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Estado de Minas Entrevista/Célia Soutto Mayor - 80 anos - banqueteira

Saborosa herança familiar

Dupla comemoração na família Soutto Mayor brinda os 50 anos do bufê e os 80 da sua fundadora


27/06/2021 04:00

João Filho, Celinha, Célia Soutto Mayor, Bernardo e Patrícia(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
João Filho, Celinha, Célia Soutto Mayor, Bernardo e Patrícia (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

A dona de casa Célia Soutto Mayor precisava ajudar na renda da casa e foi em seus dotes culinários para fazer doces que começou a ajudar em casa, com a venda de deliciosos suspiros. O negócio cresceu, passou a oferecer salgados, virou bufê de peso. Os quatro filhos passaram a atuar na empresa, mas é a discreta filha caçula quem herdou tudo de sua mãe: o nome, o dom e o talento para doces e a cozinha da empresa. A semelhança é tão grande que até no número de filhos é igual. Celinha foi a primeira ir trabalhar com a mãe, e há anos é a responsável por toda a produção do bufê, é a verdadeira alma da empresa, e como os filhos sempre superam seus pais, ela saiu melhor que a encomenda, porque além de fazer doces com maestria, também é craque nas comidas salgadas. Há cinco anos, mais uma semelhança com sua mãe: resgatou a receita de suspiro e conseguiu aprimorá-la. Patrícia, a primogênita, foi a última a entrar e assumiu o comercial. Nos 50 anos do bufê entra a terceira geração, Bernardo, filho de Patrícia, trazendo um olhar jovem que já reflete em mudanças.

Como começou a sua história com a culinária?

Célia – Gostava muito fazer doces, e desde pequena ficava ao lado da minha mãe, Ophélia, e da minha bisavó Ana Cândida na cozinha, vendo e ajudando na feitura dos quitutes. Naquela época, não existia confeitaria e fazíamos tudo em casa. Tomei gosto pelos doces. Minha família gostava muito de festa, comemorávamos todos os aniversários e datas especiais com festinhas. Minha mãe era habilidosíssima em tudo, era antiga, mas moderna, não era antiquada. Ela cozinhava muito bem, aprendeu com minha bisavó e aprimorou. Tinha o dom.

Quando começou a fazer doces para fora?

Célia – Eu já estava casada e já tinha meus quatro filhos, Patrícia, Mônica, João Filho e Celinha. Queria ajudar em casa financeiramente, e pensei o que poderia fazer para ajudar meu marido. Tocava piano muito bem, poderia dar aulas, mas achei que não seria muito rentável. Mas tem coisas que acontecem sem explicação. Veio o suspiro na minha cabeça, em uma época que ninguém fazia suspiro, e coloquei a mão na massa. Vendia para amigos, e começou a fazer muito sucesso. Eu era muito amiga do Guido Comanducci, que tinha concessão do restaurante do Minas Tênis Clube, e ele levou meus suspiros para lá, aí o negócio deslanchou porque teve muita aceitação. Passei a fazer outros doces. Um dia, a Rosária, empregada doméstica de uns amigos, me visitou querendo trabalhar comigo. Foi na hora certa, porque precisava de mais ajuda e ela era salgadeira de mão cheia, coisa que eu nunca soube fazer. Completou o time, e ficou comigo uns 30 anos, saiu por  problemas familiares.

Quando os meninos entraram na empresa?

Célia – Eu morava na Rua Paulo Afonso, mas ficou pequeno, e construí esta casa aqui, na Rua Marabá, onde tinha o bufê e a nossa casa. A empresa já estava constituída, com o meu nome, tudo oficializado.  Celinha, minha caçula, por coincidência ou não, herdou o meu nome e o dom para a culinária. Foi a primeira a vir trabalhar comigo. Tinha acabado de entrar para o curso de pedagogia, mas estava precisando de ajuda e como ela tinha a mão boa para cozinhar, a chamei. Apesar de todos me ajudarem a enrolar doces, embrulhar e embalar nos fins de semana.

Patrícia – Celinha já tem 39 anos de empresa. O papel dela é muito importante, porque é quem cuida da alma da empresa, é a responsável pela cozinha. Eu entendo muito o que combina e harmoniza com o quê, mas quem é boa de cozinha é a Celinha. Ela herdou o nome e os dotes culinários da mamãe e teve quatro filhos também.

