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Estado de Minas

Famílias que perderam apartamentos nos bairros Buritis e Caiçara tentam retomar vida normal

Enquanto isso, aguardam decisão judicial sobre ressarcimento de prejuízos


postado em 27/06/2012 06:00 / atualizado em 27/06/2012 06:35

Um prédio desabou e outro foi demolido em janeiro na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, onde as marcas do drama dos moradores ainda estão expostas(foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Um prédio desabou e outro foi demolido em janeiro na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, onde as marcas do drama dos moradores ainda estão expostas (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)


Depois de perderem o chão, famílias inteiras dos bairros Buritis e Caiçara, em Belo Horizonte, vivem na incerteza e ainda não conseguem vislumbrar um futuro sem pesadelos depois que tiveram de deixar seus apartamentos. Entre tantos problemas, vivendo de favor ou aluguel, elas ainda juntam os cacos e se apegam à família e à fé para levar adiante processos judiciais morosos e desgastantes, na esperança de reaver ao menos parte do todo que virou poeira. Anna Luyza de Barros, de 36 anos, ao lado do marido, Cristian Llorente, de 39, e dos filhos, João Victor, de 11, e Bruno, de 4, afirma viver drama interminável desde que as trincas do Bloco 2 do Edifício Art de Vivre, na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, na Região Oeste de BH, lançaram na lama o sonho da casa própria no ano passado. A ação contra a Podium Construtora – que diz aguardar decisão da Justiça – já se desdobrou em dois processos de aluguel e ressarcimento. O prejuízo chega a R$ 800 mil. “Nossa vida continua de cabeça para baixo. É muito triste você não ter R$ 10. Há dois meses não damos conta de pagar o aluguel”, lamenta.

Para Anna Luyza, o mais difícil é disfarçar dos filhos a angústia que amarga. “A gente faz muito esforço para esconder a nossa fragilidade, mas eles sentem. E sentem muito. O mais velho diz que vê a nossa tristeza e que a gente não merecia passar por isso. O mais novo fez aniversário em maio e a gente não pôde nem comemorar. Ele pergunta sempre: ‘Mamãe, este prédio vai cair?”

O marido, engenheiro, segundo Anna Luyza, passou a ir trabalhar a pé, em mais de hora de caminhada, por falta de recurso. “Sonhamos com outra vida para a nossa família. Perdemos todas as nossas reservas. Nosso apartamento estava quitado. Hoje, tentamos nos apegar aos mínimos sinais de alegria, em nossos filhos, para ter força e continuar”, revela. Anna Luyza conta que nos dois encontros que teve com o advogado da construtora ouviu que a culpa não é da empresa. “Mas é, toda a documentação, as análises técnicas comprovam isso”, afirma.

O desassossego da ex-moradora do Art de Vivre é superado apenas pelo amparo dos pais, que a acolheram nos momentos mais difíceis. Fortalecida, ainda que aos remendos, a família segue unida. A fala da dona de casa Anna Luyza é marcada por razão e sensibilidade. Inconformada, ela relembra o momento em que viu, pela televisão, o prédio condenado ser jogado ao chão. Refere-se ao silêncio e ao sentimento de incapacidade e de revolta contra o que, para ela, podia ter sido evitado. “Logo que vi as rachaduras sabia que se tratava de assunto muito sério”. Tanto que, para todo comprador que aparecia no prédio, ela diz que fazia questão de mostrar o estado do apartamento. Quando foi ao chão, no início do ano, das oito unidades, só a metade estava habitada. “Eles não tiveram a dignidade de pagar nem a mudança das quatro famílias obrigadas, às pressas, a deixar o teto”, revolta-se.


Apenas lembranças

"Sonhamos com outra vida para a nossa família. Perdemos todas as nossas reservas. Nosso apartamento estava quitado. Hoje, tentamos nos apegar aos mínimos sinais de alegria, em nossos filhos, para ter força e continuar" - Anna Luyza de Barros, ex-moradora do Edifício Art de Vivre, no Buritis (foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
O comerciante Cláudio Talini, de 47, logo nas primeiras horas deste ano viu dois blocos do prédio de número 525 da Rua Passa Quatro, no Bairro Caiçara, na Região Noroeste, soterrar duas pessoas. Uma delas, o corretor de imóveis Janilson Aparecido de Morais, de 40, morreu a caminho do hospital. Dos 16 apartamentos, apenas entulho e lembranças. Do apartamento 202A, de três quartos, ficaram as festas e reuniões em família. Para Cláudio, que hoje paga R$ 650 pelo aluguel, a saudade dos encontros de 15 anos muito felizes, ao lado da mãe e dos irmãos. “Um pedaço importante da família, nossas boas lembranças juntos, foi embora”, lamenta.

