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Estado de Minas Aniversário

Tensão criativa

Alva Design busca o equilíbrio entre a poética, a racionalidade e a expressividade, criando objetos que transitam entre os universos do design e da arte


30/01/2022 04:00

Mesas
Mesas Piscina (foto: Studio Tertúlia/Divulgação )


De um lado, uma estilista e artista plástica ligada à materialidade, volumes e cores. Do outro, um arquiteto que gosta de trabalhar com desenhos, linhas e proporções. Os irmãos Susana Bastos e Marcelo Alvarenga unem habilidades que se complementam para desenvolver um trabalho autêntico, expressivo e totalmente instigante na Alva Design. Perto de completar 10 anos, a marca belo-horizontina de mobiliário e objetos transita cada vez mais entre o design e a arte.
 
Marcelo costumava desenvolver móveis para os seus projetos. Segundo ele, design é uma síntese do pensamento arquitetônico (envolve estética, emoção, proporção), só que numa escala diferente. Mas nunca conseguiu se aprofundar nisso. “Na dinâmica da arquitetura, normalmente o design entra com peças mais simples, porque demanda um tempo de desenvolvimento que nem sempre é possível.”
 
Banco
Banco Bo (foto: Studio Tertúlia/Divulgação)
 

Susana achava um desperdício fazer um móvel uma única vez e para um cliente específico. Por que não poderia virar produto? “Sei como é complicado desenvolver uma ideia e fazer protótipo.
Comparando com a moda, você trabalha muito para criar uma peça, mas depois aquilo vira produção em escala, mesmo na alta-costura.” O incômodo dela era ver que isso não acontecia na arquitetura.
A estilista já estava sentindo falta de desenvolver um trabalho mais autoral, fora do ritmo frenético da moda, e propôs para o irmão criar uma marca familiar de design. Alva vem de Alvarenga, o sobrenome deles. Mas Alva também carrega o sentido de começo, página em branco. “Meu desejo era encontrar um novo lugar, onde pudesse refletir e o pensamento tivesse mais tempo para acontecer”, justifica Susana.
 
Penduradores
Penduradores Língua de sogra (foto: Studio Tertúlia/Divulgação)
 
 
Marcelo contribui com o seu conhecimento técnico sobre mobiliário. Já Susana leva sua experiência com desenvolvimento de produto, da concepção às vendas. “O design se parece com a moda no sentido de atender a certas demandas do momento. Apesar de sermos completamente contra a obsolescência programada, conseguimos ter mais sazonalidade”, ele analisa.
 
A liberdade é o que conduz o trabalho. Os dois se dizem livres para criar seguindo os mais íntimos desejos. “Desenhamos para nós mesmos, o que não significa ter uma postura egoísta. Nós temos que ser tocados primeiro pelas ideias. Não pensamos nos outros, criamos tentando descobrir algo curioso, divertido, expressivo, fresco”, explica Marcelo.
 
Susana Basto e Marcelo Alvarenga
Susana Bastos usa sua experiência com desenvolvimento de produtos na moda, enquanto Marcelo Alvarenga contribui com o seu conhecimento técnico sobre mobiliário (foto: Gustavo Marx/Divulgação)
 
 
Foi nessa busca por ideias que despertassem desejo, vontade e emoção que eles chegaram aos gaveteiros. “A gaveta nos instigou conceitualmente”, conta Susana. O interesse era explorar a poética da gaveta, um lugar onde guardamos pequenos objetos, mas também memórias, segredos e afetos. Lançada em 2013, a primeira coleção, de nome Alva, tem gaveteiros e aparador de madeira com detalhes em latão e, o mais icônico, tiras de camurça que criam um efeito de ondulação bastante expressivo.
 
Bandeja
Bandeja Joaquina (foto: Studio Tertúlia/Divulgação)
 
 
Já de cara os irmãos mostraram que não estavam dispostos a seguir o caminho mais óbvio. Susana diz que existe uma escolha consciente de não querer encher o mundo de mais do mesmo. “Por outro lado, tem um pouco da nossa natureza de buscar o especial, o diferente, o inusitado, de gostar do novo, de experimentar, da liberdade de criação.”
 
Marcelo discorda de quem fala que arquiteto só pensa na beleza e na estética. “Tem hora em que somos excessivamente racionais e funcionais”, comenta. Aí Susana entra em cena, com o seu olhar plástico e artístico. Ela consegue enxergar potência em formas aparentemente estranhas e desproporcionais. Percebe o que é mais autêntico, expressivo e que tem sentido de existir. A irmã acaba sendo curadora das ideias, que surgem em abundância.
 
Espelho
Espelho Palíndromos (foto: Studio Tertúlia/Divulgação)
 
 
A inspiração, segundo Marcelo, vem de olhar para dentro e para fora. Ficar atento ao cotidiano e também refletir sobre a vida. Só depois de começar a trabalhar com design é que ele descobriu como um dos avós foi importante para a sua formação. Esse avô gostava de fazer tamborete, rédea de cavalo, usava o torno, costurava, cozinhava cotidianamente em casa. Tinha o pensamento do faça você mesmo. “Ele não tinha conhecimento técnico, mas criava de um jeito interessante e era muito autêntico.”
 
POÉTICA E FUNÇÃO No trabalho da Alva, existe uma tensão entre poética e função. Susana e Marcelo estão sempre tentando entender o momento de deixar o objeto perder sua função, caminhando para a arte, ou quando devem trazê-lo de volta para o lugar de utilitário, do design para ser usado.
 