Desde pequena também gostava de cozinhar?

Celinha – Sim, desde pequena ficava sapeando minha mãe e Rosária cozinhando. Não só eu, mas nós todos, porque tudo era feito na cozinha externa da nossa casa, crescemos no meio de toda essa mexida. Sempre ajudávamos a enrolar doces e embrulhar nas nossas horas de folga e quando fui chamada para trabalhar aqui, entrei de cabeça. Como minha mãe, gosto mais da parte dos doces, mas também sei e gosto de fazer comidas salgadas, e aqui no bufê temos que olhar todos os lados. E tenho muito prazer no que eu faço.

Todo o desenvolvimento das receitas e menu é com você?

Celinha – É, mas em parceria com a Patrícia, que é da área comercial. Ela inventa as modas e tenho que “rebolar” para pesquisar, criar a receita com minha equipe de desenvolvimento, e aí experimentamos com ela. Fazemos críticas, observações, ajustamos a receita até ficar no padrão Célia Soutto de qualidade. É um trabalho a quatro mãos. Patrícia viaja mfuito para fazer pesquisa e traz referências do que gostou, passa para mim e, depois de aprovado, introduzimos no cardápio.

Fez algum curso de culinária?

Celinha – Nunca fiz. Comecei a fazer nutrição, mas na época eu estava com meus quatro filhos pequenos, o bufê demandava muito e ficou impraticável continuar com o curso. Tudo o que sei aprendi sozinha, mas pesquiso muito. Sempre tivemos pessoas muito qualificadas na área de produção sob a minha gerência. Sempre tivemos ótimos cozinheiros, e em algumas épocas chamamos chefs renomados para desenvolver cardápios especiais a quatro mãos, como, por exemplo, o Adriano Rico.

Por que você não aparece como a chef responsável?

Patrícia – O Bernardo, meu filho, entrou agora para a nossa equipe, e questionou a mesma coisa. Disse que temos que mostrá-la mais. Muitas pessoas se referem a mim como sendo chef, não sou e sempre fiz questão de deixar isso claro. Já fiz muitos cursos aqui e no exterior, inclusive com chefs renomados como  Arzak, Ferran Adrià e Pedro Subijana, mas meu enfoque sempre foi conhecer produtos, receitas, harmonizações. Estar por dentro das novidades, dos diferentes estilos de culinária, de temperos, misturas, etc. Tudo para agregar ao bufê.  Sei cozinhar, claro, mas não tenho o dom natural de Celinha, que cuida da alma da empresa. É importante que as pessoas saibam que nossa cozinha está sob a responsabilidade de uma das filhas da fundadora.

Celinha – Trabalhamos muito, é tanta loucura que nunca paramos para pensar nisso. Quando uma pessoa entra, vê coisas que quem está há mais tempo não percebe. Esse novo olhar agrega,  oxigena a empresa. As observações e pontuações positivas que Bernardo tem feito, têm aberto nossos olhos para coisas importantes que não víamos. Desde que Patrícia entrou na área comercial se tornou a imagem da empresa, principalmente por sua competência, simpatia e capacidade de bons relacionamentos. Deu tão certo que não nos atentamos para mostrar quem estava à frente da cozinha.

Patrícia – A partir de agora, vamos mostrar o incrível trabalho dela, o dia a dia da produção.

Como foi a entrada dos outros filhos, depois da Celinha?

Célia – Depois da Celinha vieram a Mônica, e em seguida o João Filho, que assumiu a área administrativa, o que me ajudou muito, porque meu marido já estava doente e eu queria me dedicar mais a ele. Por último foi Patrícia, que entrou na área comercial, há 30 anos. O Thiago, filho da Mônica, também trabalhou aqui, mas hoje está no Conselho.

Após a entrada dos seus filhos, você se afastou?

Célia – Não parei de trabalhar totalmente. Diminuí o ritmo e tirei um pouco da responsabilidade que ficava sobre mim para cuidar do meu marido, mas como era tudo no mesmo prédio, ficou mais fácil.

Qual foi a maior inovação do bufê?

