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Estado de Minas NEGÓCIOS

Proibir reuniões aumenta a produtividade da empresa?

Algumas empresas estão eliminando reuniões da agenda para aumentar a produtividade dos funcionários. Na teoria, é uma boa ideia - mas e na prática?


28/11/2021 21:50 - atualizado 30/11/2021 10:05


Homem diante de computador
Virtuais ou presenciais, reuniões ajudam ou atrapalham? (foto: Getty Images)

Victor Potrel não havia comparecido a uma reunião há anos.

Em 2019, quando ele assumiu um cargo executivo na companhia de mídia digital TheSoul Publishing, em trabalho remoto em Londres, não havia longos programas de iniciação.

Todas as informações de que ele precisava estavam disponíveis em vídeo sob demanda. Ele também não precisava reservar espaços de uma hora na agenda para fazer contato com seu chefe. Ele usava canais digitais e ferramentas de software para se atualizar com as várias equipes sobre os projetos em andamento.

Até hoje, não existem reuniões programadas na empresa onde Potrel trabalha. Os funcionários podem agendar uma ligação direta com pelo menos 24 horas de antecedência, mas somente em circunstâncias excepcionais.

"Precisa haver um objetivo muito específico e não um brainstorm geral que você pode fazer com outras ferramentas", explica Potrel. "Na maioria das vezes, o trabalho preparatório para uma chamada faz você compreender que você não precisa dela."

Para Potrel, a rígida política sem reuniões foi liberadora. "Ela melhorou o meu trabalho", segundo ele. "Parece que você consegue organizar o seu próprio tempo, em vez de ter outros organizando para você. Para as pessoas criativas, isso significa que você pode se concentrar nas suas próprias capacidades, onde você agrega valor — e não discutir assuntos em reuniões."

Ao contrário de Potrel, muitos trabalhadores passam grande parte do seu dia em salas de reuniões e chamadas virtuais. Muito desse tempo é desperdiçado. Antes da pandemia, uma pesquisa com 1.945 trabalhadores feita pela empresa de consultoria Korn Ferry concluiu que 67% dos participantes sentiam que reuniões em excesso prejudicavam a eficácia do seu trabalho, enquanto 34% desperdiçavam até 5 horas por dia em reuniões sem sentido.

Essa cultura de reuniões sobe até o topo das organizações e, ironicamente, também prejudica seus promotores: a pesquisa mostrou que as reuniões impedem a maior parte dos gerentes de concluir seu trabalho, com executivos passando, em média, cerca de 23 horas por semana em reuniões.


Pessoas em sala de reunião
A plataforma Zoom substituiu muitas reuniões durante a pandemia. Mas as chamadas de vídeo podem ser tão improdutivas quanto as reuniões presenciais e ainda pressionam as pessoas a atendê-las. (foto: Getty Images)

O trabalho remoto apenas amplificou o problema do excesso de reuniões, com as conversas casuais ao lado das mesas sendo substituídas por chamadas de meia hora, em média, na plataforma Zoom.

Uma análise dos convites para reuniões de funcionários em 21,5 mil companhias globais, conduzida pela Harvard Business School, nos Estados Unidos, concluiu que, embora as reuniões fossem, em média, 12 minutos mais curtas que antes da pandemia, as pessoas estavam comparecendo a 13% mais reuniões do que antes e a média de convidados aumentou em 14%.

Mais reuniões, para mais funcionários, significam dias de trabalho mais fragmentados — o que prejudica a produtividade. Surge a fadiga do Zoom e o risco de burnout aumenta.

As empresas estão observando a situação e cada vez mais companhias instituem os dias sem reuniões. Mas essa política realmente protege os trabalhadores? Ou, na prática, ela pode gerar consequências indesejadas — mais confusão, e-mails, conversas laterais — e criar ainda mais trabalho?

Como surgiram as reuniões

Os seres humanos são seres sociais por natureza. O nosso instinto de nos reunirmos para criar estratégias e compartilhar ideias é anterior à civilização moderna, que dirá à cultura organizacional.

"Nós nos reunimos desde a era das cavernas", explica Steven Rogelberg, diretor de Ciência das Organizações da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte, nos Estados Unidos. "As reuniões são uma manifestação das tendências humanas."

Com o surgimento dos trabalhadores do conhecimento — aqueles que usam principalmente seus conhecimentos, informações e inteligência para desenvolver seus trabalhos — em meados do século 20, as empresas mudaram gradualmente da liderança com base em comando e controle para a colaboração.