Esta dicotomia se mostra na linha de vasos em pedra-sabão Amorfos. O esperado está lá: uma peça com desenho perfeito para receber um arranjo (boca larga, cintura fina e bojo redondo). Mas ninguém imagina encontrar numa coleção de vasos uma peça maciça, sem vazio, que não comporta flores. Ou seja, que perdeu seu espaço utilitário. “É um vaso, mas, por acaso, não tem espaço para colocar nada. Então, fica nesse lugar entre escultura e vaso”, aponta Marcelo.
 
Para aproveitar algumas placas de latão, os designers tiveram a ideia de usá-las como base de blocos de anotação. Foram atrás de aparas de papel e começaram a criar variações com cores diferentes, até que chegaram ao Bloco Ouro, que não tem nenhuma utilidade. As folhas estão totalmente amassadas e não podem ser usadas. “Ele não serve para nada, mas foi o mais desejado e o mais vendido. Virou um objeto de arte”, observa Susana.
 
Marcelo enxerga como característica comum dos trabalhos um equilíbrio entre expressividade e racionalidade. Isso vem da vontade de não deixar um projeto se resolver pela facilidade, pela pressa ou pela primeira ideia. Ambos são inquietos, investigadores e buscam originalidade. Simultaneamente, existe um rigor com o desenho, algo muito valorizado por eles. Tem a ver com lapidar a ideia, retirar excessos e resolver tecnicamente cada detalhe.
 
“Se design fosse só função, ergonomia e racionalidade, não despertaria tanta emoção. Seria simplesmente um objeto cotidiano, que você precisa usar”, opina o arquiteto. A Alva se aproxima da arte, sim, mas não se distancia da função. Não faz sentido para Marcelo fazer uma cadeira que não é reconhecida como cadeira. Dá para brincar, mas nunca desrespeitar ou negligenciar a função.
Não faz muito tempo que eles lançaram a primeira cadeira. É uma das peças da linha Baru, que começou com uma espreguiçadeira e logo terá uma poltrona. “A ideia é muito simples, vem do desenho de uma fruteira popular, que não tem autor, é de domínio público. O que fizemos foi uma transposição de escala e o trabalho de viabilizar o desenho como mobiliário”, explica Marcelo. O princípio é de ripas de madeiras curvas que se cruzam nas extremidades.
 
 
Complemento contrastante
 
A cadeira ganha aconchego com uma almofada de jacquard em estampas tropicais, desenvolvida em parceria com a marca de roupas Coven. Nesse processo, Susana resgatou suas experiências na moda, que envolvem criação de tecidos e combinação de cores. “Madeira tem cores finitas e os estofados acabam sendo um complemento bem contrastante”, comenta Marcelo. A oposição está na estética e nas sensações que a cadeira provoca. Ali existe o contraste entre mole e rígido, tons quentes e tons frios.
 
Susana aproveita para falar sobre como a mistura de materiais é um ponto forte de expressividade nos produtos. “Não trabalhamos só com um material. Tentamos explorar de forma integral essa liberdade de experimentar pedra, madeira, tecidos.” Por esse aspecto, ela diz que o Banco Bo carrega o DNA da Alva. A peça tem estrutura em madeira e metal, com assento de tiras de couro, latão no acabamento e almofada de camurça. No fim, há uma mistura de beleza e estranheza, industrial e artesanal, despojamento e refinamento, lados que tentam a todo momento encontrar um certo equilíbrio.
 
A pedra-sabão é um material muito explorado. Os irmãos começaram com formas simples até alcançar um nível de experimentação que demonstra liberdade e muita maturidade. Susana quis desenvolver texturas nas superfícies dos vasos da última coleção, Amor duro, como se estivesse trabalhando com tecido. Inspiração que vem do universo do tricô, onde trabalhou por muitos anos. Assim, ela chegou a silhuetas com gomos, ora maiores, ora menores, ora arredondados, ora pontiagudos.
 
Os irmãos ainda criaram tampas para os vasos. Detalhes que lembram a linha Perfumaria, formada por pequenos vasos em pedra-sabão com tampas em madeira, em formas e geometrias que remetem aos frascos de perfumes. Mas a dimensão e o significado são outros. “Brincamos com a história da reprodução das plantas”, conta Susana. Marcelo completa: “A tampa preenche o vazio do vaso, mas também vai para a poesia, o sexo das pedras, por isso a coleção se chama Amor duro.”
 
Ao mesmo tempo em que se aproxima da indústria, buscando tecnologia e precisão, a marca quer se aprofundar mais no universo da manufatura, com o objetivo de mostrar o valor do artesanal. “Temos vontade de conhecer mais ofícios que existem em Minas e no Brasil, a que não temos acesso e acabam se perdendo. Queremos ampliar o leque de artesãos parceiros para criar objetos especiais”, adianta Susana.
 
Marcelo se divide entre design e arquitetura (ele é o fundador do escritório Play Arquitetura). Tem hora em que fica querendo escolher entre um ou outro, mas sabe que não conseguiria. Até porque, os dois universos se cruzam cotidianamente. Já Susana, que se dedica integralmente à Alva, quer cada vez mais levar para o design suas inquietações artísticas e suas experiências na moda com tecido e modelagem. 


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