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Estado de Minas ENTREVISTA/CLÁUDIA NARCISO - 51 ANOS, EMPRESÁRIA/CONSULTORA

Moda e sustentabilidade

Dedicação e coragem levaram a jovem ao posto de CEO da maior empresa de calçados do país. Hoje, é consultora da marca e atua em empreendimentos sustentáveis


postado em 09/02/2020 04:00 / atualizado em 07/02/2020 14:28

(foto: jair amaral/em/d. a press)
(foto: jair amaral/em/d. a press)


A consultora de moda do grupo Arezzo, Cláudia Narciso, aos 12 anos de idade já queria trabalhar. Ainda adolescente, conseguiu emprego escondida dos pais, nunca teve medo de enfrentar o desconhecido e de desafios. Saiu do interior antes de completar 19 anos, veio para Belo Horizonte com a cara e a coragem, foi trabalhar como vendedora de loja e não parou mais. Chegou a CEO do grupo Arezzo e há quatro anos entregou o cargo para ter mais tempo para se dedicar à família. Hoje, atua como consultora de moda da marca e tem dois empreendimentos na área turística que ela acredita serem dos tópicos mais importantes da atualidade: sustentabilidade.
 
Sua vida em Montes Claros foi a normal de uma criança de interior?
Não mesmo. Desde criança sempre tive um senso estético muito aguçado e meu pai, Aristóteles Ruas, era advogado e fazendeiro; minha mãe, Clarice Narciso, era pedagoga, orientadora educacional e diretora da maior escola normal da cidade. Tinha 2,5 mil alunos, ela trabalhava muito. Durante minha infância ficava louca para trabalhar, era o meu sonho. Com 12 anos, implorava ao meu pai para trabalhar. E eles não entendiam, e já queria trabalhar com moda. Eu gostava de decoração. Eu mudava a casa toda de lugar. Minha mãe saía e quando voltava não tinha um móvel no lugar. Eu ia para a fazenda e minha avó contratava uma costureira que se chamava Jesus, e eu costurava com ela, fazia teatro com o pessoal de lá. Como meus pais não me deixavam trabalhar, decidi trabalhar escondida, arrumei emprego em uma loja como vendedora e em vez de ir pra aula de piano, de inglês, etc., eu ia para a loja.

Em uma cidade pequena ninguém a viu e contou para os seus pais?
Me deduraram. Um dia, minha mãe me buscou e me deixou de castigo.

De onde veio esse gosto pela moda e a decoração?
As minhas tias paternas, todas elas desenham muito bem, colorem e pintam. E a família da minha mãe sempre foi muito curiosa. Eu sempre fui muito curiosa, mas muito presa, ao mesmo tempo em que meus pais já foram de uma geração que fez faculdade, caiu no mundo para trabalhar e os filhos foram criados assim. Eles nos prendiam muito, nos sufocavam muito. Meu pai era muito bravo. E eu fiquei grávida aos 15 anos, muito jovem. Não contei para o meu pai, por medo de ele fazer alguma coisa, aquele medo de adolescente. E me casei – sem querer – com o pai do meu filho, com três meses de gravidez. Chorei muito no dia do casamento, não queria entrar na igreja com meu pai, mas não tinha mais jeito. O casamento durou um ano, nos separamos, eu fazia faculdade de história e me mudei para Belo Horizonte porque queria trabalhar, queria ser independente.

E seu filho?
Deixei com minha mãe porque não tinha como sustentá-lo. Vim foragida da família. Uma amiga me deu guarida e arrumei dois empregos. Pela manhã, trabalhava na fábrica de roupa e equipamentos de segurança para trail que era a maior moda; de tarde, em uma loja multimarca no shopping, que foi o meu primeiro contato com moda. Trabalhava das 8h à meia-noite. E com isso consegui montar minha casa e trazer meu filho para ficar comigo.
 
Quando começou a trabalhar com calçados?
Um ano depois de estar nesses dois trabalhos, fiquei sabendo que o Getúlio Guimarães, que era o top em calçados, estava procurando uma gerente comercial em nível nacional. Fui com a cara e a coragem na empresa de recrutamento. Fiz a entrevista, apesar de só ter essa única experiência de trabalho. Depois, o Getúlio foi na loja me conhecer e saiu de lá com quatro sacolas. Falou que era de uma pessoa como eu que ele precisava, nova, com gás e sangue no olho. Mandou a sua irmã Geni conversar comigo e me contrataram. Foi meu primeiro emprego com calçados. O Getúlio foi uma pessoa incrível, um divisor de águas na minha vida e estava à frente do tempo. Já tinha todo o formato que a Arezzo tem hoje, de franquias pelo Brasil todo, de lojas próprias, canais de distribuição. Ele é pioneiro – verdadeiramente – em sapatos e bolsas de moda. Foi quem trouxe a indústria do calçado de moda para Minas Gerais.

