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Estado de Minas

Correspondente em NY conta como foi 11 de setembro


postado em 08/09/2011 15:23 / atualizado em 09/09/2011 08:59

Dez anos depois, não tenho dúvidas em afirmar: o 11 de setembro de 2001 foi o dia mais espetacular da minha vida de jornalista. Jovem correspondente dos Diários Associados em Nova York, tinha programado um dia de folga para apresentar a cidade a uma amiga, Carla Falcão, do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, com quem tinha dividido uma ampla cobertura sobre eventos relacionados ao Brasil. A única exceção de trabalho, naquela terça-feira ensolarada, seria uma entrevista por telefone, marcada para as 8h30, com a médica brasiliense Valéria Guimarães, que receberia um prêmio em Washington.

A doutora Valéria falaria comigo no intervalo entre o voo de Miami à capital dos EUA. E, como combinado, o telefone tocou em casa. Da escrivaninha do quarto podia ver a televisão sintonizada no canal New York One, ao qual assistia religiosamente para saber tudo o que ocorria na cidade. Foi entre uma anotação e outra da conversa que me deparei com as imagens de um avião atingindo a primeira das duas torres do World Trade Center (WTC). Fiquei atônito. Pedi um minuto à entrevistada para ouvir mais de perto o que o locutor anunciava. As informações ainda estavam truncadas e se apostava em um acidente. Mas, ciente de que algo de muito ruim havia acontecido, voltei ao telefone e pedi à doutora que nos falássemos no fim do dia - conversa que só foi retomada dois meses depois. Daquele momento em diante, os fatos ganharam uma dimensão extraordinária, marcando minha vida para sempre. Vi, pela TV, a segunda torre do WTC sendo atacada pelos terroristas. Não pensei duas vezes. Chamei por Carla, que estava se aprontando para o passeio que havíamos combinado, e disse, taxativo: vamos para a guerra. Na saída de casa, ainda consegui avisar o jornal que estava me deslocando em direção às Torres Gêmeas, contato que só seria restabelecido no fim do dia, pois o serviço telefônico de Nova York havia sofrido uma pane. Várias das antenas que davam cobertura aos celulares estavam no topo dos edifícios em chamas. Na esquina da minha rua, a 64 Street, o que vi foi um cenário de filme. Uma multidão olhava para o céu, coberto por uma fumaça muito escura. As expressões eram de terror. Com Carla ao meu lado, atravessei a rua e tentei entrar em um táxi para chegar mais rápido ao Sul da Ilha de Manhattan para ver o que realmente estava acontecendo naquele que era um dos cartões-postais mais famosos do mundo. Não consegui nem entrar no veículo. Ao dizer para onde ia, o motorista gritou: "Vocês estão loucos? A cidade está parada. Não há como ir lá". Corremos para o metrô. Nem passamos da porta. O transporte havia sido interrompido por questão de segurança. O jeito foi descer toda a Primeira Avenida a pé. À medida que nos aproximávamos do WTC, a sensação era de que o inferno estava à nossa espera. Éramos os únicos indo naquela direção. Todos queriam fugir dali. A fumaça ficava cada vez mais intensa. Cobertas de fuligem, muitas pessoas gritavam por socorro. Veio o primeiro estrondo: a Torre Norte, a segunda a ser atacada, estava desabando. Além da fumaça, as ruas foram tomadas por uma nuvem de poeira sufocante. Já próximos do centro financeiro em que o WTC se destacava por sua imponência, nos deparamos com as primeiras barreiras policiais. Por estar tão atônitos quanto nós e com tanta gente correndo para lá e para cá em busca de proteção, eu e Carla conseguimos furar o cerco. Mas fomos obrigados a recuar. A outra torre já começava a ruir. E não demorou para, novamente, um barulho ensurdecedor tomar conta da ilha, abafando o som dos caças da Força Aérea norte-americana que cruzavam os céus da cidade. O horror tinha se espalhado. Separei-me de Carla, cada um com a missão de levantar o maior número possível de informações. Ouvi relatos estarrecedores, gritos de desespero. Vi pessoas com a orelha cortada, braços pela metade, gente coberta de sangue e poeira. No fim da tarde, com jornalistas de todo o mundo, consegui me aproximar do buraco onde ficava a torre Sul do WTC. O cheiro de ferro derretido e de corpos esturricados quase impedia a respiração. As imagens daquele cenário de destruição me atormentaram por meses e, ainda hoje, me sobressaltam. Mas o pior ainda estava por vir. Tive de percorrer hospitais, cemitérios e centros de assistência às famílias que foram destruídas pela violência inexplicável do terrorismo. Os relatos doíam na alma. Pais que morreram sem conhecer os filhos que estavam prestes a nascer. Pais que desfrutavam o orgulho das primeiras conquistas profissionais dos filhos que trabalhavam no World Trade Center. A filha que rezava dia e noite pela recuperação da mãe, engolfada por uma bola de fogo. A viúva do bombeiro que simplesmente evaporou, deixando seis filhos órfãos. Essa viúva, Heloíza Asaro, havia descoberto, dias antes de seu marido, Carl, desaparecer, que estava com câncer. Felizmente, Deus lhe deu mais 10 anos de vida para cuidar dos bens mais preciosos deixados por Carl. Dez anos depois, já sem as obrigações de correr atrás das informações que todos ansiavam por ver nos jornais e de não ter de brigar com as autoridades norte-americanas %u2014 jornalista brasileiro não era nada; toda a prioridade no atendimento era para os profissionais dos Estados Unidos e da Europa %u2014, ainda me pego de olhos marejados ao observar as fotos e de rememorar as histórias de quem, naquela terça-feira ensolarada de 11 de setembro de 2001, viu de perto o inferno.

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