(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Falta fiscalização e punição para as empresas no Brasil, dizem especialistas

Especialistas avaliam que companhias brasileiras reconhecem impacto da sustentabilidade nos negócios e que uma forma de ampliar engajamento ao tema é maior rigor na legislação


postado em 01/02/2019 06:00 / atualizado em 01/02/2019 07:54

Acidente com a mina da Samarco em Mariana ainda não teve ninguém punido e nem indenizações pagas após 3 anos do rompimento da barragem (foto: Christophe Simon/AFP %u2013 6/11/15 )
Acidente com a mina da Samarco em Mariana ainda não teve ninguém punido e nem indenizações pagas após 3 anos do rompimento da barragem (foto: Christophe Simon/AFP %u2013 6/11/15 )

 

 

São Paulo – Os dois desastres ocorridos em barragens da Vale em pouco mais de três anos levantam dúvidas sobre o posicionamento das empresas brasileiras em relação a sustentabilidade. Estaria o setor produtivo do país pouco alinhado com o tema? O que aconteceu com a mineradora – uma das maiores do mundo – é regra ou exceção?


Professora de Sustentabilidade nos Negócios do Insper, Priscila Claro estuda o assunto há cerca de duas décadas. Hoje, avalia, as empresas brasileiras – pequenas, médias e grandes – estão alinhadas com o conceito de sustentabilidade e entenderam o seu significado do ponto de vista do impacto no negócio. O avanço do país nessa área se acentuou nos últimos dez anos. “Um exemplo é que muitas empresas brasileiras são reconhecidas no exterior, há bons exemplos”, diz.


O Índice de Sustentabilidade da Dow Jones faz uma avaliação constante do nível de comprometimento das empresas de capital aberto e divulga um ranking anual. Em 2018, dez companhias nacionais estiveram entre as selecionadas na categoria de mercados emergentes.

O domínio foi do setor financeiro, com nomes como Banco do Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco. Petrobras, envolvida em escândalos de corrupção, apurados pela Operação Lava-Jato, e Vale, protagonista em um intervalo muito pequeno de tempo de dois escândalos socioambientais, já fizeram parte do índice, mas desapareceram das edições mais recentes.


Priscila participou de uma pesquisa realizada pela Rede Brasil do Pacto Global e Capítulo Brasileiro dos Princípios para Educação Empresarial Responsável que mostrou como as corporações estão tratando as metas de sustentabilidade em suas estratégias.

 O resultado foi divulgado no fim do ano passado. Chega a cerca de 40% o número de empresas entrevistadas, de diferentes portes e segmentos, que já faz ou pretende fazer algo nessa direção. “Isso mostra que já muitos pensando em adotar uma estratégia de sustentabilidade”.


Segundo a professora do Insper, o Brasil fica à frente de várias empresas americanas e europeias em quesitos de sustentabilidade, apesar de toda a “fraqueza das nossas instituições e os problemas ligados à corrupção.” As leis, afirma, são boas, mas precisam ser implementadas.


“Apesar do governo, das instituições fracas, o Brasil tem feito bastante. Mas é bom lembrar que o que acontece agora com Brumadinho e aconteceu em Mariana, acontece todo dia, em outras proporções, na Amazônia, com empresas explorando o que não é delas sem o risco de punição, por falta de fiscais.”


Uma forma de aumentar o comprometimento das empresas com o tema da sustentabilidade, segundo Priscila, é aumentar a responsabilização de executivos em caso de crimes corporativos, aumentando a punição. Por outro lado, defende a professora, falta também uma espécie de recompensa aos profissionais que zelam pela sustentabilidade em seus negócios.

“Os executivos que fazem mais nessa área deveriam ter acesso a crédito mais barato, já que a chance de causarem riscos é menor”, pontua.


Haroldo Mattos de Lemos, coordenador do MBA Gestão Ambiental e Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV), também aponta a legislação e a fiscalização como formas de pressionar para aumentar o engajamento com o tema no ambiente corporativo.

“É fácil mostrar para as empresas que aquelas que cuidam da questão ambiental e dos aspectos sociais, ou seja, da sustentabilidade, são mais lucrativas do que as outras no longo prazo”.


Muitas empresas ainda não levam isso em consideração e olham apenas para o lucro de curto prazo, analisa o especialista da FGV.

“A Vale decidiu apenas agora mudar suas barragens, que eram feitas em um modelo muito perigoso, adotado por ela por ser mais barato. No geral, diretores financeiros das empresas, que têm bônus no final do ano, não querem fazer gastos que impactem no resultado no fim do ano. Essa filosofia precisa ser mudada. Se não tomarem cuidados sociais e ambientais, as empresas estarão sempre sob o risco, como aconteceu como a Vale”, afirma Mattos de Lemos.

Lição O coordenador da FGV avalia que setores que passaram por algum tipo de desastre, de uma forma geral, têm aprendido a lição e se esforçado para melhorar seus métodos. Ele cita o exemplo da Petrobras, que passou por vários problemas de vazamento.

Em 2001, por exemplo, uma plataforma, a P-36, no litoral fluminense, afundou depois de três explosões, causando 11 mortes. Mas a companhia de petróleo passou a investir mais nos cuidados ambientais e essas ameaças se tornaram cada vez mais raras. “Depois de vários problemas, o setor de petróleo e gás passou a levar mais a sério a sustentabilidade.”


