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Estado de Minas entrevista/Eliane Ramos Vasconcelos Paes - 54 anos, Psicóloga

Trabalho com propósito

Com ousadia e destemida a expert em RH abriu mão de um emprego sólido, e empreendeu trazendo para Minas uma ferramenta inovadora para área de gestão de pessoas


09/05/2021 04:00

(foto: arquivo pessoal)
(foto: arquivo pessoal)


Eliane abriu mão de um emprego que amava e, há 30 anos, decidiu empreender e representar em Minas Gerais a ferramenta Predictive Index, mais conhecida no meio coorporativo como PI. Com o apoio incondicional de seu marido Roberto Vasconcelos – que na época ainda era namorado – e de seu pai, a psicóloga investiu neste sonho consciente do que estava fazendo e deu certo. Hoje, é uma das profissionais de Recursos Humanos mais respeitadas do estado. Além de gerir sua empresa, é professora convidada da Fundação Dom Cabral, conselheira de administração formada pela Fundação, é presidente da Associação Brasileira de RH/Minas Gerais, participa ativamente do Conselho das Mulheres do Brasil e é presidente do Conselho estratégico de RH da AC Minas.
 

"Quando se trabalha dentro da aptidão, do DNA, da vocação a pessoa é muito mais feliz e muito mais produtiva porque encontra sentido, propósito no que faz"

 
 
Em que se formou?
Formei em psicologia, mas a família não queria. Então prestei vestibular para psicologia, administração e economia. Passei nos três, mas fiquei na psicologia que era de fato o que eu queria. A família achava que administração era mais interessante, não punham muita fé da psicologia. Aquela história dos pais sempre interferirem nas escolhas dos filhos.

Por que escolheu psicologia?
Sempre tive interesse em entender mais das pessoas, dos relacionamentos e trabalhar com gente. Acho que sempre fui entusiasta do autoconhecimento, uma jornada ao mergulho da nossa essência, aptidão, DNA, e encontrar toda a nossa potencialidade. Desta forma, conseguimos lidar com nosso lado sol e lado sombra. Meu propósito é ajudar as empresas a se fortalecerem com seus melhores talentos, cuidando de cada um, de cada colaborador para que tenha espírito de dono, sabendo que poderiam até terem sido um dos fundadores da empresa, que estão alinhados à cultura, alguém que se encaixa na empresa e naquela equipe. Alguém que vai fazer a diferença.E acompanhando o crescimento de grandes empresas, minhas clientes, algumas começamos com 300 funcionários e hoje tem 15 mil, líderes de mercado. Já estou em algumas há 30 anos, e tenho a comprovação prática que o trabalho dá muito certo. É gratificante. A psicologia leva a gente muito para a clínica. De fato, eu tive consultório, atendi muito tempo, mas não era o que me encantava. Traz um respaldo grande, é muito bom para treinar a escuta, mas não me identifiquei. Fiz um estágio em uma empresa e me encantei na psicologia organizacional. Fiquei lá uns seis anos no recrutamento e seleção, treinamento, etc. O presidente da empresa foi para Harvard fazer um curso e conheceu o Predictive Index (PI), uma ferramenta que estava sendo trazida para o Brasil por um grande empresário paulista, o Elmano Nigri, megaempreendedor. A empresa na qual eu trabalhava era cliente dele e foi assim que conheci a ele e a ferramenta. Hoje, ele está com 80 anos, mas foi o meu guru na vida.

Largou tudo para representar a ferramenta em Minas Gerais?
Primeiro usamos a ferramenta na empresa que eu trabalhava. Éramos clientes. E me encantei, vi a assertividade, validada por Harvard, desde 1995. Como a empresa estava vindo para o Brasil, vi que era o que queria. Isso, há 30 anos. Larguei a carreira dentro de uma empresa sólida e tradicional. As pessoas acharam que eu era louca, porque uma psicóloga analisar perfil e personalidade pelo computador, há 30 anos? Mas eu estava segura, porque tinha uma Harvard por trás, que dava toda uma credibilidade, eu confiava muito da ferramenta. Meu pai me apoiou e ajudou, porque precisava de um investimento. Mas não tinha cliente nenhum, porque ela estava chegando no Brasil.
Explique o que é Predictive Index (PI)
PI vem das iniciais de Índice de Previsibilidade. O objetivo é prever o comportamento das pessoas com foco nas organizações, é uma forma de avaliar os pontos fortes da pessoa, qual é a melhor versão de cada um. Temos o perfil da pessoa e paralelo a isso desenhamos target da função, ou seja, o que estou buscando para a função, quais as características comportamentais desejadas. Também faço o assessment dentro da plataforma que é o cognitivo, que mede a velocidade e capacidade de aprender sob pressão, velocidade e capacidade para conhecer coisas novas e diferentes, agilidade no aprendizado. É o conceito da inteligência emocional, que é o autoconhecimento, muito importante para as lideranças e as pessoas em geral. Este assessment entrou depois, com a evolução da ferramenta.

