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Estado de Minas entrevista/SILVIA FERNANDES - Expert em marketing fashion e economia criativa

MODA: CRIAÇÃO & MKT

Formada pela Sorbonne e com trabalhos na Dior e Nina Ricci, especialista exalta capital criativo de Minas


04/06/2023 04:00 - atualizado 02/06/2023 14:57
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Wagner Penna
 
SILVIA FERNANDES
SILVIA FERNANDES (foto: Raquel Galan/divulgação)


A valorização das heranças culturais como referência criativa da nossa moda e utilização dessa riqueza 
como ferramenta de marketing para fortalecer o posicionamento mercadológico desse segmento, são algumas das sugestões da expert Silvinha Fernandes para impulsionar a indústria fashion mineira.Suas observações são feitas após uma intensa experiência em Paris – onde formou-se pela Sorbonne e atuou nas marcas Dior e Nina Ricci, duas marcas de prestigio da cena fashion mundial. No seu retorno a BH, intensificou o trabalho de pesquisar e analisar o made in Minas – concluindo que o preciosismo artesanal e criativo mineiro na moda é tão potente quanto o francês, faltando apenas valoriza-lo de forma mais contundente. Nesse universo, ela destaca a importância do trabalho em equipe, da comunicação autêntica nas redes sociais, do respeito à transparência na cadeia têxtil e da interação entre criação & gestão para se fazer boa moda. A utilização da Inteligência Artificial como elemento complementar à percepção humana, também entram nessa conta. Também considera que ‘Minas é uma jóia cultural e BH uma pérola rara’ no assunto fashion.
 
Fale um pouco da sua trajetória profissional.
Eu atuo há 20 anos no mercado de Moda e da Economia Criativa, de uma forma geral. Isso quer dizer, trabalhando com moda, design, música, artes plásticas e beleza - sempre no lado estratégico, de negócios. Tive a oportunidade de ter uma formação internacional. Sou graduada e minha formação no assunto é mestre em Economia e Administração pela Université de Paris 1 - La Sorbonne. Em seguida, me formei em mestre em Marketing, Desenvolvimento de Produtos ou Serviços, pela IAE Gustave Eiffel, além de mestrado e MBA. A escola está no ranking dos top masters da França. Depois, fui buscando complementaridade na minha formação em uma série de cursos de extensão, como na Central Saint Martins School (Londres), no London College of Fashion ( Londres) e ESPM ( São Paulo). 

 
 
O que você extraiu dessas experiências?
Foi na França onde pude realmente aprender a estruturar meu pensamento lógico, desenvolver rotinas produtivas num mercado maduro e que me ensinou demais. Foi um ponto de virada na minha vida. Afinal, é um país que entende os seus processos criativos, tem a economia criativa como uma referência até mesmo de valor nacional, onde razão e emoção andam de mãos dadas e toda inspiração pode e deve ser mensurada quando se trata de gestão. Foi oportunidade de viver uma imersão na arte e cultura mundiais e de forma muito intensa. Mas, ao contrário do que pensam, não existe glamour. A carga de estudo e trabalho é imensa, somos levados aos limites do corpo e da mente. A beleza verdadeira dessa jornada, são as várias conquistas internas de vencer cada um dos desafios ao se viver numa nova cultura. Isso para mim é o glamour. 

Sob o ponto de vista do aprendizado, o que foi mais interessante?
A Sorbonne tem um aspecto interessante. Estudamos todas as técnicas e teorias de gestão e economia com uma abordagem muito humanista. Em cada equação aprofundamos na leitura dos comportamentos dos mercados, países e pessoas que nos cercavam. Anos depois fui entender que preciosidade. Não existe negócio saudável e rentável ou estratégia que se faça valer, sem o ser humano no centro. 


Como avalia sua interação com esses processos diferenciados?
Chegando em Paris trabalhei em uma galeria de arte especializada em fotografia contemporânea. Entre os artistas, tinha o David Lynch. Essa galeria detinha os direitos autorais de Picasso, Modigliani, Jean Cocteau para produtos derivados. Logo depois, conheci meu grande amigo e anjo da guarda, Daniel Richter. Na época, ele era gerente de marketing da Dior / John Galliano, marca própria do criador e filial da marca-mãe. Fui convidada para trabalhar nos showrooms, até integrar a equipe de marketing e comercial. Como tudo na França, equipe enxuta com impacto global.

