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Estado de Minas A CIDADE DOS SEM-ENDEREÇO

Moradores de rua se multiplicam em BH

Antes limitada à área central, população de rua se multiplica por toda a capital, transformando-se em desafio inflacionado pelo crack. Apesar da percepção de que fenômeno está se agravando, BH não dispõe de dados oficiais atualizados


postado em 05/10/2011 06:00 / atualizado em 05/10/2011 06:23

Área Hospitalar, regional Centro-Sul(foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Área Hospitalar, regional Centro-Sul (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)


Estão por todos os cantos. Fazem de marquises dormitórios, dos vãos de viadutos, moradia; beiradas de praças viram cozinha, uma esquina escura, banheiro. E bebem, fumam (de tudo), brigam, o que os torna ameaçadores ou vulneráveis. Vinte deles morreram só este ano. Gente que faz das ruas casa, por abandono, escolha ou droga, é cada vez mais comum em Belo Horizonte e agora estabelece minicolônias que não se restringem ao Centro: estão em toda a cidade. Empurrados pelo crack, que ganha ares de epidemia, atraídos pela ilusão de emprego fácil em uma metrópole em construção, expulsos por brigas familiares muitas vezes regadas a álcool eles compõem um contingente em franca expansão, que parece fugir ao controle. “Estarrecedor.” É a palavra que usa o gerente do Albergue Municipal, Gladston da Silva Lage, ao falar sobre a rotatividade da unidade, que tem vaga para 320 moradores de rua e 80 migrantes e atende 1.400 pessoas em apenas um mês.

Ele compartilha a impressão generalizada de que a população de rua tem se multiplicado. Não é o único na prefeitura. Ações da própria administração municipal reforçam essa sensação. Uma das últimas investidas, que partiu das regionais Norte e Nordeste, consiste em espalhar pedras sob viadutos e passarelas, para evitar que se tornem abrigo. O secretário municipal de Políticas Sociais, Jorge Nahas, admite a percepção de aumento nesse contingente, mas diz que não há “uma situação de invasão da cidade”.

Porém, ele não dispõe de números recentes, pois faltam dados oficiais atualizados sobre o problema. Censo feito em 2006 pela própria prefeitura indicava que eles eram 1.164, mas a Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte estima que hoje cheguem a 2 mil. O dado parece subestimado, considerando os números do próprio Albergue Municipal, mas, se fosse correto, já indicaria aumento de 71% na multidão que perambula por ruas, avenidas, terrenos baldios e praças de todas as regionais.

 

 

Viaduto Santa Tereza, Regional Centro-Sul(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Viaduto Santa Tereza, Regional Centro-Sul (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

 

 

E eles vêm de toda parte, também. Chegam da Bahia, como P.P., de 25 anos, mas podem vir do Pará, de onde partiu L.C., de 32. Como centenas de outros, milhares talvez, os dois são usuários de crack, que consomem quando não estão no Albergue Municipal. O baiano começou sua peregrinação em Itabuna (BA), buscando se livrar do vício. Passou por Cariacica (ES), onde começou outro tratamento, até voltar às ruas. “Achei que estava forte, mas não consegui parar com a droga”, diz. De lá, foram passagens por Governador Valadares, Rio de Janeiro, até chegar a BH, há 40 dias. Esteve no albergue, conseguiu trabalho temporário, mas há três semanas voltou a perambular. O paraense conhece bem o enredo. Também buscou tratamento em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço. Diz que não se adaptou à instituição. Sem dinheiro para voltar a Belém, há dois meses divide o tempo entre o albergue e a rua. Faz bicos, frequenta um centro de recuperação e igrejas. “Se conseguir me livrar da droga, fico aqui. É melhor, tem mais trabalho.”

Pedras no caminho

Droga é o combustível que mais movimenta essa engrenagem. Warley Silva, do Serviço de Abordagem da prefeitura, diz que o fenômeno de dependentes de crack e outras drogas e de migrantes nas ruas da cidade é relativamente recente. “Não são moradores de rua que consomem drogas, são consumidores de drogas que passaram a morar na rua. E com esses é mais difícil intervir”, constata. Para José Coelho da Silva, orientador social da Pastoral de Rua, as circunstâncias também transformam quem não é usuário em presa fácil. “É muito difícil suportar a dificuldade da rua de cara limpa”, diz.

As pedras são a ameaça do momento. “O crack é a grande praga. O cidadão abandona a família ou vai para a rua por causa de dívida com o traficante. Foge para salvar a pele”, diz o coordenador do Movimento de População de Rua em Belo Horizonte, o paranaense Samuel Rodrigues, o Samuca, que começou a viver “no trecho” aos 13 anos. Ele estima que haja 120 mil pessoas vivendo na rua em todo o país.