Patrícia – Logo que eu entrei, fiquem pensando o que poderíamos fazer de diferente do que tinha no mercado. Mamãe tinha comprado uns fornos, e decidimos assar e fritar todos os salgados no local da festa. Levávamos tudo montado, mas cru, e assávamos no local. Ninguém fazia isso, todos os bufês levavam tudo pronto, mas queríamos fazer diferença, e nada melhor do que oferecer um salgado quentinho, saído do forno para o convidado, é mais frescor e qualidade. Dava um trabalho enorme, mas valia a pena. Um dia, a Catharina ligou para cá para perguntar por que a gente tinha inventado essa moda, porque todo mundo estava querendo que os salgados fossem feitos na casa, na hora da festa. Fomos os pioneiros em Belo Horizonte a oferecer esse serviço. Foi um marco no bufê.

Você ficou responsável também por pesquisar e trazer novidades?

Patrícia – Foi. Comecei a viajar e trazer as coisas de gostava que encontrava nos restaurantes, que achava que era possível adaptar para o bufê. Lançamos o bombom de berinjela, que vi em Buenos Aires, e foi inédito aqui e até hoje está em nosso cardápio. Antes era tudo mais difícil, não tinha internet, precisávamos viajar mesmo para ver o que tinha de diferente. E ainda enfrentávamos outras dificuldades, porque os produtos não chegavam aqui. Mas eu chegava e explicava tudo para a Celinha, e ela reproduzia de acordo com as minhas explicações.

O que mais vocês inovaram?

Patrícia – Eu trouxe acetado da Espanha para fazer nossos bolos. As formas francesas para Madalaine. Os garfinhos de coquetel, menores que os de sobremesa, que eu trouxe da China.

Como você vê o bufê hoje, comemorando 50 anos?

Patrícia – Neste momento dos 50 anos, estamos repensando o bufê por causa da data tão significativa e por causa da pandemia. Vimos que as pessoas estão valorizando família, cuidado, carinho, atenção, ingredientes que remetem a boas lembranças, querem resgatar coisas simples que priorizam o sabor, em termos de memória afetiva. Percebemos que neste momento precisávamos abrir o que é alma do bufê, que é a nossa produção. O grande marco dos 50 anos é estarmos abrindo a nossa produção, contando nossa história de bastidor e mostrando às pessoas a importância de tudo isso existir. Estamos vivendo um novo ciclo de vida e neste novo ciclo vamos valorizar essas coisas internas, que sempre foram valorizadas por nós, mas nunca foram ditas.

O segmento de vocês foi muito afetado com a pandemia. Como se reestruturaram para trabalhar neste cenário?

Patrícia – Logo que começamos aqui, compramos a casa da frente e antes da reforma atendíamos  pequenas encomendas e marmitas. Isso há 33 anos. O bufê cresceu, mas mamãe nunca deixou que acabasse com este atendimento. Quando o Collor reteve o dinheiro de todo mundo, o aperto financeiro nas empresas foi geral, o que nos segurou foram esses clientes. Nossa  raiz é diferente dos outros bufês.  Acho que o que sempre foi a marca principal do Célia Soutto Mayor é a simplicidade da fundadora em termos de vida, testemunho de valores de amizade, simplicidade, de quem está junto de você. Essas coisas sempre foram muito marcantes no bufê. Quando chega uma pandemia como chegou, a primeira coisa é achar que vamos enlouquecer, porque temos um faturamento de X e ele não entra, é desesperador. Mas tínhamos nossa raíz, plantada pela nossa mãe, atendendo 15, 20 pessoas, o que outros não faziam. Por isso nosso resgate pós-pandemia foi mais fácil, mas reinventamos o kit festa, a marmita, que agora chama combinados quentinhos. Isso tem nos segurado.

Quando e por que resgataram o suspiro?

Celinha – Patrícia chegou da China querendo fazer um doce com suspiro. Um funcionário fez o suspiro, mas ficou uma porcaria. Não aceitei, principalmente porque conhecia o suspiro da mamãe, que tinha dado início a tudo. Desenvolvi a receita até o suspiro ficar tão bom como era há 50 anos. Conseguimos. No início, vendia pouco, mas o boca a boca funcionou, e as vendas aumentaram rapidamente, porque o suspiro é maravilhoso mesmo. Os clientes dizem que é o melhor suspiro do mundo, e ninguém consegue fazer igual. 