Ao longo do tempo, as organizações se tornaram mais horizontais e menos hierárquicas. À medida que floresciam as startups, a noção de coletivo também crescia. As reuniões se tornaram o melhor processo para permitir o surgimento de ideias, inspirando a inovação.

"Nós evoluímos até reconhecer que as equipes podem chegar mais longe com o processo de interação com os demais, ouvindo o que os funcionários têm a dizer e criando oportunidades de sinergia", afirma Rogelberg. "Por isso, embora a atividade de reunião seja parte da natureza humana, ela é também uma evolução da forma como realmente dirigimos e interagimos com as pessoas."

Quando a tecnologia de videoconferência se tornou mais sofisticada ao longo dos anos 2010, as reuniões deixaram de ser restritas ao tamanho da sala ou ao horário de trabalho. Mas estar permanentemente disponível traz consequências.

"As pessoas são inundadas de pedidos de reunião", acrescenta Rogelberg. "Ficou muito fácil invadir os cronogramas das pessoas. Elas não pensam — simplesmente clicam em 'sim' para o convite."

Embora as reuniões possam fazer com que as equipes pensem em conjunto, alinhem seus pensamentos e tomem decisões, as reuniões funcionam melhor quando são poucas e espaçadas entre si. Sem objetivos claros, as reuniões perdem o foco. Muitas vezes, elas ficam inchadas: o que deveria ser uma rápida conversa individual torna-se uma chamada de uma hora convocando equipes inteiras.

"Ainda enfrentamos problemas com as reuniões e temos um longo caminho a percorrer", segundo Rogelberg. "Existem muitas questões: a escassez de treinamento significativo, falta de feedback sobre sua forma de condução e pouco oferecimento de oportunidades pelos líderes para garantir que todos colaborem."

Os efeitos em cadeia das reuniões improdutivas refletem em todo o dia de trabalho, além de ocuparem o tempo dos funcionários. A síndrome da recuperação de reuniões, durante a qual os funcionários ficam ruminando após as reuniões, pode prejudicar a produtividade.

Mudanças constantes de contexto têm um custo: elas são uma forma de multitarefas, que o nosso cérebro não foi construído para desempenhar. "Cada vez que você muda sua atenção de um assunto para outro, há um custo a pagar em termos de tempo e energia", segundo explica Sahar Yousef, neurocientista cognitiva da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.

Ferramentas novas e melhores?

Por isso, é fácil imaginar que algumas companhias tenham proibido as reuniões, seja permanentemente ou em dias específicos da semana.

Muitas startups da área técnica, que frequentemente empregam trabalhadores remotos em diferentes fusos horários, como a TheSoul Publishing, priorizam comunicações assíncronas (como e-mail e outros serviços de mensagens) em substituição às chamadas ao vivo. Mas, desde o início da pandemia, entre o trabalho híbrido e preocupações relativas à sobrecarga do Zoom, chefes de outros setores também estão repensando seus hábitos de reunião.

A startup Asana, com sede nos Estados Unidos, que fornece ferramentas de gestão do trabalho para empresas, proibiu reuniões em toda a companhia às quartas-feiras. Suas pesquisas globais demonstraram que as reuniões desnecessárias aumentaram em uma hora por semana, em média, desde a pandemia.

Sua própria proibição é "um compromisso com o foco e o fluxo", segundo Anne Raimondi, chefe de operações e negócios da Asana. "Desde os designers, passando pelos programadores, até os funcionários que atendem clientes — todos têm tarefas que somente pode ser realizadas em blocos de tempo sem interrupções."

A proibição das reuniões uma vez por semana não apenas oferece mais tempo para que os funcionários da Asana concentrem-se no seu trabalho, segundo Raimondi, mas também possibilita estruturas de reunião mais robustas durante os dias de trabalho restantes. "O dia sem reuniões no meio da semana é útil para o fluxo de trabalho — todos sabem que têm tempo para trabalhar com profundidade em algo relativo à estratégia ou planejamento. Tenho então a oportunidade de elaborar boas agendas para quando nos reunirmos."

A TheSoul Publishing foi ainda mais longe ao proibir a realização de reuniões. Os e-mails internos também foram proibidos, o que significa que seus roteiristas, animadores e editores podem concentrar-se quase exclusivamente no trabalho criativo. Em vez de chamadas diretas, incentiva-se o uso de comunicação escrita em programas como o Slack. Mas as reuniões não são substituídas por uma avalanche de mensagens diretas.