Trabalhou na área comercial?
Entrei na área comercial, fui infiltrando no estilo. Ele foi investindo em mim e fui dando resultado. Passei a fazer feiras, viajar o Brasil inteiro, acompanhar as franquias, as vitrines, que é uma parte que eu gosto muito, assim como o marketing. Comecei a trabalhar 360 graus no negócio: comercial, marketing, produto, lojas, vitrines. Entrei no chão de fábrica, fiz cursos de forma, modelagem, aprendi a fazer o sapato do zero. Todo o processo, desde a criação até a entrega do produto. Dava opiniões no estilo, mas a diretora criativa e sócia fundadora da marca junto com Getúlio era sua irmã Geni. Fiquei dois anos e meio com ele. Rolou uma grande afinidade entre o Getúlio e ele sempre um amor comigo. Ele foi um anjo que Deus colocou na minha vida e me deu essa grande oportunidade. Sinto uma gratidão verdadeira por ele.

Saiu de lá para atuar em qual lugar?
Fui trabalhar em um projeto completamente inovador, uma marca mineira que existe até hoje, mas com outro DNA. Chama-se Júlia Mezzetti. Fiquei 100% focada na criação, marketing e comercial. Teve um crescimento meteórico na época, completamente fora da curva, e a queridinha da mídia, tanto jornais, quanto revistas e televisão. Estava sempre em editoriais. Era um trabalho autoral, fizemos alguns desfiles de moda bem ousados. Foi uma época em que o país estava completamente quebrado, não tínhamos moeda, eram só indexadores, BTN, OTN, inflação galopante, o produto não tinha valor  fixo e na sequência veio o Plano Collor congelando o dinheiro de todo mundo. A marca cresceu em moda e produto, no lado glamouroso da moda, mas incompatível com a parte de processos, gestão – que hoje sabemos que é a base de tudo. Minas Gerais estava se perdendo no momento, todas as marcas estavam passando pela crise, e várias delas fecharam. A Arezzo  desativou o parque industrial aqui e migrou para o Sul. O polo calçadista mineiro foi dissolvido por essa crise. Alguns sobreviveram e outros não. Foram sete anos de Júlia Mezzetti, um período muito importante da minha vida e da minha carreira, quando aprendi muito.

Quando abriu sua marca?
Assim que saí da Júlia criei minha marca, a Narciso, que foi minha carreira solo, meu sonho. O negócio de calçados exige um aporte de capital muito grande, por isso estamos (Arezzo & Co) com um projeto bem interessante para investir em novos talentos, uma incubadora, para ver quem vai desenvolver, injetar capital nesses novos talentos, porque é muito difícil decolar do zero, e eu que farei a curadoria. Enfim, vendi um apartamento, abri um showroom de representação de várias marcas para conseguir capital para investir no meu negócio, mas engravidei do meu segundo filho. Durante a gravidez, desenvolvi diabetes gestacional e por causa disso a minha cesária não cicatrizou. Tinha desenvolvido uma coleção linda para a Narciso, mas não consegui trabalhar. Nessa idade a gente acha que vai ter o filho em um dia e começar a trabalhar no dia seguinte, mas surgem imprevistos. O Anderson Birman, sempre que se encontrava comigo, dizia que um dia ainda iríamos trabalhar juntos. Meu filho nasceu em outubro, fiquei até fevereiro sem trabalhar e muito apertada financeiramente. Procurei o Anderson, expliquei minha situação e propus a ele comprar a minha coleção, explicando que precisava de dinheiro para quitar meus fornecedores. Ele não só comprou a coleção como me convidou para trabalhar com eles.

Começou aí sua história com a Arezzo?
Sim, mas nunca imaginei que fosse chegar aonde cheguei. Comecei a trabalhar com a proposta de ficar light, só meio horário, sem viajar para poder cuidar do meu filho e amamentar. Em uma semana já estava viajando para o Sul, trabalhando em horário integral. Nunca vou me esquecer do dia em que o Getúlio me ligou dizendo que o Anderson havia pedido referência a meu respeito para ele, e disse que era para eu me esforçar ao máximo para ficar pelo menos um ano na Arezzo, que seria muito importante para o meu currículo, que era para eu aguentar. De repente, já estava arrastando meu filho de Belo Horizonte para o Rio Grande do Sul. Viajava toda semana com ele, morei em um hotel lá. Comecei como estilista da Arezzo, trabalhando com o Jefferson Birman, irmão do Anderson, que fundou a empresa com ele. Toda a área de produto e marketing era ele. Depois de um ano que eu estava lá, o Jefferson se desligou do executivo da empresa e eu assumi o lugar dele, que foi uma responsabilidade tremenda, enorme, uma cadeira superimportante, lado a lado com o Anderson.

