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Estado de Minas ENTREVISTA/CELSO AFONSO - EMPRESáRIO E ESTILISTA

Desafio aceito

"O fortalecimento dos setores, a defesa de interesses e a representatividade dos sindicatos ficaram muito evidentes neste momento de crise"


postado em 17/05/2020 04:00

(foto: marcos vieira/em/da. press)
(foto: marcos vieira/em/da. press)
 
Celso Afonso, eleito para um segundo mandato como presidente do Sindibolsas-MG, tem história no cenário fashion de Belo Horizonte. Desde os anos 1980, quando a moda começou a despontar na cidade, ele está ligado à atividade, na qual se iniciou arriscando-se como modelo, passando pelo setor têxtil, para se tornar, em seguida, estilista de marcas já extintas, como a Gebezinha, 
Patachou, Câmbio Negro.
 
“Ao longo de toda a minha trajetória prestei serviços, e ainda presto, às confecções. Tive ainda uma estamparia e o acessório surgiu depois como uma resposta a um desejo de poder fazer um trabalho mais autoral”, revela o também empresário, que comanda marca homônima.
 
Graduado em arquitetura, essa formação influencia todo o seu processo de criação - ele acredita que a moda, seja na roupa ou na bolsa, tem em suas bases os mesmos princípios da arquitetura, como proporção, textura, cor, volume, além da mesma função básica de servir, de alguma forma, ao bem-estar e conforto das pessoas, expressando suas personalidades.
 
Celso Afonso assume o cargo tendo pela frente maiores desafios que os encontrados na primeira vez, mas disposto a enfrentar a pandemia em curso, oferecendo aos associados do Sindibolsas-MG não só orientações pertinentes, mas ações que contribuam para a sobrevivência das marcas no mercado. Já está com as mangas arregaçadas!
 
Por que você optou por um novo mandato no Sindibolsas-MG?
Na verdade, o que pude perceber no primeiro mandato é que se leva um tempo para se entender o modus operandi do cargo. Como sindicato vinculado à Fiemg, o universo de informações e possibilidades é muito grande. Compreender as relações com a base, com os sindicatos laborais, reconhecer as dores do setor e tentar propor soluções é bastante complexo. Principalmente quando a receita é muito pequena. Por isso achei que seria bom ter mais um tempo para tentar realizar, ao máximo, as coisas que eu tinha como projeto. Como meu nome foi aceito, me sinto honrado com mais esse tempo à frente do Sindibolsas.

Que ações você pôde desenvolver para o setor nos três anos em que esteve à frente do sindicato?
Vivenciamos, desde o início, situações bastante turbulentas, como, por exemplo, o processo de sucessão na presidência da fede- ração. Era tudo muito novo para mim em um contexto de acirrada disputa. O cenário econômico já se encontrava, por sua vez, bastante deteriorado. O fim da contribuição compulsória decretada na reforma trabalhista fragilizou ainda mais a situação das entidades sindicais e, obviamente, a da que represento. Contudo, a defesa de interesses sempre foi uma tônica constante. Numa outra frente, procuramos enxugar custos e otimizar processos. Particularmente, tenho sempre um olhar mais focado na geração de negócios e no fortalecimento da imagem dos associados. Nessa linha, construímos o evento “Couro: o sustentável luxo da moda”, dentro de uma das edições do Minas Trend. Com patrocínio do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil  (CICB), realizamos uma mostra onde o couro era apresentado como material relevante na já então crescente narrativa sobre a sustentabilidade. Estilistas apresentaram bolsas e calçados com materiais desenvolvidos para a mostra, reforçando assim sua imagem criativa e seu compromisso em relação a essa causa.
 

"A cautela deverá ser o norte de tudo no que se refere aos gastos: o futuro é uma incógnita, mas nada elimina a autoestima e a moda faz parte desse contexto"



O projeto lojas temporárias também foi criado...
Numa outra frente, criamos o evento de lojas temporárias dentro da sede da Fiemg, em que os funcionários da casa podiam ter acesso direto junto aos fabricantes, no espírito relationshops. Com o slogan “Compre de quem faz, converse com quem cria”, desenvolvemos uma frutífera aproximação convertida numa excelente oportunidade de negócios e contatos para todos. Um grande sucesso, que se solidificou, chegando a ter três edições por ano, onde convidávamos também os setores de calçados, semijoias e vestuário. E parte da renda era convertida em doação a instituições beneficentes, nas edições de Natal. Por fim ,e não menos importante, através de um programa da Fiemg Competitiva pudemos trazer para dentro do Minas Trend novos expositores, que estavam ausentes ou nunca haviam participado do evento. Em função de um subsídio significativo do custo do estande, pudemos oferecer essa marcante experiência aos associados que se interessaram.

Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou?
Como já dito anteriormente, o cenário encontrado não era muito favorável. Gostaríamos de ter feito muito mais, mas durante todo o período foi muito difícil encontrar apoio para realização dos outros projetos que tínhamos em mente. Felizmente, por outro lado, tivemos a sorte de estar compartilhando com a extraordinária gestão do Flávio Roscoe à frente da Fiemg. Sempre atento às nossas demandas, tem feito o que é possível pelo setor da moda no geral, em um momento em que tudo passa por cortes, contenções e contingenciamentos.

