(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Pais e crianças se sentem alvos de testes estressantes em escolas de BH


postado em 09/09/2012 07:46

"Pode haver uma avaliação precoce de uma criança maravilhosa. Isso cria um sentimento de rejeição enorme, pois ela conhece o ambiente da escola e depois não passa no teste", diz Terezinha Lúcia Avelar, diretora do Sindicato de Professores (foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Na tentativa de garantir o ingresso da filha em colégios tradicionais de Belo Horizonte, ano passado, a família da pequena Júlia (*), de 6 anos, passou por uma maratona de testes de conhecimento para as crianças e paciência para os pais. No primeiro processo seletivo, no Colégio Loyola, os pais ouviram palestra bastante realista, enquanto filhos participavam das chamadas atividades lúdicas nas salas de aula. “A diretora foi enfática e disse que infelizmente não havia vaga para todo mundo. Eles avaliariam o perfil das crianças e disseram que quem ficasse de fora não poderia nem recorrer”, conta Mariana.

Apesar de adotada por escolas particulares, a prática de avaliar desempenho para selecionar alunos do 1º ano do ensino fundamental é condenada pelo Parecer nº 26/2003 do Conselho Nacional de Educação. Mariana diz que em nenhum momento teve dúvida de que a filha estivesse sendo testada e poderia ser eliminada do processo. “Havia mais candidatos do que vagas”, lembra. Enfrentar tanta pressão não foi fácil para a mãe. “Se a Júlia não passasse, seria tenso explicar a situação. Havia dito a ela que participaria de umas brincadeiras e que era para ela fazer o melhor”, conta. A segunda maratona ocorreu no Colégio Santo Agostinho. Júlia foi bem-sucedida novamente, mas um dos amigos da menina teve problemas nas duas escolas.

“O colégio ligou para minha amiga dizendo que a avaliação do filho havia sido fraca. Explicaram que ele provavelmente teria dificuldade em acompanhar o ritmo da escola e pediram que tomasse aulas de reforço e repetisse a atividade, mas a mãe optou por outra instituição”, conta. No Magnum Buritis, Júlia passou mais uma vez por avaliações “lúdicas”, que incluíram desenhos e brincadeiras envolvendo matemática. “Achei que eles não trataram a seleção como um vestibular, mas me falaram que a Júlia tinha sido aprovada e que eu deveria providenciar um apoio maior para ela desenvolver alguns aspectos cognitivos”, diz.

Por meio de edital, o Colégio Loyola comunicou que as 180 vagas disponíveis para o 1º ano do ensino fundamental serão preenchidas pelo critério de ordem cronológica de inscrição. Serão feitas outras atividades lúdicas, que, segundo a assessoria de imprensa, “têm como objetivo ajudar a escola a conhecer melhor os novos alunos e a ter um melhor acompanhamento de sua vida escolar”. Embora destaque que as atividades programadas não têm caráter eliminatório, o colégio não se manifestou em relação a casos de alunos reprovados.

O Colégio Santo Agostinho informou que o processo de admissão até o 1º ano do ensino fundamental não é classificatório e que as atividades lúdicas são feitas com alunos já inscritos e para que a escola conheça melhor as crianças e divida as turmas por idade e habilidade. O colégio admitiu apenas que alguns inscritos são chamados a repetir as atividades. “São crianças que demonstram dificuldade e a família é convidada a voltar ao colégio para que se verifique melhor o perfil do aluno e a adequação na divisão das salas”, informou a instituição em nota.

A supervisora pedagógica do Magnum Buritis, Patrícia Bevilaqua, também disse que não há eliminação de alunos que tentam ingressar no ensino fundamental. Quando há mais candidatos que vagas, o critério usado é a ordem de inscrição, afirmou. “Nas atividades lúdicas, fazemos o primeiro contato com a criança, sempre prezando o cuidado e o benefício dela. Conversamos com as famílias e falamos sobre eventuais dificuldades que a criança ainda não venceu, indicando, por exemplo, o acompanhamento de um fonoaudiólogo. Mas não se trata de uma seleção excludente”, explica.

No Coleguium, a seleção é feita por meio de prova de português e de matemática, segundo o gerente de marketing, Fabrício Ribeiro. Após se inscrever, o pai agenda a data para o filho fazer o exame. Conforme está escrito no site, “os testes de seleção são provas com objetivo de proporcionar uma sondagem de todos os candidatos a ingressar na escola, a partir do primeiro ano do ensino fundamental”.

