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Estado de Minas

Crédito para baixa renda vira redenção em cidades pequenas

Em rincões do interior de Minas esquecidos das grandes empresas, e onde o emprego é escasso, empréstimos a juros menores movimentam a produção e as economias locais


postado em 25/03/2019 06:00 / atualizado em 25/03/2019 09:11

Sem acesso às linhas tradicionais dos bancos, Edna Dias faz do microcrédito o capital de giro necessário(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Sem acesso às linhas tradicionais dos bancos, Edna Dias faz do microcrédito o capital de giro necessário (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

Francisco Sá – A injeção de recursos por meio do sistema do microcrédito, que atende a população mais pobre do país, tem maior peso nos pequenos municípios que sofrem com a seca e com a falta de indústrias e grandes empresas. Nesses rincões, o desempenho de alguma atividade de comércio ou dos prestadores de serviços viabilizada pela linha de financiamento torna-se uma tábua de salvação diante das escassas opções de emprego com carteira assinada. Isso explica o número de clientes do sistema relativamente superior àquele observado nas cidades mais populosas e desenvolvidas.


Um exemplo da geração de trabalho e renda a partir da linha de empréstimos que financia trabalhadores por conta própria e empreendedores está em Francisco Sá, no Norte de Minas Gerais. Não há indústria no município, que sofre com a carência de chuvas e de oportunidades de trabalho. Quem visita o pequeno comércio local, não imagina a quantidade de pessoas do município que desempenham alguma atividade produtiva – seja vendendo alguma mercadoria ou prestando serviços – , depois de ter recorrido ao microcrédito para se estruturar na atividade.


A cabeleireira Rosilene Dias usa o recurso que permitiu levar o negocio da sala de casa para local estruturado(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
A cabeleireira Rosilene Dias usa o recurso que permitiu levar o negocio da sala de casa para local estruturado (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

A cidade tem 1.311 inscritos no programa de crédito solidário. Considerando-se a média de quatro pessoas por domicílio na cidade, significa que o modelo de empréstimo contribui diretamente para a sobrevivência de 20% da população local, que é de 26,1 mil habitantes. Durante o ano de 2018, foram lançados na economia do município pelo sistema de empréstimos com viés social R$ 4,723 milhões.


Na cidade, o programa ajudou a melhorar as condições de vida de mulheres lutadoras, como a cabeleireira Rosilene Dias Cardoso, a “Nininha”, de 55 anos, que tem uma história familiar associada ao uso do dinheiro financiado nos últimos 10 anos. O marido dela, o técnico em eletrônica João Fernandes Dias, de 55, começou a recorrer aos empréstimos há 20 anos.


“Antes, eu atendia as clientes na sala de minha casa”, conta Rosilene, lembrando que sua vida mudou quando o recebeu o primeiro financiamento, de R$ 1 mil. “Por meio do microcrédito, montei o meu salão e comprei móveis. As coisas melhoraram demais”, diz a cabeleireira, acrescentando que continua recorrendo aos empréstimos, o último deles, de R$ 4 mil, recebido neste mês. O recurso foi usado na compra de produtos para o salão. “Uma das vantagens do microcrédito é que o juro é menor do que as taxas do mercado”, destaca Rosilene, mãe de duas filhas.


Há 31 anos, Rosilene é casada com João Fernandes Dias. Ele lembra ter recebido o primeiro empréstimo no fim dos anos 1990, no valor de R$ 200. O financiamento mais recente foi obtido há quatro meses, de R$ 4 mil. “Se não fosse esse dinheiro do microcrédito, ficaria difícil trabalhar”, afirma Fernandes, que aplica os recursos do financiamento na compra de peças usadas nos reparos de eletrodomésticos e outros equipamentos eletrônicos. Ele é o coordenador de um grupo de quatro clientes do programa de financiamento solidário, do qual participam uma sacoleira, um açougueiro e uma cuidadora de idosos.


A sacoleira é Edna Dias Ferreira, de 52, que está no programa há 12 anos. Ela recebeu o último empréstimo, no valor de R$ 3,6 mil, há quatro meses. “O microcrédito é muito importante. Eu preciso do capital de giro para comprar as roupas e a gente não consegue financiamento nos bancos comerciais, pois as exigências são muitas”, conta. Ela cria sozinha o filho adolescente, de 16 anos, cujo pai é falecido.
Ex-balconista e ex-atendente de loja, Edna lamenta a falta de opção de emprego formal na cidade. Antes de enfrentar o vaivém como sacoleira, foi obrigada a buscar o sustento bem longe do lugar de origem, em Colíder, no Mato Grosso, a mais de 2.400 quilômetros de Francisco Sá, onde trabalhou em um escritório de contabilidade.

Âncora


A inclusão financeira, por meio do crédito emprestado a juros mais acessíveis pode gerar oportunidades de emprego e renda, como destaca a professora de economia Tânia Marta Fialho, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), que estou o sistema do microcrédito. Um exemplo disso, segundo ela, é a agricultura familiar. “Essa geração de renda aquece o consumo, que, por sua vez, pelo efeito multiplicador, estimula a produção impulsionando mais empregos e a circulação de dinheiro”, afirma.