E como foi trabalhar no marketing da Dior.
Foi um grande aprendizado. Afinal, ao seu lado estavam os vestidos dos tapetes vermelhos, as decisões das maiores lojas de departamentos, a solução de ponto de vendas, a nova campanha e o princípio de uma coleção, o seleto e disputado seating  (assentos) no desfile coroado de artistas. E tudo aquilo seria noticiado nos quatro cantos do mundo. Eu posso dizer que, realmente, aprendi meu ofício ali. Refiz meus compromissos com a moda também. Ao sair do Brasil buscava por mais profissionalização. Na França, encontrei colegas com formações sólidas e capazes de trazer ferramentas estratégicas para o universo da moda. Ler comportamentos, ter coerência em cada uma das escolhas, pensar de forma macro, ter sempre como norte a essência, aquele DNA que se adapta com o tempo - mas se mantém fiel. É fundamental. 


Em termos de gestão, o que conta mais na moda atual?
A moda hoje é sustentada por suas extensões de linha, como acessórios e beleza. Eu desejava viver, com maior profundidade, as estratégias de gestão de marcas, o branding, então, estando naquele lugar, foi muito natural optar por uma marca de moda com  cases relevantes de perfume. Escolhi a centenária Nina Ricci - uma das mais respeitadas da França. O perfume, no marketing, tem o papel de ser o coração da marca - tamanho é o alcance de suas ações e rentabilidade. Assim, renovamos a imagem global da marca, a partir de alguns lançamentos com narrativas de uma jovem e seu sonho parisiense. Foi o MBA dos MBAs, feito na prática. 

Como você enxerga o atual momento da moda mineira.
A moda mineira ainda está longe de representar a sua verdadeira força. Mas não é e nem nunca foi por falta de talento - que sempre tivemos de sobra. Vejo o mercado geral embotado, apagado. Parece que nos desligamos de nossas vocações, que são muitas. Sempre fomos um celeiro do manual (no sentido de artesanal), uma confluência de várias influências que fizeram com que nossos saberes ancestrais ou o savoir faire fossem um grande diferencial. O DNA das nossas marcas é, historicamente, muito autêntico, sempre refletiu a riqueza de nossa cultura. Quando eu cheguei na França tive essa clara percepção sobre nós.

O que falta para gerar riqueza com esse potencial fashion?
Percebi que tudo o que era ressaltado lá na França, tínhamos em BH ou Minas Gerais. O made in, o selo de origem. Esse nosso saber ancestral que é a base de toda a valorização de produtos, é também a base de tradições das marcas de luxo internacionais. A diferença é que lá eles entendem, dão luz, criam regulamentações para memória, preservação, capacitação, boas práticas sociais. Bordados, modelagem, costura, pinturas, receitas, o trabalho com as mãos. Porém, ainda pegamos o avião para comprar tudo isso em outro país que oferece essa mesma essência, só que com sotaque diferente. Minas Gerais é uma jóia cultural, BH a pérola rara. 

Poderia detalhar esse seu ponto-de-vista?
Por um longo momento ficamos individualizados demais, o que acabou esvaziando o mercado. Alguns grupos e associações retomaram esse papel do setor para criar sinergia, força e promover trocas. Precisamos entender que sem trocas, capacitação e multiplicação de técnicas vamos continuar a nos enfraquecer. Quanto mais informação circular, mais rápido será nosso crescimento. As marcas internacionais se beneficiam da concorrência. Quanto mais capaz, mais formação de mão de obra, mais o consumidor final torna-se sensível ao produto de qualidade. Nesse exercício, o olhar precisa buscar informações sobre o que está acontecendo no seu entorno para se voltar para dentro. Ser orientado para a sua diferenciação e posicionamento único. Conhecer o outro para entender quem ele é, qual o meu lugar ao sol. Encontrar, assim, espaço no coração e mente de seu consumidor. 

O que acha essencial para moda avançar?
A moda tem que ter alma, autenticidade, memória - que é legítima e ancestral. Veja a última semana de moda de Paris (em março): todas as marcas revirando seus arquivos e buscando a essência que as impulsionou desde o começo. Usando e valorizando o manufaturado – caso das bolsas tecidas de ráfia da Louis Vuitton ou o cenário nababesco da Dior, todo bordado em tecidos variados. O manual, o artesanal enaltecido como fio condutor entre o passado e o futuro. Observe o sucesso da vitrine da Farm, com uma instalação de crochê, ou da Rinascente (em Milão). Com toda a revolução da Inteligência Artificial, a única coisa que nos diferencia e nunca nos será tirado, é o fato de sermos humanos. Aliás, a moda do futuro vai saber utilizar todos os recursos de dados e informações tecnológicas para se tornar mais criativa e, veja só a dualidade, mais humana.

