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Estado de Minas Dona Dalva

Moradora que impedia obra na capital muda de casa, mas não de vida

Costureira que bloqueava obra de R$ 115 mi para extensão da Avenida Pedro II cede e aceita oferta para se mudar, mas só consegue endereço em lugar sem saneamento nem transporte


01/12/2011 06:00 - atualizado 01/12/2011 07:06

Dona Dalva no caminho das máquinas e na casa para onde se mudou, no Bairro Ressaca: indenização aumentou, mas continuou insuficiente
Dona Dalva no caminho das máquinas e na casa para onde se mudou, no Bairro Ressaca: indenização aumentou, mas continuou insuficiente (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)
 

A resistência de uma idosa solitária, que de companhia só tem seus cães, já que os parentes mais próximos estão a 660 quilômetros de distância, na cidade de Salinas, Norte de Minas, terminou. A queda de braço entre as máquinas pesadas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a costureira Leonilda de Souza, conhecida como dona Dalva, de 69 anos, teve como desfecho a demolição da casa, na antiga Vila São José, na última semana, e sua mudança para um bairro onde se vê muito lixo e esgoto correndo a céu aberto, e no qual não há ônibus, asfalto, luz, água ou telefone. A moradia de dona Dalva foi a última a resistir entre os escombros que darão lugar à ligação das avenidas Pedro II, João XXIII e Tancredo Neves, orçada em R$ 115 milhões.

Com seu jeito ingênuo e postura persistente, dona Dalva conseguiu retardar sua remoção da vila na Região Nordeste de Belo Horizonte por quase três meses. Com isso, a ligação das três avenidas atrasou ainda mais. Foi iniciada em 2007, com conclusão programada para dezembro de 2010. O prazo foi prorrogado para novembro deste ano. Em 30 de agosto, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) definiu a intervenção, que segundo seus cálculos ficaria pronta em novembro, como o “presente de aniversário para a cidade”. Belo Horizonte completa 114 anos no próximo dia 12, mas, de acordo com a PBH, o presente não vai chegar a tempo. A nova previsão de término para a nova avenida é fevereiro do ano que vem.

As intervenções são importantes para o trânsito da cidade. Pela ligação entre as três vias, espera-se que o tráfego das regiões Pampulha e Noroeste seja aliviado e possa fluir melhor na ligação com o Centro, desafogando outras vias arteriais da cidade, como as avenidas Antônio Carlos, Carlos Luz e Abílio Machado. A intervenção vai beneficiar também o entorno de bairros como Castelo, Serrano, Santa Terezinha, Paquetá, Conjunto Celso Machado e parte de Contagem, na Grande BH. De acordo com a prefeitura, passam diariamente pela Pedro II e Tancredo Neves 85 mil veículos.

Ressaca

Dona Dalva acabou sendo levada para o Bairro Ressaca, em Contagem. “Queria ter ficado na minha casinha, com meus filhinhos (os cães), como vivi por 15 anos. Eles (os representantes da Prefeitura de BH) me mostraram casas na Vila das Acácias e em Nova Contagem, mas não gostei. Aí, como era escolher um lugar ou ir para a rua, vim para cá, porque pelo menos conheço algumas pessoas”, afirma a costureira.

Tanta tensão fez a mulher perder noites de sono e até adoecer. Ela acha que até os três cães, Pitchulinha, Rosinha e Reque, que sempre a acompanham, ficaram abalados. “Sofri muito. Passei mal. Achei que não tinha mais saída. O pior é que meus filhinhos sentiram isso. O Reque não aguentou. Ficou doente, doente e morreu”, lamenta, com a garganta apertada e os olhos marejados pela lembrança do animal de estimação.

Seu drama sensibilizou muita gente e o defensor público que a representou, Ronivaldo Robson do Nascimento, conseguiu duas liminares para impedir que a costureira fosse obrigada a sair. “Resistimos o quanto pudemos, mas precisávamos fazer um acordo. Ela recebeu 50% a mais do que o oferecido antes”, afirma o advogado. A indenização inicial para dona Dalva, que estava prevista para ser de R$ 32.853, chegou a R$ 45 mil depois de negociação na Justiça, de acordo com a Empresa Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel).

Foi o bastante apenas para comprar uma casa sem reboco, pintura ou sequer vidros nas janelas. O quintal cercado que tinha e usava para plantar uma horta foi substituído por um jardim de lama, constantemente pisoteado pela criançada que corre pela rua. Mas ela não desiste e já conseguiu fazer pegar mudas de taioba, pimenta, alecrim, cebola e batata. “O resto, deixei para trás. A casa também é menor. A que vivia tinha seis cômodos. Essa só tem quatro”, compara.

