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Estado de Minas

Adolescentes se mobilizam para alfabetizar moradores de povoado em Três Marias

No pequeno distrito de Andrequicé, adolescentes decididos a erradicar o analfabetismo local investem em aulas para adultos e até idosos. "Tudo é possível", defende Lívia, de 15


postado em 10/01/2017 06:00 / atualizado em 11/01/2017 17:06

Idealizadora do projeto, a adolescente Lívia Reis dá aula individual para Beatriz Santos e já sonha com uma sala cheia de adultos de Andrequicé(foto: Votorantim Metais/Divulgação)
Idealizadora do projeto, a adolescente Lívia Reis dá aula individual para Beatriz Santos e já sonha com uma sala cheia de adultos de Andrequicé (foto: Votorantim Metais/Divulgação)
É costume dizer que na vida os mais novos aprendem com os mais velhos. Mas o contrário também ocorre. É o que está sendo mostrado em Andrequicé, distrito de Três Marias, na Região Central do estado, onde um grupo de adolescentes montou um projeto para que eles próprios pudessem alfabetizar adultos, entre eles idosos, da região. Eles passaram a transformar a realidade com o projeto Ensinando e Aprendendo, um dos vencedores de um concurso  nacional.


A ação é desenvolvida por alunos do nono ano (antiga oitava série) da Escola Estadual Carlos Alexandre de Oliveira. Cinco alunos, com o suporte de suas professoras, ministram aulas individuais para adultos de Andrequicé, em suas próprias casas, durante a semana. A comunidade, que tem 1,5 mil moradores e cerca de 400 casas, tornou-se conhecida por ser o lugar onde viveu o vaqueiro Manuel Nardy, o Manuelzão, um dos personagens que inspiraram as obras do escritor João Guimarães Rosa.

O projeto Ensinando e Aprendendo foi destaque nacional do concurso Desafios Criativos da Escola, organizado pela iniciativa Criativos da Escola, do Instituto Alana, que possui como um dos parceiros o Instituto Votorantim. Além de premiação em dinheiro, os responsáveis pela iniciativa ganharam uma viagem a Salvador (BA).

Uma das responsáveis pela ação é a estudante Lívia Tatiana Gonçalves Reis, de 15 anos. Ela conta que teve a ideia de criar o projeto ao testemunhar a dificuldade vivida por uma pessoa analfabeta. “Eu estava no ponto de ônibus e vi uma mulher perguntando qual era o destino do lotação. Aí, o motorista questionou grosseiramente: ‘A senhora não sabe ler não?’. Percebi que a mulher não sabia ler. Aquela cena me chocou muito”, relata Lívia.

Naquele momento, a adolescente decidiu que tinha que fazer algo para “mudar essa realidade” e, com quatro colegas, começou a dar aulas para adultos e idosos de Andrequicé que não sabiam ler e escrever. Para isso, contou com o apoio de duas professoras da escola, que ajudaram a montar o projeto Ensino e Aprendendo.

As aulas voltadas para os adultos são ministradas pelos adolescentes durante dois ou três dias da semana, normalmente uma hora por dia, nas casas dos alunos. Lívia conta que as aulas individuais foram iniciadas em agosto e até agora 10 pessoas do distrito que até então desconheciam as letras deram os primeiros passos na leitura.

DEMANDA
Uma pesquisa realizada em Andrequicé identificou a existência de 75 pessoas analfabetas, que foram entrevistadas no levantamento. Lívia sonha em ensinar todos a ler e escrever e a todos e erradicar o analfabetismo no vilarejo. Para isso, idealiza a montagem de um projeto de alfabetização de adultos com aulas regulares dentro de uma sala de uma escola e horário definido, como ocorre no ensino convencional.

“A pessoa, quando não sabe ler e escrever, se sente excluída da sociedade. Parece um bicho”, comenta a estudante-professora. Para ela, o sonho de aprender a ler e escrever está ao alcance até mesmo de idosos. “Tudo na vida é possível. Basta a pessoa querer”, avalia Lívia,  cujo pai é pedreiro e a mãe, servente da escola estadual de Andrequicé. O estabelecimento oferece o ensino fundamental. Os alunos do ensino médio do distrito são levados de ônibus para frequentar as aulas na sede de Três Marias, a 32 quilômetros de distância.

INDEPENDÊNCIA
Mais do que o acesso à leitura e à escrita, o projeto Ensinando e Aprendendo significou liberdade para pessoas como Beatriz Pereira dos Santos, de 39 anos, que trabalha em casa em Andrequicé, cuidando dos quatro filhos.  Ela assiste às aulas ministradas pela estudante Lívia Tatiana Gonçalves Reis, de 15, e uma outra adolescente, em sua casa, às terças e quintas-feiras, entre as 18h e as 19h.

Com o domínio das letras, Beatriz sente-se mais livre. E o motivo está no cotidiano, na quebra de barreiras inimagináveis para quem não teve que chegar à vida adulta sem saber ler. Foi como sair da “escuridão”, conta. E explica: “Levo um filho para fazer tratamento em Belo Horizonte. E toda vez que viajava era muito difícil para pegar ônibus e achar os endereços, porque eu não sabia ler”.

Satisfeita, ela revela que outra barreira agora está sendo superada: não conseguia ensinar a tarefa escolar para seus filhos. “Já aprendi alguma coisa e quero aprender muito mais”, diz Beatriz, que, assim como outros adultos do lugar, não teve oportunidade no tempo certo, na infância e adolescência, para estudar: “A gente trabalhava na roça e não existia escola por perto”.

A professora de língua portuguesa Sônia Pereira Campos Lima apoia o projeto dos alunos de Andrequicé e salienta que a iniciativa representa um ganho para toda a comunidade. “Antes, até mesmo a realização da eleição para a direção da escola era complicada pois muitos pais não podiam participar por serem analfabetos.  As pessoas estão com a autoestima elevada, querendo aprender a ler cada vez mais. Elas passam a enxergar o mundo de outro jeito a partir da leitura”, observa a professora.

 

 


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