O PI foi bem-aceito pelas empresas?
Esse início da minha carreira se confunde muito com a TV Alterosa e com o Estado de Minas, porque meu primeiro cliente foi a TV Alterosa. O Camilo Teixeira da Costa Filho, que era diretor da TV Alterosa comprou a ideia. Tivemos muitas reuniões com o Elmano. Dias inteiros de planejamentos. Abrindo parênteses, o Elmano foi quem me apresentou tudo isso e mudou a trajetória da minha vida profissional. Fui empreender com ele. Estamos juntos até hoje. Foi inclusive meu padrinho de casamento. Ele é daqueles que o que pegar dá certo. Fecha os parênteses. A primeira matéria sobre o PI saiu no Estado de Minas, e isso fez muita diferença, porque além de divulgar a ferramenta deu mais credibilidade ainda a ela. E vieram outras empresas e muitas delas estão comigo até hoje. Por ser uma ferramenta de gestão é muito importante que a liderança, os diretores que definem a cultura e a estratégia da empresa, entendam dessa metodologia para cuidar das pessoas e para trazer as pessoas certas para os lugares certas, entendendo o comportamento de cada um e quais as necessidades motivadoras.

É possível achar o perfil perfeito para a função?
Não. É importante ressaltar que nunca vamos encontrar o perfil perfeito, com todas as características necessárias. Existe uma equipe perfeita, então trabalhamos muito com a complementariedade, a diversidade de perfis e ideias. Os fatores importante para montar a equipe são capacidade cognitiva, características comportamentais e o target do cargo. Como colocar melhor a aptidão da pessoa, o dom. Quando usamos a maior parte do nosso tempo fazendo aquilo que gostamos, temos prazer em fazer. Quando se trabalha dentro da aptidão, do DNA, da vocação a pessoa é muito mais feliz e muito mais produtiva porque encontra sentido, propósito no que faz. Assim o colaborador é mais feliz no trabalho.
 
O que é a inteligência emocional?
Primeiro é o autoconhecimento, quais seus pontos fortes, o que faz melhor. Saber fazer essa autorregulação, fazer a gestão das emoções é uma característica superimportante, principalmente nesse momento da COVID. Automotivação, onde quero chegar, qual é o meu propósito, qual legado quero deixar, mas para isso é preciso, primeiro, fazer uma gestão de si mesmo. Para se ter uma liderança efetiva é muito importante ter inteligência emocional. Como sou mais empática, fazendo uma gestão das minhas emoções? Como saber o que é meu e o que é do outro? A psicanálise me ajudou muito na busca desse conhecimento. Todo líder precisa entender de gente, porque 100% dos clientes e dos funcionários são pessoas, e é isso que faz o seu negócio. Se quer entender do seu negócio, tem que entender de pessoas. O PI ajuda nisso.

E como estão as empresas nesta pandemia?
Estamos vivendo duas pandemias, a da COVID, propriamente dita, e a pandemia da saúde mental, que chegou em consequência da primeira. Sabemos que o trabalho é um dos fatores importantes nesta questão, porque se a pessoa não encontra um sentido no que ela faz, não se encontra profissionalmente.

Como sentiu e viu as empresas e os colaboradores com a chegada da pandemia?
A forma de relacionar, de trabalhar e consumir mudou muito. A COVID fez as pessoas refletirem mais. Viver fazendo o que não gosta adoece as pessoas. A ONU tinha dito que 2020 seria o ano de maiores problemas na saúde mental, burnout, ansiedade, depressão. A pandemia aumentou e acelerou isso. Os especialistas gostam de dizer que é o retrato da época, o Zeitgest (em alemão), que significa o contexto da época, do mundo que vivemos. Mas já passamos do contexto Vuca, (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity), criado nos Estados Unidos, no final dos anos 1980 para descrever o cenário do mundo pós-Guerra Fria. A pandemia mudou muito esse contexto, que agora eles chamam de mundo Bani, que em inglês significa Brittle, Anxious, Nonlinear e Incomprehensible, ou, em português: Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível. Isso determina a mudança dessa postura pessoal. Ninguém ficou imune ao impacto da pandemia. As empresas tiveram que se adaptar, algumas, em uma semana, e deram conta. Percebemos que, quando as pessoas acreditam no trabalho, demonstram um potencial que talvez nem elas mesmas sabiam que tinham. Algumas empresas estavam desenvolvendo projeto de trabalho remoto há anos e não conseguiam implantar, mas na hora da necessidade implementaram em uma semana e deu certo. Os líderes das empresas repensaram o modelo de liderança. A pergunta mais importante que fica é: quanto custa não investir nas pessoas? Quanto custa não investir na saúde física, mental, espiritual e social das pessoas? Isso impacta diretamente na produtividade das organizações. Se precisamos fazer mudanças sob pressão, precisamos das pessoas certas nos lugares certos.

