Os 200 integrantes do bloco Os Inocentes de Santa Tereza ainda não estavam reunidos, quando moradores e visitantes começaram a se juntar para ver a bateria comandada pelo presidente Angelo Lima, de 43 anos, no encontro da Rua Grafito com Rua Mármore. Sob sol escaldante, as pequenas passistas de saia em flor e asas de borboletas bailam entre as mulatas de pouca roupa e sapatos de saltos coloridos. Cerca de 50 músicos surram tambores e tamborins para a farra de quem chega para ver o aquecimento de A Santê, afilhada de Os Inocentes. Na linha de frente, três ratos orelhudos, de rodinhas, representam o lixo e o luxo da agremiação. Adultos e crianças pulsam à espera do deslocamento do bloco rumo à Praça Duque de Caxias.
Nascido e criado em Santa Tereza, Angelo, de corte moicano postiço, colorido, tem fôlego de atleta à frente do grupo. “Isso é a coisa mais bonita do mundo. Fico o ano inteiro esperando pelo carnaval”, suspira. O professor comenta a alegria contagiante das 150 crianças que fazem parte do projeto de percussão do bloco, criado há 39 anos. Hora de fazer valer o apito e arrastar o povo que já não quer mais dançar na esquina. Ordem e água para a bateria porque o calor é de incendiar o vermelho e branco dos uniformes. Silvo longo para a galera ganhar o asfalto. Povo, Inocentes e Santê já são um só na Rua Mármore. As janelas dos casarões ficam pequenas para tantos camarotes.
Quarteto serelepe se junta à porta-bandeira. Jeniffer Gallo, Karina Saturnino, Débora Vilaça e Cláudia Rodrigues. Vindas dos bairros Funcionários e São Cristovão, em BH, e de Contagem e Nova Lima, na região metropolitana, elas reforçam o título de Santa Tereza como ponto de encontro da alegria na capital mineira. Criatividade e fantasias não faltam calçada afora. Na escadaria do sobrado, a Branca de Neve parou para ver o samba passar. A mamãe, vestida de noiva, carrega a filhinha, princesa, no colo. Uma graça a pequena Luiza, de 1 aninho, pular com a mãe, Débora Pimenta, de 29, estudante de geografia. “Carnaval é marchinha nas ruas. É isso. Se melhorar até estraga”, sorri. Já na praça, em frente ao bar de nome Redondo, dezenas de outros foliões de várias gerações se juntam aos Inocentes para engrossar a pequena multidão.
Outros tempos
Folia romântica
“Os clubes sociais de Belo Horizonte promoviam movimentados bailes carnavalescos, matinês para crianças e noturno para adultos, que ganharam glamour nos anos 1950 e 1960. Ficaram famosos os gritos de carnaval do Pampulha Iate Clube, Automóvel Clube, Sírio Libanês, Iate Tênis Clube e outros. Alguns eram temáticos, como o Baile do Marinheiro do Iate. Depois dos anos 1970, com o decair do romantismo, maior permissividade e agressividade, os bailes de adultos foram banidos do calendário dos clubes. Restaram os infantis, assim mesmo restritos a poucas agremiações.”
Carnaviola mistura sons
Rei Momo com sotaque mineiro, toada em ritmo de folia e muita gente disposta a cantar e dançar. A Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de BH, foi palco, na tarde de ontem, do Carnaviola, uma mistura dos sons da festa da serpentina com a viola caipira, um instrumento que é um ícone das Gerais. “No carnaval mineiro, tem violeiro, tem viola e nossa animação”, cantaram os músicos Chico Lobo e Pereira da Viola, com acompanhamento de um público preocupado em curtir o último dia de folia em clima de tranquilidade.
“Belo Horizonte voltou a ter carnaval de rua, com bloquinhos e outras atrações. Isso é muito bom, pois sai daquela guerra comercial de marcas de cervejas e abadás. Há um resgate dos tempos de nossos pais, num clima mais de família”, avaliou o publicitário Rodrigo Lacerda, morador do Bairro de Lourdes. Ele estava acompanhado da mulher, a psicóloga Renata Lommez e dos filhos Guilherme, de 2, e Clara, de 4 meses, além da sogra Míriam Mello. Vestida de “vaso de flor”, a terapeuta carioca Cristiane Ferraz elogiou o programa. “Adoro carnaval, sou um Zé Pereira”, brincou.
Iniciado em 2006, o evento é promovido pela Viola Brasil, com apoio da Belotur e da Prefeitura de Belo Horizonte. Segundo os organizadores, cerca de 4 mil pessoas estiveram no local.