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Estado de Minas

Pais usam diálogo e firmeza para convencer filhos a não se transformarem em adultos cedo

Apoio de psicopedagogos ajuda nessa batalha


postado em 17/03/2013 06:00 / atualizado em 17/03/2013 13:24

O casal Marcelo e Silvana se reúne aos sábados com os filhos Henrique e Gabriela para jogar, conversar e estreitar a harmonia em casa(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
O casal Marcelo e Silvana se reúne aos sábados com os filhos Henrique e Gabriela para jogar, conversar e estreitar a harmonia em casa (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)

 

Nove tatuagens pelo corpo, dois casamentos nas costas, a locutora de voz aveludada Vanessa Mariano, de 43 anos, daria a primeira impressão de ser uma mãe liberal. No entanto, a moradora  no Bairro Anchieta, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, passou a ser tachada de “mãe mais chata do prédio” pelos filhos dos vizinhos. Ela e a filha Monique, de 9, sofrem uma espécie de bullying no prédio em função de a criança ser obrigada a interromper a  brincadeira e subir para se deitar pontualmente às 21h30. Ela também só admite esmalte rosa clarinho e brilho nos lábios. Com a palavra, a criança: “Minha mãe me explicou que a infância dura pouco tempo e que é bom aproveitar. Se ela falou, é porque deve ser isso mesmo.” Vanessa faz parte de um grupo de mães preocupadas, que enfrentam tudo e todos em prol da infância plena dos filhos.

De acordo com o argumento da mãe,  Monique terá a vida inteira para viver a adolescência e se portar como adulta. “Sei que há uma pressão social, mas não vou ceder. Tenho senso de responsabilidade por ter posto minha filha no mundo. Eu me sentiria relapsa se fizesse diferente”, desabafa a mãe, que chegou a consultar a pediatra, sentindo-se insegura diante das decisões a serem tomadas em prol da filha. “Acredita que a mãe de uma menina de 6 anos fez escova progressiva na menina? Minha filha pediu para fazer também. Fiquei arrepiada só de pensar e expliquei a ela que se tratava de uma intervenção química no corpo e que poderia trazer problemas ao organismo dela”, conta Vanessa, que vê  meninas de 10 e 11 anos descolorindo os pelos na piscina e descendo maquiadas para tomar sol.

Silvana Reis e Silva, de 42, procurou ajuda profissional quando percebeu que seu filho Henrique era uma criança agitada demais aos 9 anos e que ele precisava amadurecer um pouco. Enquanto o garoto desacelerava, viu que a filha Gabriela, então com 11 anos, era madura demais para a idade. “Ela conversava coisas que não eram da idade dela, me chamava de careta e o computador tomou conta da infância dela”, disse Silvana.  Com ajuda psicopedagógica, a mãe e o marido, Marcelo, começaram a mostrar à filha que ela estava pulando etapas da vida e que ainda estava na fase de brincar, andar de bicicleta. “Na época, fomos  buscando alternativas. Ela deixou um pouco o computador para frequentar mais o clube do qual somos sócios, e a conviver mais com outras pessoas da idade dela.”

(foto: ARTE EM)
(foto: ARTE EM)
Gabriela voltou a brincar na área infantil do clube, participar das colônias de férias. Tudo que achava não fazer mais parte da vida dela. Hoje, aos 13, começa a vivenciar a etapa que queria ultrapassar. E a brincadeira passou a ocupar lugar na família. Todos os sábados eles se reúnem, jogam, brincam, se desafiam.  Um cardápio de jogos que deixaram a família mais unida. “É sempre muito bacana, trouxe uma harmonia familiar”, diz Silvana.

Mas, segundo a mãe, o desafio continua. O uso da maquiagem está em constante negociação. “Ela não vai para a escola sem se maquiar, é um lápis ou um rímel. Tive que frear muito porque já começava a querer passar uma sombra, um pó, blush. Explicamos que as mulheres se maqueiam quando vão para uma festa, a escola não é o lugar.” Observando as outras amigas, Silvana viu que o problema estava em todas as famílias. “Em um aniversário dela, todas as amigas trouxeram maquiagem de presente. Levei um susto quando vi. Tive que negociar o que era para usar em qual situação”, afirmou.