Qual a representatividade desse segmento em termos de negócioem Minas Gerais?
Do ponto de vista de faturamento, somos um setor pequeno. Composto predominantemente por micro e pequenas empresas, nossa maior relevância reside na geração de empregos. Absorvemos uma mão de obra com menor qualificação, com difícil recolocação em outros setores da economia. Temos assistido também, infelizmente, ao longo do tempo, ao fechamento de empresas diante das gigantescas dificuldades por que passam os que se entregam a produzir no Brasil. 

E agora, com a pandemia? Tem algum plano para os associados que possa amenizar os prejuízos trazidos pelo vírus?
Inicialmente, naqueles momentos em que se começava a entender a real dimensão da pandemia, nos preocupamos em atender às inquietantes dúvidas e questionamentos que surgiam a todo instante. Com tudo mudando rapidamente, todos com inúmeras questões e ainda pouquíssimas respostas, criamos um grupo no WhatsApp, o Comitê Especial Covid-19. Ele fazia (e continua fazendo) uma ponte entre a Fiemg – que através do seu corpo jurídico trabalhava incessantemente na busca de respostas – e os associados. Criado para atualizar sobre os pleitos obtidos junto às esferas de governo, bem como os procedimentos corretos a serem adotados diante da situação, o grupo se mostrou também como um dinâmico fórum para o debate e troca de experiências. Agora, num segundo momento, estamos oferecendo, mais uma vez através de uma iniciativa da federação, um programa de capacitação e consultoria para preparar as empresas para as diversas situações pelas quais todas deverão passar daqui pra frente. Sem precisar estender aqui, os conteúdos passam por gestão, digitalização, comercial etc. Um programa completo que está disponível por um custo extremante baixo.

Você vê alguma saída para contornar o cancelamento dos eventos de moda, onde grande parte da produção dos mineiros é escoada?
Já de olho nisso, estamos trabalhando em algumas frentes. Como forma de atenuar os efeitos do hiato que estamos vivendo,  com os eventos de lançamento de verão cancelados, estamos criando um formato de “Feira Digital”, que ofereceremos aos associados. Isso para acontecer até julho, tudo dando certo, como esperamos. Além do evento em si, outra ação complementar está sendo pensada. Consideramos que o lojista, ao comprar, vai precisar (e, portanto, pleitear ) prazos cada vez maiores para pagamento. O fabricante, por sua vez, estará com pouco ou nenhum fôlego para responder a essa necessidade do seu cliente. Todos deverão estar descapita- lizados... O que fazer? Na busca de uma solução, estamos estudando com a Credifiemg, instituição financeira de formato cooperativo, a criação de uma linha de crédito para esse cliente, que provavelmente se daria através de um cartão de crédito corporativo. Com um limite ampliado, a ser definido caso a caso, o cartão poderá ser usado para efetuar o pagamento de pedidos feitos nesse evento digital, por exemplo. Assim, quando o pedido estiver pronto, as partes entram em contato e realizam a operação.

Como esse projeto está evoluindo?
Com regras ainda por serem mais bem definidas, questões de aprovação de crédito etc. Mas é um projeto que já está em estudo. Dessa forma, poderemos estar diante de um ganha-ganha: o uso do cartão dará a possibilidade de dividir a fatura em um maior número de vezes, o que talvez o fabricante não conseguisse oferecer. Nesse formato, ele poderia pedir inclusive a antecipação dos pagamentos e estar, portanto, recebendo à vista. E fora que o risco de inadimplência é zero. É como funciona o varejo.

Como você acha, mesmo  hipoteticamente, que o mercado vai funcionar daqui pra frente?
Bem, essa é uma pergunta cuja resposta, há algum tempo, valeria um milhão de dólares... hoje, deve estar valendo uns dez...Tentarei não ser repetitivo nem prolixo, visto que a internet está repleta de gurus e prognósticos a esse respeito, tentando também não me arriscar no escorregadio terreno do “achismo”. E esse é assunto para um livro...Tudo está exaustivamente postado e repostado, mas tenho acreditado em algumas considerações. Com relação à indústria , no geral, penso que esse sentimento de valorizar o que é feito no Brasil, em detrimento dos importados, deve crescer. Difícil imaginar isso acontecendo de fato em larguíssima escala por inúmeras razões, que não cabe discutir aqui. Para o segmento de bolsas, eu, particularmente, adoraria ver algo assim acontecendo, uma vez que temos sofrido muito, e por muito tempo, diante da invasão de produtos asiáticos. Por essa vertente, algumas chances parecem se desvendar. Com o dólar em alta, os importados sobem de preço e, melhora, portanto, nossa compe- titividade. Abre-se aí também uma possível oportunidade para exportação da produção local.