 A indenização inicial para dona Dalva, que estava prevista para ser de R$ 32.853, chegou a R$ 45 mil
A indenização inicial para dona Dalva, que estava prevista para ser de R$ 32.853, chegou a R$ 45 mil (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press)

As condições sanitárias também não são nada boas. A rua onde ela mora, um trecho de lama sobre a canalização do Córrego Ressaca, tem um ponto de despejo de lixo e entulho. O esgoto das moradias vizinhas desce a céu aberto e o mau cheiro invade as casas no calor. Ligações de luz e de água são feitas por meio de “gatos”.

Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), mais de 1.300 famílias removidas da Vila São José já moram em unidades habitacionais da região. “Nos próximos dias, outras 96 unidades serão entregues, totalizando as 1.408 previstas”, informou a assessoria do órgão. Segundo a Urbel, o Vila Viva da Vila São José fez 2.240 remoções. Outras 768 famílias indicaram imóveis para compra ou receberam indenizações e 32 ainda estão no programa de aluguel temporário até que seus apartamentossejam concluídos.


Problemas trocam de lugar

O impasse que opôs dona Dalva e uma das principais obras em andamento em Belo Horizonte foi mostrado pelo Estado de Minas desde agosto. A mudança da costureira, no entanto, esbarra em uma outra situação grave que o EM vem denunciando nas últimas edições. A única casa que ela conseguiu encontrar próximo de onde vivia antes fica bem em cima de uma das canalizações do Córrego Ressaca, que junto com o Córrego Sarandi são os que mais poluem a Lagoa da Pampulha, como mostram reportagens publicadas desde domingo.

Juntos, os dois ribeirões despejam diariamente 130 quilos de fosfato, uma concentração mensal de 4,1 toneladas de poluentes na represa. Isso sem contar as toneladas de lixo e de detritos que assoreiam e poluem a Lagoa da Pampulha, que tem no conjunto arquitetônico da orla um dos cartões-postais mais importantes da capital mineira. Os dados são do Atlas da Qualidade da Água do Reservatório da Pampulha, uma obra do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios (LGAR), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O EM teve acesso exclusivo à publicação, que será lançada em janeiro do ano que vem e distribuída em escolas e locais de acesso público.

Basta andar um pouco pela região do Ressaca para ver que toneladas desses dejetos continuam sendo lançados todos os dias na bacia, sem qualquer fiscalização. A 20 metros da casa de dona Dalva, entre a Rua Castelo Nuevo e a Avenida das Américas, em Contagem, montanhas de lixo doméstico se revezam com pilhas de entulhos da construção civil, de oficinas mecânicas e de indústrias próximas. A vizinhança denuncia que com as chuvas quase tudo é carregado diretamente para o córrego. Crianças brincam descalças, correndo entre os montes onde se vê seringas de insulina, fraudas, cacos de vidro, barbeadores e arames enferrujados.

Mães reclamam que, além do mau cheiro e dos mosquitos que pairam como nuvens sobre o lixo, há infestações de ratos e baratas que entram nas casas, tendo contato com a comida que armazenam, as roupas e produtos de limpeza. “Minha filha e meu marido foram picados por escorpiões. Esse lixo vem de fora, de carroceiros e caminhões. Quando a gente tenta impedir eles quase batem na gente”, reclama a dona de casa Andreia Aparecida Silva Teixeira de Souza, de 31 anos, uma das moradoras.

Casos de dengue e de água contaminada inundando alguns barracos são constantes. “Os líderes comunitários disseram que mais de 30 pessoas tiveram dengue aqui. A gente fica querendo dar o melhor, mas não sabe como criar os filhos no meio de um lugar esquecido como esse”, desabafa outra vizinha de dona Dalva, a também dona de casa Claudirene Alves Pereira, de 34.

De acordo com a Secretaria de Obras de Contagem, a licitação para obras de saneamento no local já estão em andamento pela Copasa. Tão logo a empresa conclua essa etapa da obra, a prefeitura promete fazer a urbanização completa da via e a pavimentação asfáltica, com previsão de término em 2012. Ainda de acordo com a secretaria, a limpeza urbana e a coleta são feitas constantemente no local. “Um trabalho de conscientização da comunidade para manter o lixo nas ruas apenas em dias de coleta já foi realizado. Porém, o volume de despejo clandestino supera a capacidade de limpeza”, informou.
 


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