuações de trânsito como excesso de velocidade, segundo a Polícia Civil.

(foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Magalhaes/EM/D.A Press)


MAIS ACIDENTES Outra vítima das estradas foi a dona de casa Maria da Conceição Machado, de 76, morta em uma colisão na BR-265, em 11 de fevereiro. Ela acompanhava a volta do marido para casa numa ambulância da Prefeitura de Coqueiral, Sul de Minas. Ao contornar um trevo para entrar na rodovia, o veículo foi atingido por um Uno. A ambulância rodou na pista e a porta traseira se abriu. O casal foi jogado para fora. O marido, José Camilo Siqueira, de 83, sobreviveu.

Em 22 de maio, um idoso de 81 anos morreu ao cair de uma ambulância na BR-040, em São Gonçalo do Abaeté, no Noroeste de Minas. O paciente, que sofria de Alzheimer, morava na zona rural de João Pinheiro, Norte do Estado, e vinha numa ambulância da prefeitura para se consultar em Belo Horizonte. Não havia profissional de saúde no carro, apenas o motorista e a nora da vítima. Eles somente deram falta do idoso 10 quilômetros depois, voltaram e o encontraram morto. A nora disse ter cochilado e não percebeu a porta do veículo aberta.

Em 26 de março, uma idosa morreu e oito pacientes ficaram feridos em um acidente na BR-262, em Pará de Minas, Centro-Oeste do estado. A van da Prefeitura de Nova Serrana, que seguia para Belo Horizonte, saiu da estrada e bateu num barranco. Depois, ainda rodou na pista e bateu de novo. Em 12 de março, três pacientes morreram e 13 ficaram feridos quando o micro-ônibus em que viajavam retornava da capital para Ferros, na Região Central. No km 418 da BR-381, em Roças Novas, distrito de Caeté, Grande BH, o veículo foi atingido de frente por uma carreta na contramão, tombou e caiu numa ribanceira de 30 metros de altura.



Perigo em cada curva

Viajar em uma van que transporta pessoas para atendimento médico na capital é pôr a vida em risco a cada curva. Na quinta-feira, o EM acompanhou a volta para casa de um grupo de pacientes de Conselheiro Lafaiete, na Região Central. A costureira Natalina Gomes Ferreira, de 62, usa um marca-passo e disse que quase morreu do coração quando uma caminhonete ultrapassou pela direita e fechou a van da prefeitura. O motorista José Eustáquio Albuquerque, de 48, dirigia apreensivo, sem conseguir desviar o carro dos buracos. Seu medo era ser atingido por uma das carretas de minério que rodam de maneira imprudente. “Não cobrem direito a carga da caçamba e o minério já quebrou o vidro da van várias vezes”, reclamou.

A todo tempo, José Eustáquio pisava no freio quando um carro vindo da contramão ameaçava invadir sua pista para ultrapassar ou sair dos buracos. “Ando devagar e não passo de 90km/h. Tenho medo de estourar um pneu e sofrer acidente”, justificou. Nas pontes estreitas, o deslocamento de ar produzido pelas carretas que passavam em alta velocidade era de assustar, dando a impressão de que a van seria jogada fora da estrada.

Pacientes que haviam saído de casa de madrugada demonstravam cansaço, mas conseguiam cochilar. Em alguns pontos, a BR-040 é cheia de ondulações e trincas e os passageiros não paravam de sacolejar. “Consertam a estrada e com dois meses descola tudo de novo”, reclamou o aposentado Antônio Dias Barbosa, de 76, que acompanhava a esposa, Olga Resende Almeida Barbosa. A passageira Sinaí Martins, de 58, esteve em Belo Horizonte na terça-feira e retornou dois dias depois. “Faço controle do coração há 30 anos. Já tive derrame e enfarto e no interior não tem recurso. Fui ao médico terça, pediram para voltar quinta e devo retornar em um mês”, disse Sinaí, sempre atenta à estrada. “Tenho marido, filho, dois netos e só penso neles quando pego esta estrada, com medo de morrer”, disse.

A viagem foi perdida para o aposentado José Nunes, de 83, que tem câncer na boca e voltou para casa sem a radioterapia. “O aparelho do hospital quebrou e mandaram a gente retornar amanhã”, contou a filha dele, Luciene Inácia Nunes, de 39, que abandonou o emprego para cuidar do pai. “Desde março, a gente pega esta estrada para fazer exames. A radioterapia começou dia 1º e vai até o dia 19. Praticamente estamos morando na estrada. Ficamos horas parados com as manifestações na BR-040 e meu pai passou mal no carro”, disse a filha.

Para Natalina Gomes, cada viagem é um teste para o coração. Sua insuficiência cardíaca deve-se à doença de Chagas, que matou sua mãe aos 42 anos e o irmão aos 17. “Morreram à mingua, sem médico, lá em Ladainha. No meu caso, o maior medo é morrer nesta estrada, pois do coração estou tratando”, disse a costureira. No dia anterior, segundo o motorista, 90 pacientes deixaram Conselheiro Lafaiete para consulta e tratamento na capital. Na quinta, muitos desistiram da viagem, temendo protestos na BR-040.


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