Como vê esta tecnologia x profissional?
A tecnologia veio para ajudar. Não temos que pensar que ela está tirando o trabalho das pessoas, ela está tirando as profissões repetitivas, a robotização, porque isso a tecnologia pode fazer. Isso devolve o lado mais humano das pessoas, as habilidades e competências que a máquina não pode oferecer. É uma fusão do humano com o tecnológico. A visão integral, a compreensão do fator humano, práticas estabelecidas para o desenvolvimento mais saudável das pessoas. Oferecer ambiente de segurança psicológica, onde ela se sinta engajada. A liderança está mais preocupada com o equilíbrio entre trabalho e vida dos colaboradores. A cultura está mais humanizada.

O que ocorreu mais neste período, demissão ou evasão?
Teve dos dois. Muitas empresas reduziram seu quadro de pessoal, mas muitas pessoas optaram por sair do trabalho por perceberem que não queriam mais estar naquele lugar. Quiseram sair para fazer uma mudança na vida. Toda crise gera muita oportunidade. E as pessoas aproveitam esses momentos para seguirem seu propósito, fazerem o que gostam, ou pelo menos, deixarem de fazer o que não gostam. Muitas mudando de carreira, algumas por necessidade e outras por decisão. Claro que tem o lado triste porque muitos dos que foram demitidos estão passando por necessidades, pessoas que não deram conta desse momento, de viver junto em família dentro de casa. Por um lado foi bom, porque afloraram o lado humano, viram que o equilíbrio entre trabalho e família é importante. Outro dia estava em um evento, com o fundador de uma grande empresa brasileira, líder de mercado e ele disse que é preciso falar de amor nas organizações. É preciso sentir esse afeto, mostrar que se preocupa com o lado humano das pessoas. Não acho isso piegas. Mas é preciso ser verdadeiro, porque as pessoas sentem quando essa relação é falsa. Acho que isso ainda vai aflorar mais. Uma coisa importante é o conceito Life long learn, não podemos parar, temos que pensar nessa perenidade, a geração que está sempre aprendendo e buscando novas alternativas, para sempre fazer as coisas acontecerem. Se a pessoa fica paralisada ela adoece. Este é o sentido da vida, essa flexibilidade, essa capacidade de se adaptar. Temos que deixar esse legado. E temos que nos preparar para a longevidade. As empresas hoje estão focadas em contratar apenas jovens. 

O mercado não perde abrindo mão a experiência e conteúdo  dos mais maduros?
Se antes a vida era uma corrida de 100 metros, hoje, é uma maratona, difícil para todo mundo. A longevidade veio para ficar. Construir uma empresa com essa complementaridade geracional é muito importante. Ter geração X com Y, o boomer com a geração Z. A geração que traz experiência, conhecimento, o network, é muito importante na organização. Ter profissionais de diferentes gerações trabalhando juntos é um desafio para a gestão de pessoas, mas é muito importante para as empresas. Se a pessoa está produtiva, ativa, ela só tem a contribuir. O etarismo é um preconceito e não podemos deixar ele ganhar espaço. Da mesma forma que descartar pessoas pelo gênero, raça, religião também é um erro.

Você tem dois filhos, como conseguiu administrar seu trabalho com a família?
O maior desafio e o maior empreendimento das nossas vidas são nossos filhos. Tenho dois meninos, Rafael (23) e Gabriel (18). Se eu fosse escolher a palavra que traduz mais amor no mundo e a mais linda da nossa língua seria Mãe. E a melhor mãe do mundo somos todas nós, cada uma à sua maneira, algumas mais tranquilas, outras mais ansiosas, mais carismáticas ou mais reservadas. Porém, todas invencíveis, pois tudo o que se refere aos nossos filhos se transforma em força. Sempre trabalhei muito, mas, com a ajuda do meu marido, Roberto Vasconcelos – que sempre me deu o maior apoio – conciliei o trabalho com a participação na vida dos nossos filhos, ajudando-os nas tarefas. Sempre gostei de levar e buscar na escola, levar ao médico, ao clube, saber tudo que comiam ou deixavam de comer e lhes dedicar todos os cuidados permanentes de uma mãe presente. Sempre adorei encher a casa com os amigos. Quantas vezes cozinhei para todos, batendo um bom papo. Pena que agora não estamos podendo, e este ano estamos completando 25 anos de casados, com a pandemia não poderemos comemorar como gostaríamos. Enfim, a doação da mãe é a maior no mundo, e a minha mãe me ensinou muito e foi uma inspiração na minha vida, isso sem falar no tanto que ela me ajudou cuidando dos netos. Hoje, lidero a maior empresa da minha vida, que se chama Rafael e Gabriel. Aliás, todo líder de pessoas deveria ter o mesmo sentimento com relação à sua equipe. Então, muito longe de ser um sacrifício, do tipo clássico “Stella Dallas, mãe redentora”, penso que a maternidade é a sublimação da mulher, das nossas emoções, é pelos filhos que lutamos, sofremos, choramos, rimos, sentimos nossas as suas dores e conquistas, tudo porque, antes de tudo, se, como Érico Veríssimo escreveu com muita beleza, felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente, a maior convicção sobre a razão da minha felicidade é a maternidade. Emoção maior de ser mãe não existe, e minha empresa é como um terceiro filho. 


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