Em Belo Horizonte, para o secretário Jorge Nahas, a novidade é a descentralização dessa parcela da população. José Coelho, da pastoral, concorda e tem uma explicação: “No hipercentro tem fiscalização pesada, eles tomam os pertences, mochilas e cobertores dos moradores de rua, que se afastam”. O secretário tem outra versão: “É uma combinação de duas coisas: a dificuldade de ficar no Centro e mais atrativos em outras regiões”.

Jorge Nahas diz que todas as denúncias de agressão são apuradas e que nenhum agente tem prerrogativa de arrancar das ruas o cidadão. “Não podemos cometer essa violência. Por outro lado, o morador não pode se estabelecer na rua. Pode permanecer, mas não se estabelecer”, argumenta. Embora o secretário admita a possibilidade de haver pela cidade mais pessoas fora do alcance do poder público, ele acredita que o número de moradores de rua “habituais” está estável e “no mesmo nível de tensão que sempre existiu”.

 

 

 

Cidade Nova, Regional Nordeste(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Cidade Nova, Regional Nordeste (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

 

 

Pouco teto para muita gente

República Maria Maria (feminina) -40 vagas

República Reviver (masculina) -40 vagas

Abrigo São Paulo (masculino e feminino) -200 vagas

Abrigo Pompéia (famílias) -32 unidades habitacionais

Serviço de Acolhimento Institucional para População de Rua e Migrante – Albergue Municipal – 320 vagas para morador de rua e 80 para migrantes

Centro de Referência Especializado para População de Rua – 130 atendimentos/dia)

Centro de Referência Especializado para População de Rua –Unidade Miguilim (público infanto-juvenil) – 600 atendimentos/mês

Centros de Passagem (quatro unidades) – 60 vagas no total

Atendimento não chega para todos

Em Belo Horizonte, a prefeitura dialoga com 1.011 moradores de rua, que são cadastrados. Cerca de 500 deles estão incluídos como beneficiários de programas federais de transferência de renda e 378 foram admitidos no programa Bolsa-Família. Os participantes desses programas adquirem o direito de, por exemplo, comer gratuitamente nos restaurantes populares. Em agosto, as quatro unidades do município forneceram 10.175 refeições a essa parcela da população. Além disso, são cadastradas no município 18 entidades que fornecem alimentos a essas pessoas. Mas há mais gente do que a capacidade de atendimento.

Para lidar com a questão, a Prefeitura de Belo Horizonte criou o Comitê de Acompanhamento de Políticas para a População de Rua, formado por governo e sociedade civil. “É um grupo em que construímos o consenso. Melhora o padrão de fiscalização, as políticas ficam mais eficientes. Diminuíram as tensões”, afirma o secretário municipal de Políticas Sociais, Jorge Nahas. Ele diz que o morador de rua chega a essa situação depois de uma longa trajetória, e que o caminho de volta é complicado. “A reconstrução da sociabilidade e dos vínculos é um trabalho lento”, diz. A sequência de apoio, afirma, implica proteger a pessoa dos riscos imediatos a que está exposta, estabelecer um vínculo e, depois, construir uma via de saída das ruas.

DE VOLTA Rosa, de 40 anos, conhece as dificuldades desse caminho. Ex-moradora de rua, ela foi amparada pela pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte. Tem uma história que pode ser diferente na origem, mas é igual na conseqüência: uma situação pessoal não resolvida a levou a sair de casa. Cada um tem seus motivos, mas todos passam a enfrentar a mesma vida. “Quando a gente está na rua, a cabeça vai para outros lados. Você não quer beber, mas bebe; não quer usar droga, mas usa”, recorda.

Hoje, depois de muito perambular, Rosa conseguiu reconstituir família, com a qual vive em uma casa cedida pela pastoral. A vida mudou, mas ficaram as marcas dos tempos de rua. A principal é o vírus HIV. “Já vi até morte por causa de droga. Graças a Deus nunca briguei, nunca precisei sair correndo. Mas não posso falar que foi bom. Não dá para ter lembranças boas da rua.” (ML)


Alternativa


Tramita na Câmara de Belo Horizonte projeto de lei que prevê o aproveitamento das áreas sob os viadutos da cidade. Trata-se de uma sugestão do vereador Joel Moreira (PTC) para criar espaços de lazer, esporte e cultura. Segundo o texto, a iniciativa pretende revitalizar áreas degradadas, receber feiras de arte e exposições, instalar locais de apoio a serviços e programas públicos, além de brinquedos, quadras de esporte, pistas de skate e mesas com tabuleiro de jogos. “É uma política pública para a criação de espaços de lazer, esporte e cultura voltados para a população como um todo. Não é para retirar a população de rua”, diz o vereador. A matéria passa pela análise das comissões e ainda não foi votada em primeiro turno.


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