Como foi essa fase?
Foi muito difícil esse momento da Arezzo. O Giovanni Bianco veio e o Anderson lançou o reposicionamento da marca no Brasil e principalmente em São Paulo, onde estava extremamente desgastada por causa do canal multimarcas. Isso é uma coisa muito natural de se fazer em qualquer marca, é necessário. Hoje, temos quatro canais de distribuição franquia, lojas próprias, multimarcas – que continuam, nunca foram desativadas, foram minimizadas –, e o e-commerce. As marcas têm que se reinventar, é o que ocorreu com a Gucci há quatro anos e com a Bottega Veneta no ano passado. O que Daniel Lee fez na Bottega Veneta  causou estranheza, mas foi a marca mais vista e comentada no ano passado. Já tinha um faturamento garantido da bolsa de trecê, mas quis moda, fôlego, fogo, quis crescer. Para mim, é a marca do momento. Fez uma coleção surpreendente demais, que você deseja de tão inovadora. E houve isso com a Arezzo, com a ousadia do Giovanni Bianco. A marca voltou e resgatou o público A.

Quando assumiu como CEO?
Em 2010, assumi como CEO da marca dividindo a cadeira com o Anderson – eu no produto e no marketing, e ele no financeiro e comercial. Depois ele se afastou e seu assumi a cadeira de CEO. Aprendi muito, uma pessoa que veio da roça, que nunca fez um curso de moda, não existia na época, muito sonhadora e curiosa, com filhos pequenos. Mas sempre fui muito focada e disciplinada. A paixão me moveu. Teve a abertura de capital, que foi muito marcante, tive meu terceiro filho, que está com 12 anos, o Pedro. Há quatro anos, pedi ao Anderson e ao Alexandre, depois de um processo de coaching por que passei, para assumir um novo escopo de trabalho porque chega uma hora em que você precisa respirar um pouco mais. Não queria fazer ano sabático, nada disso, só queria um pouco mais de tempo para meus filhos. Porque eu trabalhava cerca de 15 horas por dia, todos os dias, sábado, domingo, feriados, estava sempre em loja. Quem faz produto não pode sair do varejo, tem que estar escutando e sentindo a ponta. Nosso país é um continente, com regiões muito diferentes. Me entreguei ao trabalho, não me arrependo nem um minuto, faria tudo de novo.

E qual a sua função agora?
Consultora de moda do grupo. É um trabalho de pesquisa constante e cobertura de todos os desfiles. Tenho que ficar antenada em tudo que acontece no mundo da moda. Todas as mudanças de cadeira de diretores criativos, a entrega de resultado de todas as marcas, novos talentos, movimentação de bastidores, e entrego a cobertura de todos os desfiles de todas as estações com meus comentários. Faço pesquisa de rua e faço uma apresentação para as equipes de todas as marcas do grupo: Anacapri, Fiever, Schultz, Alexandre Birman, Arezzo, com as principais apostas daquela estação. De tudo o que vi, o que eu acho que vai funcionar para qual marca. Transformação digital, e comportamental, que tem mudado numa velocidade louca, de manhã está de um jeito, de noite já mudou. E uma coisa que eu acho mais importante atualmente, o que precisamos fazer para ser cada vez mais sustentáveis, verdadeiramente, em todos os canais, para manter o crescimento sustentável. Esse é um tema em que acredito muito e defendo cada vez mais, porque se continuarmos gerando este lixo, todo o mundo vai acabar. Adoro fazer tudo isso.

Você tem um trabalho com sustentabilidade.
Desenvolvi um projeto com o qual sempre sonhei, que são as áreas de preservação. Tenho duas – uma próxima a Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, que se chama Estancia Lomba Grande. São 34 hectares de mata atlântica, é a única reserva em área urbana, com várias nascentes e uma cachoeira maravilhosa. Fiz um trabalho de limpeza e até a água para lavar copo eu retiro do lugar. Nada vai para o lençol freático, todas as nascentes estão preservadas e tenho alguns bangalôs e funciona há dois anos. A forma que encontrei para a sustentabilidade foi receber pessoas. Várias pessoas famosas já ficaram lá, porque o lugar é lindo. E invisto muito na gastronomia. Lá é um local para viver experiência com ar puro, terra, fogo, produtos orgânicos de verdade, a galinha é caipira, a comida sendo feita na frente da pessoa no fogão a lenha. A outra é a pousada Raiz Parque, a 50 quilômetros de Diamantina, com 10 cachoeiras, com a mesma proposta. Elas são irmãs e tem dado muito certo. É a natureza com conforto, uma gastronomia de primeira.

Como dá conta de tudo isso?
Só acredito em uma coisa: tem que formar time, ninguém consegue fazer nada sozinho. Tem que ter um olhar, encontrar pessoas com potencial e treinar, colocar na forma, dar feedback e também pedir feedback. Temos que ter humildade para ouvir críticas porque elas são construtivas e nos ajudam a crescer. A equipe sendo boa, é possível acompanhar tudo em tempo real com a tecnologia atual. Tenho equipe em todos os meus trabalhos. A vida pede muita coragem para todos nós, temos que racionalizar o medo para ele não nos dominar. 


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