Em Francisco Sá, Alisson Bruno Dias, de 35, comemora os bons resultados obtidos com o microcrédito no crescimento da mercearia que ele comanda na cidade, enquanto o taxista Denisvaldo Gomes de Assis recorre ao sistema de financiamento para garantir as despesas com o carro. Cadastrado há três anos no programa de crédito solidário, ele fez a operação mais recentes há quatro meses, no valor de R$ 2,5 mil. “O microcrédito é muito bom porque os juros são baixos e ajuda a gente a manter as despesas do carro, como da compra de pneus novos”.


Agente do Banco do Nordeste em Francisco Sá, Oziel Martins Pereira afirma que mais de 70% dos cadastrados na linha de financiamento da instituição trabalham com vendas, incluindo as sacoleiras e revendedoras de produtos de beleza. São frequentes também salgadeiras e pedreiros. Oziel ressalta que também são contemplados com o crédito pessoas ligadas a “serviços modernos”, como provedores de internet, técnicos em manutenção de notebooks e revendedores de celulares.

Ganhos com efeito-dominó

Depois de uma certa retração nos últimos anos de crise da economia, o sistema de microcrédito voltou a crescer no ano passado. O Banco do Nordeste (BNB), que lidera os desembolsos do sistema de microcrédito no Brasil, voltou a aumentar os valores destinados à linha no ano passado. Recursos de R$ 8,9 bilhões foram aplicados na modalidade pela instituição, representando expansão de 10,5% sobre 2017 (R$ 8,052 bilhões). Houve retração nos últimos anos de crise econômica, quando as aplicações no programa caíram de R$ 8,164 bilhões em 2015 para R$ 7,9 bilhões em 2016.


A meta para esse ano é de R$ 11 bilhões (aumento de 20%). A instituição impulsionará o programa nos próximos quatro anos, com a meta de chegar a R$ 26 bilhões de contratações em 2023. O planejamento favorece cidades como Francisco Sá.


A influência do microcrédito em locais carentes é ressaltada pela professora Luciana Maria Costa Cordeiro, do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Segundo ela, nos pequenos municípios que sofrem com a seca e a falta de verbas, o programa tem efeito multiplicador. “Embora não resolva o problema do crescimento econômico, o sistema de microcrédito pode ter efeito multiplicador importante, o que favorece a transição da condição dos mais pobres para fazer jus a alguma fonte de renda”, afirma a economista.


Naquelas localidades dependentes do resultado de atividades comerciais na composição de seu Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens  e serviços), cuja única fonte de renda e emprego advém do setor de serviços, comércio ou do governo, o microcrédito torna-se importante estratégia de manutenção da atividade produtiva e geração de renda, como observa Luciana Cordeiro. “Ele contribui, sobretudo, com a população em maior condição de pobreza”, diz.


O professor Geraldo Antonio dos Reis, também do curso de Economia da Unimontes, lembra que “nas regiões mais pobres existem obstáculos estruturais para o desenvolvimento de grandes empreendimentos”. Com isso, o dinamismo proporcionado pela política do microcrédito ganha maior relevância nesses locais. “Além disso, a crise que se arrasta desde meados de 2014 provocou a elevação do desemprego, colocando como única alternativa para muita gente que ficou desempregada ou mesmo para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho, a alternativa de montar um pequeno empreendimento”, observa o economista.


“Se os microempreendedores recebem apoio, podem produzir, vender, gerar postos de trabalho e renda, isso gera efeitos positivos para toda a economia. A política do microcrédito favorece potencialmente as cidades pequenas como Francisco Sá, tendo em vista a elevada dependência dos municípios da região em relação às pequenas e média empresas e a dificuldade de atração de grandes empreendimentos”, comenta Reis.


A opinião é compartilhada pelo analista de desenvolvimento do Sebrae Minas Jadilson Borges. “Considero os programas de microcrédito de fundamental importância para o desenvolvimento dos pequenos municípios. Pois, significam crédito orientado, ajudam os empreendedores a investir nas suas atividades no momento mais crucial – quando vendem uma quantidade maior e não têm capital para produzir”, diz Borges. (LR)

Regulamentação

De acordo com a Lei 13.363, hoje, têm direito ao microcrédito no Brasil pessoas físicas e jurídicas empreendedoras em atividades produtivas com renda de até R$ 200 mil por ano. No entanto, o Conselho Monetário Nacional está trabalhando na regulamentação da lei.

Por meio de nota, o Banco Central (BC) informou que considera o “microcrédito uma operação que contribui para viabilizar o micronegócio e o empreendedorismo, com positivo impacto econômico e social, sendo um importante instrumento de inclusão financeira”.

Informou ainda que desde 2003, “tem promovido seminários de microcrédito, inclusão financeira e cidadania financeira nas diversas regiões do país, reunindo especialistas e participantes do mercado financeiro na busca de soluções para o fomento ao microcrédito”.


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