Alerta

Segundo a psicopedagoga Maria Eliane Oliveira de Faria, os pais precisam ficar atentos para que as etapas não sejam queimadas e comprometam o desenvolvimento infantil. O problema, segundo ela, é que no futuro tais crianças se transformam em adultos infantilizados, que não conseguem lidar com frustrações, perdas, negações. “Também chamamos de adultoscentes, que são adultos que não se desenvolveram nas etapas certas”, explicou. Segundo Eliane, a infância é uma etapa fundamental que se reflete no futuro, principalmente em termos de limite.

“Se eu pudesse mudar alguma coisa, acho que deveria brincar muito mais do que brinco e ter uma pessoa do meu lado para cuidar de mim”, afirma V., de 11 anos, filha da comerciante G., mãe solteira e envolvida no ramo da moda feminina e da beleza. Ela conta que, quando acorda, a mãe geralmente ainda está dormindo, por trabalhar até tarde. A menina toma o café,  se veste e vai para a escola sozinha, a três quarteirões de casa. “Não é fácil criar uma filha sozinha e ela tem de me ajudar. Ela também é muito independente e algumas coisas eu corto”, explica G., que evita deixar a filha fazer testes para ser atriz de televisão, seu maior sonho. “Primeiro, tem de estudar”, afirma a mãe, que não concordou em comprar um iPhone para a filha, substituído por modelo mais barato e com as mesmas funções.

 

 

Família é prioridade

Para o estilista mineiro Ronaldo Fraga, que participa do movimento Resgatando a Infância, a criação dos filhos é uma aposta. Ele estaria ontem dando palestra no workshop sobre educação infantil se não tivesse que apresentar esta semana a nova coleção na São Paulo Fashion Week (SPFW). Ele já faltou ao evento de moda para se dedicar mais a outras prioridades, como a família (a esposa Ivana e os filhos Ludovico e Graciliano) e a escrever livros. Durante 10 anos, viveu sem televisão dentro de casa.

Quando o filho mais velho completou 11 anos, o casal cedeu ao apelo das crianças. “Acho que a tevê tira muito mais do que dá. Não me refiro aos desenhos, que hoje são mais politicamente corretos do que antes, mas tem as propagandas, que estimulam o ter mais do que o ser. Outra coisa é o emburrecimento. É fácil deixar os filhos em frente da tela enquanto eles se acalmam e você faz outras coisas”, afirma. No lugar da telinha, ele e a mulher se esforçam para levar os filhos em passeios com o cachorro e até para andar de metrô em BH. Nos fins de semana e feriados, buscam ir a sítios de amigos e à fazenda dos sogros dele, em Montes Claros. “Meus sogros estão vivos e aproveitamos ao máximo a zona rural. Muitas crianças acham que alface nasce na banca do Verdemar”, completa.

Palavra de especialista

Jane Patrícia Haddad – psicopedagoga

Crianças têm responsabilidades demais

“Há uma expectativa das famílias para que as crianças cresçam rápido e percebemos que, com isso, elas estão pulando a etapa do brincar. A brincadeira é importante porque é ali que ela expressa o que não consegue colocar em palavras, como a raiva, a angústia, mas elas não estão fazendo essa passagem na infância. As crianças hoje têm responsabilidades demais, horários rígidos, estão muito precoces. São miniadultos, no jeito de se vestir, nos sapatos que usam, como falam, está exacerbado e isso apressa o crescimento. Os pais precisam entender que a criança não é autônoma, ela não tem que ajudar a mãe quando os pais são separados, isso é um peso muito grande e faz com que ela queime etapas. A criança precisa de uma organização externa que vem do adulto, que organize sua rotina sem exageros até que ela chegue à idade certa de ser independente. Outro ponto importante é que esses meninos e meninas têm que ser tolhidos, têm que viver frustrações. Eles têm que esperar para conquistar as coisas. Se aos 10 anos as meninas vão ao shopping sozinhas, supermaquiadas, de salto alto, o que vão fazer aos 15 anos? Se o menino tem celular melhor que o dos pais, o que ele vai desejar, buscar, batalhar amanhã?” 


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