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Estado de Minas Abaixe o som, BH!

Barulho estoura limite da Lei do Silêncio em 86% do território em BH

Barulho na madrugada vai além dos 45 decibéis. Maiores poluidores são bares


07/10/2011 06:59 - atualizado 07/10/2011 07:09

Só com algodão no ouvido ou travesseiro na cabeça para ter uma noite de paz absoluta em Belo Horizonte. Nas madrugadas, a cidade registra em 86% de seu território som ambiente acima do limite de 45 decibéis (dB) permitidos pela Lei do Silêncio (nº9.505/2008). A informação é de estudo feito por técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), que reúne dados de mais de 10 anos de medições realizadas pela prefeitura. Divulgada ontem, um dia depois de o Ministério Público estadual ter cobrado do poder público pulso mais firme no combate ao barulho, a pesquisa também mostra que, na hora em que muita gente está pensando em dormir cama, entre as 22h e meia-noite, cerca de 75% da cidade superam os 50 decibéis, máximo previsto na legislação municipal.

O estudo procurou saber qual é o ruído ambiente da cidade, aquele som que o cidadão escuta de dentro de casa sem considerar uma fonte sonora específica, seja um bar, ar-condicionado ou o cachorro da vizinha. “Medimos o ruído de fundo, que é a fala da cidade, o barulho que sempre está presente e não dá para ser desligado”, explica um dos autores, o fiscal de controle ambiental Roberto Murta. Apesar de a pesquisa não estabelecer os maiores contribuintes para aumentar o volume do som de BH, o ranking de reclamações do disque-sossego da prefeitura dá indícios de quem é o vilão da tranquilidade. Bares, restaurantes e casas de shows representaram 55% das queixas registradas pelo serviço entre janeiro e agosto deste ano.

De acordo com o estudo, durante o dia, o som de BH é de, em média, 55dB, o equivalente ao barulho de um escritório movimentado, abaixo do limite de 70dB permitidos entre as 7h e as 19h. A partir de um software espacial, a pesquisa estimou o ruído ambiente dos 570 mil endereços porta a porta da capital. Como já era de se esperar, o Centro é a zona mais barulhenta, principalmente na área mais próxima ao metrô. Mas, na calada da noite, quem desafia o silêncio é a Vila Santa Rita, no Barreiro.

Apesar de usar dados de medições das ações fiscais da prefeitura, o levantamento foi feito de forma independente, no intuito de servir como instrumento para a fiscalização da Lei do Silêncio. Os dados da madrugada são computados até cerca das 2h. “Apresentamos essa pesquisa à secretaria e eles estão estudando de que forma vão usá-la”, afirma Murta, que assina o projeto junto de dois colegas, um deles ex-gerente de fiscalização da poluição sonora da secretaria. O fiscal, que considera a Lei do Silêncio em BH de vanguarda, acredita que será possível definir melhor as fontes responsáveis por aumentar o som da cidade. “Sou capaz de avaliar qual a contribuição de cada fonte para o ruído de fundo”, afirma.

O coordenador do laboratório de acústica e dinâmica da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, Marco Antônio Vecci, elogia o estudo, mas pondera que o barulho é muito sensível em relação à posição da fonte emissora. Ele também ressalta o risco desses limites para a saúde. “A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o limite de 35dB para que a pessoa possa ter uma noite de sono tranquila”, diz o professor, que também reconhece a importância da pesquisa para a construção civil. “Dessa maneira, podemos saber o quanto é preciso isolar a fachada do prédio. As novas normas técnicas brasileiras aumentaram o isolamento acústico de janelas de 15dB para, no mínimo, 20dB”, conta.

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel) questiona o limite de 45dB estabelecido pela Lei do Silêncio e, em nota, alerta que proposições tão restritivas podem pôr em risco a vocação da capital mundial dos botecos. A prefeitura foi procurada, mas não se manifestou.