Mattos de Lemos lembra que é comum em tempos de crise econômica, como a que o Brasil ainda enfrenta, que as empresas refaçam seus orçamentos e sacrifiquem duas áreas: meio ambiente e cultura. Ele alerta para os efeitos desse tipo de decisão e explica que a retomada do desenvolvimento do país deverá ter reflexos na volta dos investimentos nessas áreas.


A Sitawi, organização brasileira especialista em finanças sustentáveis, fez um levantamento que mostra como os investidores avaliam o potencial impacto aspectos como mudanças climáticas, gestão de lixo e uso de recursos naturais no desempenho dos negócios. As avaliações foram feitas para os seguintes setores: serviços especializados para o consumidor (educação), óleo e gás, construção (residencial), varejo, mineração, serviços de transporte, varejo de moda, metalurgia e siderurgia e produção de alimentos.


O levantamento, segundo Cristovão Alves, analista-chefe da Sitawi, mostra, por exemplo, como o setor de mineração está mais exposto a esse tipo de tragédia ambiental.

“Não que seja mais grave quando acontece um acidente como o de Brumadinho do que se fosse com uma empresa de outro setor. Na verdade, esse é o tipo de risco já esperado pela natureza das operações de mineradoras. No caso da Vale, que já é reincidente, o principal impacto na cabeça do investidor é que essa é uma empresa mais arriscada, por isso ele passa a exigir uma melhor remuneração, um maior prêmio de risco”, explica.


Soma-se a isso uma série de incertezas sobre o que o acidente em Minas Gerais vai impactar quanto a fiscalização e legislação, além do impacto social. Por isso, Alves acredita que levará mais tempo para uma recuperação dos papéis da mineradora.




entrevista


Fabiana Alves
ativista de Clima e Energia do Greenpeace Brasil


Greenpeace apreensivo

O Greenpeace, uma das maiores ONGs ligadas ao meio-ambiente do mundo, está acompanhando com muita preocupação o caso de Brumadinho e espera que todas as barragens da Vale tenham suas atividades suspensas até passarem por uma fiscalização. Para Fabiana Alves, ativista de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, além da atividade de mineração, o país convive com problemas causados por outras atividades, como a de geração de energia a partir de combustíveis fósseis, as grandes hidrelétricas e o agronegócio. A seguir, trechos da entrevista com a porta-voz da ONG.


Quais são os setores da economia que causam mais passivos ambientais, tanto no Brasil e quanto no exterior?
Sem dúvida a mineração é um desses setores, mas não podemos esquecer do setor de energia, com grandes hidrelétricas que causam inúmeros problemas sociais e ambientais, os combustíveis fósseis (óleo, carvão e gás), além do setor agropecuário, que possui atividades que, se forem feitas de maneira errada, podem causar danos ambientais e sociais, como irrigação indiscriminada, alto uso de agrotóxicos e desmatamento.

Há algum tipo de mapeamento que mostre como as empresas têm evoluído no que diz respeito a preservação ambiental?

Infelizmente, o que vemos no Brasil é pouca evolução ao se constatar que empresas como a Vale causam desastres criminosos. A ligação política dessas grandes companhias acaba por fazer com que se tenha um entendimento de evolução socioambiental inexistente. As leis ambientais brasileiras nos últimos anos têm sofrido ataques da bancada ruralista no Congresso, como é o caso da tentativa ainda existente de flexibilizar o licenciamento ambiental. O desmatamento e a grilagem de terras ainda existem e causam conflitos no campo com vítimas constantes. Grandes mineradoras detêm o controle econômico de estados inteiros, como é o caso de Minas Gerais e a Vale, e conseguem no Poder Legislativo a flexibilização de fiscalizações de seus empreendimentos. Dessa forma, é difícil constatar a evolução quando o jogo de poderes entre a sociedade brasileira atingida e as grandes companhias é tão desigual.

Quais são os problemas mais comuns quando relacionamos empresas aos problemas ambientais?

Há problemas como o deslocamento de populações para obras de infraestrutura, desmatamento e perda de biodiversidade, no caso de extrações de petróleo offshore, mudança de cursos de rios com barragens que afetam a produção de água, entre outros. Depois da obra implementada, a fiscalização independente é essencial para que normas de segurança sejam garantidas, para evitar desastres como os de Mariana e Brumadinho, que possuem proporções gigantescas.

Mudança na legislação resolveria os problemas que enfrentamos hoje no Brasil ou há uma questão cultural também?
Não existe questão cultural, somos todos seres humanos iguais que queremos trabalho digno. A legislação é fraca e a fiscalização quase inexistente. São poucos os fiscais de barragens distribuídos no país. Além disso, órgãos ambientais assistiram seu orçamento diminuir nos últimos anos. Deve haver investimento em política que garanta direitos sociais e ambientais, o que atualmente não há. O lobby das grandes empresas dentro de governos faz com que haja enfraquecimento de órgãos e da legislação, fazendo com que eles existam “para inglês ver”. Por isso, o Greenpeace pede para que todas as barragens da Vale, após o desastre em Brumadinho, sejam suspensas até serem fiscalizadas devidamente. As grandes corporações precisam começar a pagar o preço dos desastres causados.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)