O desdobramento está longe de chegar ao fim. Cláudio não culpa quem ergueu o prédio. Está seguro de que o responsável pelo desabamento é a prefeitura, que, segundo ele, permitiu que a Rua Passa Quatro acumulasse problemas estruturais. “Não sou perito, mas é o que tudo indica, já que os problemas da rua são conhecidos”.

A prefeitura rebate os moradores com a infomarção de que o edifício não tinha habite-se. O projeto foi aprovado em 1991, mas não houve o comunicado do início das obras – ação obrigatória até 2010. É como se, do ponto de vista técnico, o prédio não existisse.

Cláudio e os vizinhos pagam por perícia que pretende reunir provas. Segundo o comerciante, o prejuízo, “fora danos morais”, ultrapassa R$ 300 mil. Enquanto o processo segue lento, os moradores tentam pôr a vida nos trilhos. “A última informação, há uns 20 dias, é de que o entulho está sendo periciado”, diz. Para Cláudio, o mais triste foi ver o imóvel que livrou a mãe, de 88 anos, das enchentes de Raposos, na Grande BH, desabar. A tragédia só não foi maior porque uma da moradora e quatro policiais salvaram 11 pessoas que estavam no condomínio momentos antes de a estrutura tombar, por volta da meia-noite.


Intimação demorada

O destino dos antigos moradores dos edifícios que desabaram na Rua Passa Quatro, no Bairro Caiçara, e na Rua Laura Soares Carneiro, no Buritis, está na Justiça. No caso do Caiçara, a prefeitura recebeu ofício no dia 18 para que fossem retirados os escombros do prédio para perícia detalhada. Já no do Buritis, todos os antigos condôminos aguardam a intimação feita pelo juiz Alexandre Quintino Santiago, da 16ª Vara Cível para a conclusão da perícia. Enquanto isso, o advogado da Construtora Estrutura, que edificou o residencial Vale dos Buritis, Eduardo Coluccini Cordeiro, afirma que fez questionamentos sobre o laudo da perícia técnica elaborado pelo perito Eduardo Vaz de Mello. “São quesitos suplementares que não foram respondidos ainda”, explica. “Eles estão relacionados ao agravamento da situação do prédio e de toda a rua”, completa.

A advogada Maria do Porto – que morava no apartamento 302 do prédio que desabou no Buritis – acredita que o pedido da construtura seja manobra para ganhar tempo. “Com isso estão aumentando o prazo e se recusam terminantemente a assumir a responsabilidade pelo ocorrido”, reclama. Maria conta que recebe R$ 1,5 mil da construtora por meio de liminar, assim como outros quatro antigos vizinhos. Ela reclama que o valor não é suficiente: “Moro em um apartamento semelhante ao que morava, e o aluguel é R$ 2 mil. É revoltante. E o processo ainda pode se prolongar por muito tempo”, lamenta. Apenas a fisioterapeuta Vânia Figueiredo não recebe o recurso, pois já tinha voltado a morar com os pais no Bairro Nova Suíça, quando o prédio desabou.

No caso do Caiçara, a advogada dos moradores Franciele Faria Bittencourt acredita que o ofício enviado à prefeitura para que o entulho fosse retirado é sinal de andamento no processo. “O perito disse que pediria a remoção, até porque é uma questão de saúde pública. Agora vamos aguardar a intimação do juiz”, comenta. Mas o morador Helvécio José Tibaes se mostra mais desconfiado: “Fizeram uma obra complicada aqui na rua meses antes do acidente. Havia um problema de drenagem de água na região e ninguém quer ser responsabilizado”.

No início de maio, a Polícia Civil apresentou laudo apontando falta de rede de drenagem pluvial na via e nos dois blocos do edifício. No final do mês, representantes da Copasa estiveram na Rua Passa Quatro para verificar a rede de água. A assessoria de imprensa da Defesa Civil não quis comentar os dois casos e se limitou a declarar que informações deveriam ser obtidas com a Justiça . A Sudecap informou que já apresentou parecer e aguarda a decisão da juíza Riza Aparecida Nery, da 4ª Vara de Fazenda Estadual.

 


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