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Estado de Minas

Gustavo Loyola: 'Os frutos do Plano Real vieram. O Brasil cresceu, mas não houve continuidade'

Plano Real erradicou a inflação. Desafio agora são as contas públicas


postado em 07/07/2019 06:00 / atualizado em 07/07/2019 08:32

(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press )
(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press )
Vinte e cinco anos depois do Plano Real, o economista Gustavo Loyola parece ser o mais otimista com o futuro do país entre os integrantes da equipe que criou e implementou o plano, responsável por domar a hiperinflação. Ele participou da elaboração de vários outros – antes do exitoso Real –, portanto, viu muita coisa ocorrer na economia brasileira, inclusive pelas lentes do Banco Central, instituição que presidiu duas vezes – entre novembro de 1992 e março de 1993, e de junho de 1995 a agosto de 1997 – e onde também foi diretor de normas do mercado financeiro e chefe do Departamento de Normas do Mercado de Capitais, entre 1990 e 1992.
Para ele, o Brasil tinha três pragas macroeconômicas: inflação, crises externas de balanço de pagamentos e déficit público. Duas foram erradicadas, falta lidar com o desafio das contas públicas, afirma. Para ele, a reforma da Previdência é parte central do processo que vai permitir a retomada do crescimento econômico. Processo esse que passa por facilitação dos negócios, simplificação tributária, modernização regulatória, investimentos em infraestrutura e, mais importante, educação. Doutor pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas, Loyola foi eleito Economista do Ano pela Ordem dos Economistas do Brasil, em 2014. A seguir, a entrevista concedida por ele ao Estado de Minas:

O Banco Central reduziu a previsão de expansão do PIB de 1,6% para 0,8%. Mesmo com a inflação controlada e a menor taxa de juros, 25 anos depois do Plano Real, não conseguimos crescer. Por quê?
Nesse período pós-Real, houve vários ciclos econômicos, de estabilidade, de maior crescimento e de recessão. Há várias explicações do porquê de o Brasil não estar crescendo hoje. A causa mais importante são os erros de políticas econômicas que foram cometidos, principalmente, a partir de 2008 e 2009 até 2015. O Brasil esqueceu de prosseguir na agenda de responsabilidade macroeconômica, que foi abandonada e houve retrocessos. Também esqueceu de prosseguir na agenda de consolidação fiscal e de reformas, principalmente a da Previdência, que foi deixada para trás. Houve uma piora no ambiente de negócios, com maior interferência do Estado. Também teve desperdício de recursos e investimentos públicos com baixo retorno, ou seja, uma sucessão de erros que acabaram levando ao impeachment da presidente Dilma (Rousseff) e a uma crise política. Os frutos do Plano Real vieram. O Brasil cresceu, mas não houve continuidade no espírito de reformas, que era parte da política da época, do governo Fernando Henrique Cardoso.

Isso dá uma sensação de frustração?
Sem dúvida, muito embora as conquistas do Plano Real não tenham sido perdidas. Sou de um tempo, de antes da troca da moeda, que havia três grandes pragas. Não são as sete pragas do Egito, mas são as pragas que tínhamos na macroeconomia brasileira. Eram: inflação, crises externas de balanço de pagamentos e déficit público. Dessas, duas foram erradicadas. Não temos mais problemas de inflação e também não temos desequilíbrio externo. Mas ainda temos que lidar com esse desafio das contas públicas. Temos hoje uma base macroeconômica muito mais sólida do que em 1994, quando se fez o plano. De lá para cá, houve um avanço que não foi totalmente perdido. A frustração ocorre, mas sem o pessimismo de achar que as conquistas foram perdidas. Nós avançamos e temos a oportunidade de continuar avançando.

Na sua avaliação, o que é preciso fazer para que o Brasil retome o trilho do crescimento?
Há alguns vetores, mas destacaria dois, mais especificamente de curto prazo. O primeiro é a consolidação fiscal, ou seja, basicamente precisamos ter confiança de que vamos ter uma trajetória fiscal sustentável. Isso significa fazer a reforma da Previdência, porque, claramente, quando observamos o comportamento das despesas públicas dos últimos anos, o grande vilão é o crescente peso do pagamento de benefícios previdenciários. Isso tanto para o governo federal quanto para estados e municípios. Embora não seja uma bala de prata que vá resolver todos os problemas, vejo como condição necessária para que o Brasil volte a ter uma trajetória sustentável de crescimento. Não é suficiente, mas é necessário. O segundo vetor tem a ver com o ambiente de negócios. É preciso incentivo para retomar o crescimento. Também exige uma série de reformas, como a tributária, a regulatória, a de desburocratização e por aí vai. A partir disso, o investimento em infraestrutura que possa alavancar o crescimento. Há uma agenda liberal e pró-mercado, que é importante que seja implementada e prosseguida. E, no médio e longo prazos, o Brasil tem de investir mais em educação. Não resta dúvida de que a questão educacional é um gargalo, e nós temos de melhorar a qualidade.

