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Estado de Minas entrevista/Célio Dias - 31 anos, designer

Manifestação de resistência

Focado na verdade e na essência da marca que dirige, Célio Dias colocou a Led na passarela da semana de moda mais importante do Brasil


21/08/2022 04:00

Célio Dias (de preto)
O estilista Célio Dias (de preto), ao lado de suas criações (foto: Divulgação)


Célio Dias veio de Caratinga trazendo na bagagem o sonho de trabalhar com moda. Quase uma década depois, comemora o fato de ter lançado a Led, uma referência nacional em termos de proposta jovem e antenada com o discurso contemporâneo do novo dicionário fashion.
 
A Led não é apenas uma marca criada para desconstruir as barreiras de gênero e cujas coleções permitem que as pessoas expressem suas identidades. Antes de tudo, é uma manifestação estética de resistência. E tal resistência começa no exercício de uma criação livre, movida pelas experiências do designer e pelas emoções dos momentos que vive. Acrescente-se a isso a sua jornada de aprendizado no caminho que foi percorrendo, suas origens interioranas, o contato com outras empresas e estilistas, a própria chama da moda que cresceu e brilhou dentro dele.
 
O que era um projeto incipiente transformou-se em realidade e Célio começou a empreender e vender sua produção em pequenos bazares e feiras de BH. Seu trabalho encontrou eco junto a um público sedento de novidades e que se afinava com seu pensamento.
 
A prova de que a marca era boa e tinha história para contar aconteceu no concurso Ready to Go, chancelado pelo Sindivest-MG – Sindicato das Indústrias de Vestuário de Belo Horizonte – e organizado pelo TS Studio. A proposta agradou à imprensa e aos empresários, que fizeram parte do júri, e a Led ganhou o primeiro lugar, prenúncio de muitas outras surpresas agradáveis, como o convite para integrar o line up da São Paulo Fashion Week.
 
Se a independência, a transparência e a crença em valores próprios têm um preço, nada mais compensador do que saber que existem reconhecimento e aplausos, por mais árduos que sejam os desafios. A marca de Célio Dias é guiada pelo coração.
 
Qual a mensagem que sua marca quer passar para o mundo?
A Led tem a roupa como manifestação estética de resistência e o compromisso que a gente tem com a nossa história é justamente que todos são livres para usar aquilo com o quê se sentem à vontade e o que desejam, fazendo com que não existam barreiras para isso acontecer.

Você é de Caratinga, interior de Minas. Quando veio para Belo Horizonte estudar, já tinha o sonho de ter uma marca?
Não, o sonho veio a partir do trabalho que pude desenvolver para outras marcas. Decidi, a partir daí, que queria colocar o que acreditava no mundo para que as pessoas pudessem, através da minha moda, expressar sua identidade.

Como isso foi tomando forma? Você já tinha uma mirada do que queria fazer?
Foi aos poucos. Com a Led, pude desenvolver e entender para onde queria ir, fui aprendendo com a marca e colocando as minhas experiências no mercado, compreendendo o que funcionava para mim e o que a gente poderia adaptar. Sempre soube que desejava desconstruir as barreiras sociais de gênero, mas como fazer foi uma escola que aprendo até hoje. Acho que essa é a parte mais interessante da Led, me desafiar e poder propor para as pessoas que se sintam à vontade para escolher o que quiserem vestir.
 
Qual foi a importância do primeiro lugar no concurso Ready to Go para a marca?
Ser colocado em evidência para o cenário nacional de moda. Pude apresentar, a partir do concurso, essa minha visão para diversos jornalistas e profissionais de moda.

Como surgiu a oportunidade de expor na Itália?
Veio a partir da minha entrada na SPFW, que primeiramente aconteceu dentro do projeto Top5. O convite para o Super Talents surgiu em consequência do meu primeiro desfile, através da Sara Maino e da Piarey, que são colaboradoras da Vogue Itália. Foi uma experiência incrível poder levar meu trabalho para outro país e estar inserido dentro de uma das maiores semanas de moda do mundo.

O próximo passo foi desfilar na São Paulo Fashion Week? Como aconteceu o convite?
Como disse, primeiramente participei do projeto Top5, que era uma iniciativa do Inmod, Sebrae e SPFW; depois, migrei para o projeto Estufa, uma incubadora de jovens marcas que participavam do calendário. Foi maravilhoso estar inserido junto a marcas de todo o Brasil e poder trocar experiências e vivências. Em seguida, veio o convite para integrar o line up oficial do SPFW, do qual faço parte hoje. Tudo aconteceu como era para ser e acredito que meu trabalho foi ganhando maturidade e notoriedade no cenário nacional e internacional a partir dali.

Desfilar em São Paulo ou em qualquer outro lugar é coisa cara. Você tem patrocínios?
É muito caro. Hoje, temos apoio do SPFW para conseguir colocar um desfile de pé, além de diversas parcerias que acreditam na Led. Não temos patrocínio de outras marcas, mas é o que buscamos. Ser um designer independente no Brasil requer muita coragem e vontade. Estamos sempre em busca de marcas que nos olhem e queiram apoiar tudo o que acreditamos. A Led sempre traz pautas políticas dentro das suas coleções e é difícil achar patrocínios que queiram estar juntos aos nossos discursos, mas é o caminho que acredito, a moda que eu sei fazer e logo espero encontrar empresas que acreditem nessa parceria.
 