Já o diretor-executivo do Coleguium, Daniel Machado, é categórico em afirmar que a escola não aplica o vestibulinho, mas uma dinâmica voltada para no máximo 10 alunos. “A professora vai ler um texto sobre Chapeuzinho Vermelho e a partir daí vamos ver o que a criança deu conta de fazer. Com base neste trabalho, chamamos o pai para uma conversa franca, explicando o tamanho do desafio que terá de enfrentar com o filho. Se ele estiver disposto, daremos oportunidade ao filho dele”, garante Machado. E completa: “É o modo mais transparente e justo e o que gostaria que fosse feito com as minhas filhas”.

(*) Para preservar os personagens, os nomes usados são fictícios

Jogo dissimulado e silencioso

Professora da educação infantil da rede particular, Terezinha Lúcia Avelar, diretora do Sindicato de Professores do Estado de Minas Gerais, que representa profissionais de instituições privadas, denuncia que a prática da seleção condenada pelo Conselho Nacional de Educação é generalizada entre as escolas mais tradicionais. Com jogos estratégicos e brincadeiras das atividades lúdicas em mãos, Terezinha diz já ter perdido as contas de quantas vezes aplicou os testes. “Você analisa a criança como um todo, se está em processo de crescimento intelectual e motor, como se porta em grupo, como está o vocabulário, entre outros aspectos”, afirma.

Segundo ela, a atividade lúdica para fins de seleção é superficial. “Pode haver uma avaliação precoce de uma criança maravilhosa. Isso cria um sentimento de rejeição enorme, pois ela conhece o ambiente da escola e depois não passa no teste”, critica. Por diversas vezes, Terezinha diz ter se deparado com alunos “marcados” para reprovação. “Quando a criança tem uma necessidade especial, dificilmente passa. O colégio geralmente vai desmontando nos pais o desejo de matricular o aluno na instituição, dizendo que o filho não conseguiu concluir a atividade”, conta. A existência de mais candidatos do que vagas também é comum. “A taxa de inscrição que é paga acaba sendo um dinheiro extra no caixa.”

Apesar de reconhecida entre profissionais ligados à educação, a adoção de atividades lúdicas com fins eliminatórios para selecionar alunos em colégios particulares se mantém intocada em razão do silêncio das famílias e da falta de fiscalização. “Muitos pais ficam envergonhados pelo fato de o filho ter sido rejeitado e se escondem. Temos conhecimento de que a prática existe, mas as denúncias dificilmente chegam até nós”, afirma a presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos, Edir Bambirra, ex-presidente da federação mineira.

Edir avalia que as atividades lúdicas dificultam, principalmente, a entrada de crianças com deficiência e que, por lei, deveriam ter cadeira garantida em salas do ensino regular. “A educação é um direito constitucional do aluno. As escolas usam essas atividades e dão uma conotação de joguinho, mas, no fim, analisam se a criança está alfabetizada e só aceitam quem eles querem”, critica. “Esses abusos ocorrem porque a Secretaria de Estado de Educação (SEE) se exime e não faz nada.”

SEM PROCESSOS A SEE reconhece que a fiscalização dos vestibulinhos é de sua competência, mas afirmou que a investigação sobre irregularidade ocorre apenas a partir da formalização da denúncia. As reclamações devem ser feitas diretamente a uma das 47 Superintendências Regionais de Educação de Minas. Atualmente não há nenhum processo aberto em Minas.

O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Emiro Barbini, afirma ter conhecimento de que a seleção de alunos ocorre. Segundo ele, por não se tratar de um órgão fiscalizador, o Sinep-MG não tem como atuar. “Esse é um problema administrativo da escola e não temos como interferir. Nossa orientação é de que o critério de admissão seja a ordem de inscrição”, afirma Emiro, que condena a prática. “Ao se eliminar uma criança de uma seleção por processo lúdico, pode-se cometer uma grande injustiça”, ressalta.

Embora em São Paulo o MP tenha atuado contra os vestibulinhos, em Minas Gerais os promotores das varas da Infância e da Juventude, assim como os da Educação, não têm posição formada até hoje sobre o assunto. (FA)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)