E com relação ao consumidor?
No que tange ao consumidor, imagino alguns momentos. Em um primeiro, apesar da ainda presente preocupação com a saúde, o crescimento da flexibilização trará uma certa necessidade de voltar às lojas, sentar nos bares, ver gente, encontrar. A cautela deverá ser o norte de tudo no que se refere aos gastos: o futuro é uma incógnita, mas nada elimina a autoestima e a moda faz parte desse contexto. Há quem acredite, inclusive, que possa ocorrer uma certa euforia do tipo “vencemos”! Algo meio pós-guerra...! Em oposição aos noveau riches do passado, deveremos assistir ao surgimento dos novos pobres e uma certa rejeição à ostentação. O choque de oferta/demanda trouxe a turbulência, que veio para ficar. Posteriormente, considerando a chegada de uma vacina, de um tratamento ou da imunização, penso que seremos novamente os seres humanos que somos. Mais conscientes, mais solidários, mais cautelosos etc.? Muito provavelmente sim, mas sem uma grande ruptura com o nosso modelo de existência.

Por que é importante as empresas se sindicalizarem neste momento?
Esta crise está trazendo a reboque a sensação de que somos mais fortes quando unidos. O fortalecimento dos setores, a defesa de interesses e a representatividade dos sindicatos ficaram muito evidentes neste momento. No nosso caso, empresas que estiveram distantes há anos, apareceram e vieram somar. Os pleitos alcançados, que não foram poucos, só foram conquistas possíveis por termos uma entidade forte por detrás, que traz em seu conjunto uma bem-articulada rede de sindicatos.

O Luiz Barcelos tomou posse como  presidente do Sindicalçados-MG e os dois sindicatos sempre foram parceiros, funcionando, inclusive, no mesmo espaço. Já estão planejando alguma ação juntos para calçados e bolsas?
O Luiz Barcelos é um amigo de longa data. Conta com todo o meu apreço e admiração. Sou amigo, inclusive, de toda a família, pessoas de quem gosto muito. Estamos alinhados e com várias ideias em comum. Uma delas é que, por razões diversas, promoveremos a união oficial dos dois sindicatos. Claro, submetendo antes, aos associados de ambos, a aprovação dessa proposta. Acreditamos que essa seja uma ideia bem-aceita, uma vez que tal medida tem por objetivo o surgimento de uma entidade única, mais forte e coesa, que represente os dois segmentos, visto que são atividades tão irmãs. E também, já nesse projeto da “Feira Digital”, citado anteriormente, o Sindicalçados está conosco e construiremos juntos a plataforma.

Fabricantes de sapatos também oferecem bolsas como complementos. Como é o trabalho do confeccionista especializado em bolsa para conquistar mercado?
Não há nada no mundo atual onde a concorrência não seja cruel. Fabricantes de bolsas também se lançam no mercado de sapatos. Marcas de calçados lançam roupas e outros produtos...C’est la vie! Bolsa definitivamente não é fácil, principalmente por causa da percepção do consumidor: trata-se de um produto de fabricação extremamente artesanal, com pouca tecnologia embarcada, com matérias-primas caras e mão de obra também, o que nem sempre é reconhecido. A solução tem sido, para alguns, o uso de materiais cada vez mais exclusivos e com design diferenciado, apostando assim no mercado de luxo. Aqui em Minas, as empresas são de pequeno porte, o que encarece a produção. A saída para outros tem sido a venda direta ao consumidor via e-commerce , marketplaces ou abertura de lojas pró- prias. Ou ainda no desenvolvimento de produtos no sistema de private label. As dificuldades são muitas, sem falar na concorrência dos importados...

Qual é o critério feminino para comprar uma nova bolsa, já que bons produtos do gênero, feitos com boas matérias-primas, geralmente, têm maior durabilidade?
A moda é movida pelo desejo. Que pode ser expresso em diferentes maneiras , nas diferentes personalidades. Mas tudo passa pelo desejo e sedução! Para muitas mulheres, a bolsa é um símbolo de status, portanto, deve ter marca. De preferência bem ex- posta. Para outras, o valor está no seu aspecto artesanal, na beleza, na sua praticidade ou na qualidade mesmo. Para as mais ligadas em moda, uma cor, uma nova proporção ou aquele item da influencer podem significar a escolha.

Como é a competição com o mercado das grifes internacionais de bolsas famosas?
Com a globalização, o Brasil descobriu as marcas internacionais. Antes privilégio dos poucos que viajavam, de repente tudo ficou acessível. Porque as pessoas passaram a viajar muito, porque marcas internacionais desembarcaram no Brasil ou simplesmente por causa da internet...     Algumas pessoas se dispõem a pagar R$ 10 mil, R$ 20 mil ou R$ 30 mil por uma bolsa importada e acham caro uma bolsa de R$ 1 mil feita no Brasil. E ainda tem as chamadas réplicas, que são cópias perfeitas, bem mais baratas que as originais. Somos um país de tradição colonial, ou seja, valorizamos muito o que vem de fora. Portanto, aqui, mais uma vez, a concorrência se mostra acirrada, injusta e corrosiva. E aí, dentro da perspectiva de algumas consumidoras, virou quase uma obrigação ter uma bolsa de marca internacional. Isso afetou profundamente o mercado. Não é de surpreender o grande número de fábricas de bolsas que fecharam nos últimos tempos no país... 


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