E o meio-ambiente e a moda consciente?
A moda atual exige a transparência, o respeito de quem fez nossas roupas. Respeitar os pilares do ESG, saber que enfrentamos uma crise climática para a qual não existe Plano B. Não podemos aceitar pagar um valor em um produto que chegou naquele valor porque alguém deixou de receber o que deveria. É também estar consciente que o consumo é um ato muito sério. A compra de segunda mão é uma opção divertida e agradável de garimpar sua identidade em meio a tantas opções. É preciso fazer acontecer essa circularidade. A moda do futuro vai criar experiências que continuarão a nos inspirar e sonhar, sem os limites do físico ou do digital.

As redes sociais tornaram-se vitais para a moda. Com vê essa relação?
Nós somos seres sociais em redes sociais. Então, é sobre relacionamento. Uma das estratégias básicas que posso ressaltar, além de uma marca coerente, é ter em mente as pessoas, o público que quer atingir. Dentro da identidade de marca única, criar um storytelling (narrativa) que converse com os sonhos, desejos e desafios com sua comunidade digital. Para que ela se sinta identificada e consiga ter um diálogo. Um leque de temas que recria um universo compartilhado de estilo de vida em comum. Ter constância, frequência e experimentar as várias possibilidades que as plataformas nos oferecem em formatos diversos.

E a questão dos conteúdos nas mídias sociais?
Todo conteúdo precisa ser pensado de forma estratégica e intencional como um desdobramento da marca, onde ela se posiciona dia após dia. Nunca é somente sobre mais uma postagem nas redes sociais. Ele deve fazer parte de um objetivo maior, dentro de uma linha editorial com um objetivo claro sobre qual o papel dele, para quem ele está se dirigindo, o que está esperando alcançar, que soluções pode propor. Nosso comportamento de consumo acelerou quase 10 anos durante a pandemia. A venda acontece naturalmente quando o valor, o conteúdo é construído em bases verdadeiras. 

Que soluções você apontaria para um bom posicionamento fashion?
A importância de formar, explicar, educar, transmitir informações para o cliente poder sair da miopia das urgências do dia a dia e se entender como uma marca autêntica, potente, com propósitos reais, ao mesmo tempo que vai aplicando as ferramentas. Ao final, deixar como rastro uma trilha de crescimento de  entendimento do todo e resultados consistentes. Referenciais sobre mapeamentos de mercado, identidades conceituais e visuais ou desenvolvimentos de produtos que continuem a contar a história da marca, estratégias de comunicação e mercadológicas que reafirmem o dia a dia e até o momento final – que é o posicionamento sonhado lá no início. 

O que mudou no branding fashion após a pandemia?
Após a pandemia, entendi que o branding precisava existir a partir de outras bases. Consegui criar meu método exclusivo, que pode ser aplicado de forma virtual ou presencial, em um curto período de tempo, sem abrir mão da escuta ativa, da participação do cliente em todos os processos. Mas, principalmente, que ele se identifique no resultado final. Os produtos e serviços precisam ser a tangibilização dos sonhos e dos ideais de seus idealizadores. Isso os faz pulsantes e gerarem conexões verdadeiras com seu público final que, por sua vez, também se identifica com aquela mensagem. Marcas que sejam cada vez mais verdadeiras, engajadas, humanas, conscientes e inspiradoras.

Como descreveria o antes e depois da sua vivência internacional?
Antes de ir para a França, trabalhei em algumas marcas de moda importantes de BH. Foi uma rica experiência profissional e mesmo afetiva. Após os estudos e as vivencias internacionais, senti que deveria repassar o que aprendi para outros – principalmente aqui, em Minas. Crescemos mais quando somamos e agimos em equipe. Foi aí que reconectei com o amigo Rodrigo Cezário e percebemos que nossos propósitos para trazer desenvolvimento de negócios sustentáveis - ele com a Cezario ESG e eu com a Lebô MKT Studio. Ajudo as empresas com o branding, marketing e comunicação digital. Consegui adaptar os processos, as ferramentas internacionais para nossa desafiadora realidade brasileira. Também com o Rodrigo, criamos uma consultoria de desenvolvimento de projetos culturais, pensados de forma estratégica. Paralelamente, ocupo a cadeira de Moda no COMUC - Conselho Municipal de Políticas Culturais - da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte. 


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