O Célia Soutto tem tradição de atender a grandes eventos oficiais. Como conseguiram?

Patrícia – Verdade, marcamos presença nos maiores eventos da cidade. Fizemos a inauguração dos shoppings, aniversário da Usiminas, Acesita, Encontro das Américas, Copa do Mundo, BID. Depois do BID, o governador recebeu uma carta do presidente do BID que considerava a recepção, em termos da gastronomia do que foi servido para eles, a melhor. Mandaram uma pessoa para fotografar a cozinha para levar como modelo, porque estavam montando uma nova estrutura no BID, em Whashington. Mercosul, todos os lançamentos dos carros da Fiat. Quando a princesa Anne veio aqui e quando o príncipe Harry veio, nós é que os atendemos, porque nós somos o bufê que mais atendeu a eventos internacionais. Para isso precisamos atender a diversos critérios e documentações, como licença ambiental, nutricionista, etc., e preenchemos todos eles.

Célia – Quando o Itamar Franco veio a Belo Horizonte, fizeram um evento para ele no Automóvel Clube e nos contrataram. Eu tinha sido convidada para a festa e me apresentaram a ele. Ele disse que tinha sido o segundo melhor bacalhau que ele tinha comido na vida dele. O primeiro tinha sido na Noruega. Fiquei emocionada, mas muito sem graça. Em seguida, encontrei-me com ele na Academia Mineira de Letras e ele tornou a falar do bacalhau. É gratificante.

Patrícia – Na quinta-feira, fizemos um evento para o embaixador do Japão, que veio de forma bem discreta. Foi um jantar no Ministério Público para 16 pessoas, por causa da pandemia. Sempre que tem eventos desse tipo requisitam nosso bufê.

Entrou a terceira geração. Qual a atuação do Bernardo?

Celinha – Ele entrou há pouco tempo. Está conhecendo a empresa para ficar inteirado de todas as áreas, do negócio como um todo. Está ajudando na área comercial também. Veio para dar uma oxigenada na firma. Já está trazendo algumas inovações para começarmos a implantar. Chegou no meio da pandemia, em setembro do ano passado. Ele é engenheiro de produção. Estávamos no meio daquela loucura de lançar produtos para atender os clientes neste novo momento. Está ajudando muito nos processos da produção, logística.

Depois que a Célia saiu do trabalho direto, continuou participando das decisões?

Célia – Nunca deixei totalmente, porque criamos o Conselho, do qual sou a presidente. Sempre dou palpite e estou a par de tudo o que acontece aqui. Acompanho de longe, apesar de não estar mais no dia a dia da gestão. Hoje, todos os filhos fazem parte do conselho, o Thiago, filho da Mônica, e agora o Bernardo. O marido da Celinha,  Roberto Pinheiro, também trabalha conosco há anos, é nosso gerente de compras e de logística.

Como se sente vendo a família unida tocando seu negócio, e o bufê completando 50 anos com sucesso?

Célia – O bufê para mim foi sempre um sonho. Ver meus filhos juntos é muito confortante, porque a união faz a força. Fico completamente tranquila porque eles estão à frente e em harmonia e união. Claro que sempre tem arestas profissionais, mas tudo é resolvido nas reuniões do Conselho, e contamos com um consultor que nos acompanha há anos. Estou realizada, porque tudo que sonhei aconteceu.

E como é fazer 80 anos ainda na ativa, de certa forma?

Célia – Venho muito aqui e participo sim. A idade me assusta muito, porque não sei quantos anos ainda vou viver e tenho ânsia de vida. Quero aproveitar mais dos meus 11 netos e das duas bisnetas. Eles me encantam, porque fazem parte do meu sonho. Pergunto quanto tempo ainda vou ter, porque quero muito mais. Quero ver o futuro e a realização dos meus netos, quero mais bisnetos, e quero ver as pequenas crescerem. Isso me encanta muito. Gosto muito de música, quando eles eram pequenos comprei instrumento para todos e nos reuníamos para tocar juntos. Quero ter saúde e condições físicas para prolongar toda essa vida familiar.


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