Você ainda participa de bazares e eventos congêneres para dar um impulso econômico à Led?
Sim, participamos de eventos sempre que acreditamos nos valores deles e quando eles dão match com a gente. A Led nasceu dentro desses eventos e é o que nos fez chegar onde estamos. Tenho muito orgulho e fico muito feliz em poder trocar com o público.

Quem frequenta sua loja no Mercado Novo?
Uma diversidade enorme de pessoas. Hoje o mercado é um dos principais pontos turísticos de BH e pensamos, quando decidimos que ali seria nosso primeiro ponto físico, justamente nisso. Queríamos a diversidade de pessoas e coisas que aquele ponto comercial poderia nos oferecer. Então, para quem já conhecia e se identificava com a marca foi ótimo, para os novos clientes também foi uma experiência incrível poder conhecer e pertencer ao nosso universo.
Além do ponto comercial, a Led tem e-commerce?
Sim. Nosso shop on-line existe desde quando começamos. Surgimos em uma era digital e foi o caminho que a gente tinha para que o Brasil pudesse nos conhecer. A partir dali, já vendemos para o Brasil.

Como divulga o discurso agênero, que é uma das características do seu trabalho?
Roupa nenhuma tem gênero e sempre acreditei nisso. Esse passo na Led é um dos nossos pilares: criar para que as pessoas se sentissem bem com o que estavam vestindo. Dessa forma, nossas coleções são pensadas para quem quiser usar, independente de barreiras de gênero. Esse discurso, sem dúvidas, vem de uma experiência pessoal, sempre fui livre para usar o que quis. Nosso trabalho não parte de nenhuma amarra e isso é sempre incrível.

Como você lida com questões como sustentabilidade, por exemplo, que está sempre presente nas marcas jovens?
É uma preocupação que vai além do tecido, precisamos nos preocupar com a cadeia produtiva e saber como aquilo vai chegar ao consumidor. Lido com isso valorizando o que temos no Brasil e sempre atento à produção, valorizando também nossos colaboradores e todos que acreditam na marca.

Você acha que as novas pautas que a moda vem abordando – racismo, inclusões de todo o tipo, ESG – estão caminhando bem?
Acredito que, quando essas pautas saem das redes sociais, sim, estão caminhando bem, mas temos muito a melhorar e fazer. Precisamos sair da zona de conforto que as redes nos trouxeram e colocar em prática aquilo que, de fato, é importante. Uma marca participa da vida das pessoas, de momentos bons e ruins, e é importante que a gente use peças que traduzam nossos valores.

Como é seu processo de criação? Ele passa por temas ou corre mais solto?
Meu processo de criação é sobre tudo que eu já pude vivenciar, não gosto muito do jeito técnico que a moda, às vezes, anda. Prefiro narrar e traduzir em roupas o que de fato eu posso “tocar” e sentir. Então é uma montanha-russa de emoções, mas é o que me dá brilho no olhar para criar coleções.

O que você gostaria de realizar que ainda não realizou por conta de grana ou outros empecilhos?
Meu sonho é conseguir fazer nosso desfile de 10 anos em Belo Horizonte, que já é ano que vem. Além de abrir um novo ponto de venda por aqui, mais um na capital paulista e um no Nordeste, região pela qual sou apaixonado por sua receptividade e cultura. O Brasil é um país fascinante.

De que alternativas pretende lançar mão para a marca crescer?
Eu não lançaria mão dos nossos valores de forma alguma, de poder trabalhar com fornecedores de forma justa e transparente e de continuar usando a moda para me emocionar e emocionar as pessoas. Estamos nesse mundo para fazer a diferença e é isso que fez a gente chegar até aqui. No mais, continuamos abertos para a expansão desde que seja algo extremamente saudável e que faça sentido.

Em que fonte você bebe para se inspirar?
Na minha origem mineira e em tudo que a nossa história de moda traz. Muitos vieram antes de mim e abriram caminho para que eu estivesse aqui hoje. Tenho total respeito com os vieram antes e quero poder abrir portas para os que ainda vão chegar. Tudo pode me inspirar, não canso de imaginar e acredito que minhas principais emoções vêm de histórias que possam me encantar e me emocionar. Costumo dizer que nessa vida precisamos ser encantados e emocionados, precisamos sentir tudo. Já vivemos em uma era muito rápida de tecnologia e não podemos perder o mais precioso que temos, que é a troca.

Que marcas você admira, em BH ou no Brasil, que estão em um caminho que bate com o que você acredita?
São várias. Amo o trabalho da Sonia Pinto, Graça Ottoni e Ronaldo Fraga, que são todos daqui e abriram muitas portas para as novas gerações. Da nova safra de moda nacional, amo o trabalho da Aluf, Victor Hugo Mattos, Ângela Britto e muitas outras marcas que tenho o prazer de conhecer e de pertencer ao mesmo tempo que elas.

Conte algo que não perguntei e que considera importante...
Acredito que precisamos de mais apoio e esse apoio nem sempre virá de iniciativas governamentais, porque não temos importância para o governo, ainda mais para o atual. Acredito e sonho que, um dia, marcas maiores possam apoiar marcas menores, como acontece tanto fora do Brasil. Acredito que o futuro está aí. Precisamos parar de entender tudo como concorrência e entender mais como colaboração. O cenário de moda nacional é importante e precisamos do incentivo para conseguir deixá-lo vivo e pulsante. O Brasil é maravilhoso e muito potente. 


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