Tormento Um vizinho de prédio sugeriu a instalação de vidros duplos, mas o engenheiro José Nelson de Almeida, de 65 anos, não admite se tornar prisioneiro do barulho dos outros. Morador da Rua São Romão, no Bairro São Pedro, Centro-Sul, ele convive com a agitação de volume máximo em dois bares, já perdeu muitas noites de sono e, irritado, ligou para o disque-sossego inúmeras vezes. “Não é mau humor, mas conversa de bar é gritaria e isso faz da nossa vida um inferno, principalmente nas madrugadas de sexta e sábado”, desabafa.

Os decibéis da alegria de alguns causam transtornos acima do nível aceitável aos moradores. José Nelson já acompanhou a medição de fiscais de posturas e, segundo ele, a passividade da prefeitura incomoda mais que os eventos de música ao vivo.

“As pessoas chegam para o happy hour e acabam estendendo para a night hour. Bebem demais, falam muito alto, sem controle nenhum. Elas se reúnem em casas totalmente abertas, sem nenhuma estrutura acústica para conter o som nas varandas. Essas casas foram transformadas em bar sem nenhum projeto da prefeitura e essa seria uma ferramenta importante de fiscalização. A televisão precisa ficar com som mais alto, a família não consegue conversar em casa no jantar, a gente simplesmente não consegue dormir. O silêncio é fundamental para um sono reparador. Mas, com esse barulho insuportável, fico cansado no dia seguinte”, reclama.

Betoneiras, gritaria, buzinas...

Do alto do 18º andar de um edifício da Rua Guajajaras, em Lourdes, o médico oncologista Bruno Aragão, de 47 anos, faz um simples teste para confirmar que Belo Horizonte produz um barulho quase ensurdecedor. Controle remoto na mão, ele precisa indicar o dobro do volume em horários de pico, para conseguir ouvir os programas na televisão. Na noite de quarta-feira, chegou em casa depois de um dia cheio de trabalho e encontrou 10 betoneiras funcionando na construção de um hotel.

“Já reclamei de um bar que colocava música ao vivo na rua, convivo com os barulhos do canteiro de obras de um hotel mesmo depois do horário permitido, fora o excesso de buzinas por causa dos congestionamentos. Consigo ouvir tudo isso mesmo do alto. Mesmo com as janelas fechadas, minha TV fica no dobro do volume normal. Minha preocupação são as consequências que isso pode trazer para a nossa audição e a das crianças”, afirma ele.

As reclamações que chegam à prefeitura são as mais variadas e passam até por latidos de cachorro, crianças brincando nas escolas, comemorações nas quadras esportivas, panelas e vasilhas se chocando em restaurantes e fiéis em igrejas. Na casa da estudante de Serviço Social Ana Paula Silva, de 29 anos, no Bairro São Francisco, Região da Pampulha, o incômodo maior é de dia. Vizinha de uma serraria, ela não consegue estudar com tranquilidade.

“O maquinário funciona das 8 às 18h cortando aço e metais. Na parte da manhã, fico em casa para estudar, mas preciso fechar todas as janelas e ainda assim o barulho incomoda. É difícil de me concentrar. Meu irmão trabalha a semana toda e espera o fim de semana para dormir até tarde, mas também não consegue no sábado, porque eles abrem. É uma convivência muito difícil e não sei como resolver”, lamenta.

O apito de alerta da ré de uma carreta que transporte uma retroescavadeira obriga o funcionário público Teonílio de Azevedo, de 51 anos, a levantar mais cedo da cama. Morador da Sagrada Família, ele acorda às 5h30 com o barulho do equipamento, duas a três vezes por semana. Mas o motivo de sua reclamação ao disque-sossego foi o latido insistente de uma vira-lata na casa vizinha.

“O latido da cadela incomoda até a dona. É o dia todo assim e às vezes nos faz acordar à noite, sobressaltados. A cachorra fica muito presa, o que gera estresse para ela e reação a cada pessoa que passa na rua. Foram duas reclamações e a Secretaria de Meio Ambiente fez campanha educativas com a dona, que levou a cachorrinha para o outro lado da casa. Isso melhorou um pouco. Se não der jeito e o incômodo insistente continuar, terei que procurar a Justiça”.

(foto: Arte EM)


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