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Estado de Minas

População de cidades cortadas pela Baiminas sofrem com falta de luz e esgoto

População de cidades cortadas pela Baiminas vivem à espera da volta do progresso


postado em 05/08/2015 06:00 / atualizado em 05/08/2015 08:21

Da usina Wenefredo Portella sobrou apenas o prédio(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Da usina Wenefredo Portella sobrou apenas o prédio (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Helvécia (BA), Ladainha (MG) e Araguari (MG) –
Retirante baiano, Manoel Caldeira Miranda, de 74 anos, mora numa casa de reboco perto da antiga estação ferroviária de Araçuaí, para onde migrou na esperança de ver o emprego brotar no Vale do Jequitinhonha, ‘como se fosse batata’, na expressão do homem simples do interior. O chamado Vale do Jequi, na linguagem dos moradores, é uma das áreas mais carentes do país.. O desejo de Manoel já fez sentido, graças ao vaivém de vagões abarrotados de cargas ao longo da Ferrovia Bahia-Minas, erguida no tempo do Império (1881) e desativada no governo militar (1966).

A última viagem da maria-fumaça, que ligava Ponta de Areia (BA) a Araçuaí, levou o progresso embora nos municípios que surgiram ou tinham tudo para prosperar com a chegada dos trilhos. Diferentemente do que se esperava, a desigualdade social permaneceu e a falta de saneamento básico não foi extirpada. Esses são os temas de mais uma reportagem que o EM e o em.com.br publicam desde domingo, em razão dos 50 anos do fim da Baiminas, como os sertanejos se referem ao caminho de ferro.

Manoel, o baiano radicado em Araçuaí, mora num pedaço de terra de onde se podia ver a bonança atraída pela estação local, hoje abandonada, como parece ter ocorrido com a sorte do retirante. Na casa dele, a família não tem como beber água gelada, tomar banho quente e assistir aos programas de televisão. “Não temos geladeira, chuveiro quente e televisão, porque a luz não chegou em nossa casa”, lamenta.
O retirante Manoel Caldeira com as netas Kaster, de 2 anos, e Jardélia, de 11, que só conhecem televisão fora de casa(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)
O retirante Manoel Caldeira com as netas Kaster, de 2 anos, e Jardélia, de 11, que só conhecem televisão fora de casa (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)

Por ironia, Manoel reside a menos de 200 metros da rede de energia elétrica. À noite, ele clareia os poucos cômodos com o candeeiro. “Meus netos não conhecem televisão. Só se for na casa dos outros. Pra gente molhar o corpo, é na água gelada mesmo”, diz o baiano, que recebe uma aposentadoria de um salário mínimo (R$ 788).

“E quando não tenho dinheiro para comprar o óleo para o candeeiro? Fica apagado”, observa. É o que ocorre, também, na casa de José Geraldo Ferreira de Araújo, de 47. Ele ganha a vida como lavrador em Ladainha, cidade que surgiu com a implantação da Baiminas. Curiosamente, José vive a cerca de 500 passos da usina Wenefredo Portella, erguida pela companhia ferroviária aproveitando a força d’água do Rio Mucuri para alimentar  a oficina de locomotivas e vagões da Bahia-Minas.

“Eu morava numa casa ao lado. Tinha luz, mas (a mo radia) caiu. Estou nessa há dois anos. Acendo o lampião toda noite”, mostra José. Lá também não há banheiro: “Quando dá vontade, vou pr’o mato. Pode ser de dia ou de noite”. O lavrador planeja construir um banheiro, mas conta que não está fácil juntar dinheiro.
Além de viver na dependência de um lampião, o lavrador José Geraldo tenta juntar as economias do parco rendimento para construir um banheiro em casa(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)
Além de viver na dependência de um lampião, o lavrador José Geraldo tenta juntar as economias do parco rendimento para construir um banheiro em casa (foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)

Ele ganha R$ 40 por dia na roça. “Nem sempre tenho emprego. Estudei até o segundo ano primário, porque fui arrimo de família muito cedo. Fica mais difícil encontrar trabalho sem estudo, mas vou juntar dinheiro para terminar o banheiro”, anima-se o lavrador. José faz parte de uma estatística que precisa ser exterminada no país: quase 30% dos lares nas áreas urbanas não têm saneamento adequado, segundo a pesquisa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2013.

O IBGE considera como adequado o saneamento nos domicílios em que existe acesso simultâneo ao abastecimento de água por rede geral, esgoto sanitário por rede coletora (diretamente ou por meio de fossa séptica ligada à rede) e coleta de lixo (direta ou indireta). Esses domicílios representaram 70,6% do total dos domicílios particulares permanentes urbanos em 2013.

José e Manoel ainda integram outra estatística lamentável: 5% das moradias em área urbana no Brasil não têm energia elétrica. Se um dia a luz chegar na casa de Manoel, a neta Jardélia, de 11, já tem um programa predileto ao qual quer assistir. “Vou ver novelas”, conta. A irmã, Kaster Magali, de 2, poderá ver desenhos, imagina a adolescente.

O sonho de quem já é adulto é outro, de ver a economia decolar no Jequitinhonha. Um dos termômetros do crescimento, contudo, não apurou bom resultado na região. Trata-se dos indicadores da indústria, que enfrenta 50% de ociosidade no chamado Grande Norte, polígono mineiro formado pelos vales do Jequitinonha e Mucuri, áreas cortadas pela Baiminas. Na média do estado, a indústria opera com 83,46% de sua capacidade produtiva.

Os números, levantados pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), se referem a maio, último levantamento disponível. No conparativo com abril, o faturamento real das fábricas do Grande Norte caiu 4,26%. A taxa média estadual aumentou 4,04%.

A estatística ajuda a entender a falta de infraesturutra na região. Problemas semelhantes são observados no Sul da Bahia, onde a Baiminas fundou lugarejos. Em Helvécia, local de parada da maria-fumaça, um dos problemas é a falta do asfalto. O caminho de trilhos deu lugar a um trecho cheio de buracos, onde a poeira e a lama dificultam a locomoção de moradores.


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