Mulher mexendo no celular
Especialistas afirmam que as reuniões não devem ser totalmente eliminadas, mas sim ter sua forma de realização e duração seriamente reavaliadas (foto: Getty Images)

"Nós usamos plataformas otimizadas para comunicação assíncrona", explica Potrel. "Isso significa que as informações são transparentes, concisas e disponíveis para todos — a qualquer momento e em qualquer lugar. Os negócios evoluíram e as reuniões não são uma ferramenta moderna. Temos hoje instrumentos melhores para gerenciar e organizar as informações."

Mesmo as sessões de brainstorm da companhia não acontecem pessoalmente. As ideias são apresentadas por escrito para análise das equipes de produção. Mas Potrel não acredita que isso signifique que os funcionários não tenham mais conexões humanas.

"Quando as pessoas se concentram na tarefa que têm em mãos, elas formam relações profissionais", segundo ele. "Elas interagem com as demais rumo ao mesmo objetivo. Elas podem compartilhar interesses nos canais de Slack e encontrar-se fora do trabalho. Você não precisa de momentos de socialização em reuniões para que as pessoas se sintam conectadas."

Iniciativas bem intencionadas?

A retirada das reuniões das agendas pode parecer um ganho de produtividade para todos. Asana e a TheSoul Publishing estabeleceram proibições de reuniões logo após a sua fundação; suas políticas são profundamente enraizadas na sua cultura corporativa.

Mas a proibição de reuniões em companhias já em fase de crescimento é uma tarefa muito mais difícil. Raimondi conta que esteve em organizações que tentaram criar normas de reuniões e estabelecer proibições, mas seu impacto foi limitado. "Você tenta evitar um dia cheio de ligações, mas mesmo assim acaba tendo até três quartos do dia ocupados."

Uma dificuldade comum é o fato de que chamadas improdutivas no Zoom são simplesmente transferidas para o dia anterior ou seguinte ao dia sem reuniões. E, pior, gerentes com horários estendidos às vezes ignoram as políticas da companhia.

Eles veem uma lacuna na agenda dos funcionários em um dia sem reuniões e programam uma ligação de uma hora. Nesse momento, os funcionários imaginam que a reunião deve ser importante e se sentem obrigados a atender — e uma iniciativa bem intencionada acaba sendo contraproducente. "As pessoas que criam as políticas não necessariamente as obedecem", segundo Rogelberg.

Pode haver também outras consequências indesejadas. As reuniões podem ser uma forma surpreendentemente eficiente de trocar informações. Sem alternativas definidas, uma rápida questão durante uma reunião de atualização pela manhã pode ser substituída por uma troca contínua de e-mails — e um dia de trabalho é gasto cuidando de uma caixa de entrada sem fim.

E, embora Potrel afirme que não perde a conexão sem reuniões, alguns especialistas defendem que as reuniões nos fornecem benefícios necessários de colaboração.

"Acho que as reuniões presenciais podem realmente ser eficazes", afirma Eleanor O'Mahony, da plataforma de comunicação com funcionários Workvivo, com sede na Irlanda. "É muito mais fácil fazer sessões de brainstorm sem mudanças de cenário. Já as reuniões funcionais podem ser virtuais. É tudo questão de uso do meio certo no momento certo."

A tendência de eliminação das reuniões é razoavelmente nova. Existem poucos dados concretos para defender se ela funciona e quais são as perdas incorridas.

É por isso que a maior parte das discussões a respeito aborda episódios isolados. Mas, aparentemente, sem abandonar as questões pré-existentes, a proibição total das reuniões simplesmente transporta o problema para outro lugar.

Rogelberg defende sua reforma e não a exclusão. Para ele, "o objetivo não é eliminar as reuniões; é eliminar as más reuniões".

Ele sugere agrupar as chamadas, de forma que os funcionários tenham blocos de tempo definidos para que o trabalho flua. "Reduzir o tamanho e a duração das reuniões, você pode devolver o tempo aos trabalhadores. Você precisa realizar as tarefas difíceis — alterar as reuniões e seu ecossistema para que elas sejam mais eficazes. Simplesmente proibi-las em uma tarde não é suficiente", afirma Rogelberg.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

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