Que tipo de reforma regulatória poderíamos ter?
A meu ver, o governo estabelece uma série de mudanças em vários setores que acabam inibindo os investimentos. Isso vem desde excesso de burocracia, de regras e normas conflitantes que acabam provocando insegurança jurídica. Por exemplo, se o Brasil quer ter investimento em saneamento, é preciso uma regulação favorável e benigna para o setor privado. E, nesse caso específico, sabemos que o aumento da população servida por saneamento tem um efeito muito positivo para a redução do adoecimento e, consequentemente, dos gastos com saúde. Também tivemos a recém-anunciada regulação do gás para atrair investimentos. Temos uma série de medidas que favorecem isso. Há outras ações, como facilitar a abertura de empresas e a simplificação tributária. Passa também pela agenda do Banco Central, de redução do spread. Não temos uma medida única, mas uma política de governo que leva a favorecer o investimento e a incentivar a inovação.

O governo e o Congresso estão cientes dessas condições para o país voltar a crescer? Ou a agenda de costumes tem se sobreposto às pautas econômicas?
Hoje, os políticos eleitos têm uma percepção melhor, do que há algum tempo, sobre o estado das contas públicas, até por suas experiências como governadores e secretários. Temos hoje um Congresso mais favorável à reforma da Previdência, justamente pela percepção de que estamos numa situação-limite nas contas públicas. O Congresso também tem um perfil mais liberal em várias questões, o que pode ajudar na implementação de uma agenda mais pró-mercado. Os parlamentares já tinham, relativamente, essa visão, como vimos com a aprovação da reforma trabalhista, que foi um avanço importante. Na discussão da reforma da Previdência, por exemplo, vemos pressões corporativistas sendo acolhidas por alguns deputados. Temos visto o debate sobre a inclusão ou não dos estados e municípios, mostrando que essa percepção não é completa. 

E governo?
O governo está tendo dificuldades para articular com o Congresso, embora a equipe econômica e as pessoas mais próximas ao (ministro da Economia) Paulo Guedes tenham uma percepção mais clara desses temas. Não sei se isso permeia todo o governo e o próprio presidente da República (Jair Bolsonaro), que não tem uma trajetória no Congresso indicando que ele tenha o ideal liberal na economia. Isso me parece algo mais recente. Isso é ruim também. Outro aspecto é a concorrência que a agenda liberal tem com as outras agendas do governo, que são conservadoras. Não se pode confundir ser liberal em economia com ter uma postura reacionária. Acho que tem uma dificuldade nessa questão e, do ponto de vista político, uma concorrência das duas agendas no Congresso. O presidente Bolsonaro sabe que o sucesso do governo dele passa pela economia, mas, por outro lado, quer, de alguma forma, atender à agenda de costumes conservadora que ajudou na eleição dele.

O Brasil aprendeu a lição de que com inflação não se brinca?
Tive uma parte importante da minha carreira no Banco Central com a inflação muito elevada. Minha carreira ficou muito marcada pela participação dos chamados planos econômicos, que foram tentativas de solução dos problemas. A memória que tenho é de que gastávamos um esforço muito grande nisso e não conseguíamos levar adiante outras agendas no Banco Central. Era algo muito frustrante, porque, enquanto não resolvíamos a inflação, ficávamos tendo que lidar com os planos econômicos e consequências que não terminavam muito bem. Era realmente uma macroeconomia muito mais complicada. Acho que hoje aprendemos a lição. A sociedade brasileira é muito mais avessa ao risco inflacionário. De alguma forma, desenvolvemos, antes do Plano Real, uma série de mecanismos de convivência com a inflação, como a indexação, que atenuaram, de alguma forma, o efeito e ajudaram as pessoas a fazer essa travessia. A sociedade reconheceu, imediatamente, os benefícios do Plano Real. Tanto que, do ponto de vista político, houve a reeleição do presidente Fernando Henrique, com votação muito expressiva. Isso não deixa de ser um reconhecimento da sociedade. E também vimos subsequentes reações de quando a inflação começa a subir, como no fim de 2012. A sociedade penalizou o governo por esses surtos inflacionários.

Temos hoje 13 milhões de desempregados. A reforma da Previdência tem potencial para reduzir isso?
A tendência é que sim. As mudanças tecnológicas e o avanço que temos visto já estão tendo um impacto muito grande no mercado de trabalho. Hoje, há muitos que estão trabalhando em empregos muito mais precarizados, por exemplo, a ‘uberização’, e as pessoas que estão fazendo entregas. É bom para nós, consumidores, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, aonde isso vai chegar? Tem questões que nós precisamos atacar. Precisamos ter uma agenda importante na educação para poder lidar com esses grandes desafios que as novas tecnologias trazem.


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