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Estado de Minas

Demissões acirram demanda judicial de excluídos dos planos de saúde

Questionamento à permissão da ANS para troca de convênio de ex-empregados e aposentados ganha projeção com alta das taxas de desemprego. As mensalidades podem mais que dobrar


postado em 22/06/2015 06:00 / atualizado em 22/06/2015 07:24


O aumento do desemprego faz crescer a apreensão do brasileiro com o custeio do plano de saúde. No país, mais de 80% dos contratos de assistência médica hospitalar são coletivos. Apesar de a lei ser clara e garantir aos demitidos e aposentados o direito de permanecer no convênio nas mesmas condições dos ativos, desde que paguem integralmente o valor do plano, resolução da agência reguladora, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que permite a segregação desse grupo, tem excluído os beneficiários dos convênios. Na Justiça, uma enxurrada de ações questiona a medida, e decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já apontou para a irregularidade. Em Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF) também abriu inquérito civil para investigar o assunto.


Um dos efeitos de agrupar aposentados e demitidos em um segundo plano, à parte do conjunto dos funcionários da empresa, é o aumento de preços da mensalidade a ponto de expulsá-los do convênio. Dessa forma, diferentemente do que prevê a lei do setor (Lei 9.656/98) muitos demitidos e aposentados acabam não mantendo o benefício pelo tempo previsto. Quando são separados, constituindo outro grupo, os valores das mensalidades podem mais que dobrar, já que a carteira se torna pequena, perde poder de barganha e passa a significar maior risco para as operadoras.


Segundo Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia e presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), a separação dos aposentados e demitidos burla o espírito da Lei 9.656, que prevê a manutenção desse grupo na mesma situação da carteira de ativos. “Não pode haver uma condição desigual e pior que possa forçá-los a deixar o plano”, reforça. De acordo com o especialista, a resolução normativa não pode se sobrepor à lei federal que regulamenta os planos.


Embora muitos não saibam, é direito do demitido e do aposentado manter o convênio, desde que eles arquem com o pagamento integral, incluindo a parte que antes era custeada pela empresa. Segundo a Lei 9.656/98, os demitidos sem justa causa podem manter o plano por um período igual a um terço do tempo de contribuição, com o mínimo de seis meses e máximo de dois anos, sendo que a regra é estendida aos seus dependentes. Já nos casos dos aposentados que contribuíram por período inferior a 10 anos, o plano pode ser mantido de acordo com o tempo de contribuição. Para aqueles que contribuíram por mais de 10 anos o direito se torna vitalício.


Em decisão sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou-se contrário à segregação. O ministro Raul Araújo considerou que a manutenção no plano de saúde coletivo deve ocorrer com as mesmas condições de assistência médica e de valores de contribuição, desde que assumido o pagamento integral desta, a qual poderá variar conforme as alterações promovidas no plano paradigma, sempre em paridade com o que a ex-empregadora tiver que custear.


Depois de 15 anos trabalhando em uma mesma empresa, o administrador empresas F.Z, que prefere manter-se no anonimato, foi demitido no fim do ano passado. No período de seis meses, o valor mensal de seu plano médico-hospitalar familiar com enfermaria encareceu de R$ 580 para pouco mais de R$ 900. “Não terei condições de arcar com esses custos. Ficou muito pesado. Já estou em busca de um plano mais barato, agora no modelo coparticipativo. Não vou mais ficar com a empresa. Tentei questionar o aumento, mas fui informado de que a operadora é livre para aplicar os reajustes que forem necessários.” Ele afirma, ainda, que o percentual de correção foi maior do que aquele aplicado aos planos de seus ex-colegas que continuam trabalhando. Ele não soube, no entanto, explicar se foi deslocado para um grupo de ex-empregados, o que provavelmente deve justificar o reajuste mais pesado do que para os demais.

Legalidade questionada

A Resolução Normativa 279 da ANS permite separar o usuário demitido ou aposentado em grupo à parte, mas também reforça o dever da empresa de informar devidamente o usuário. No ato da demissão, o funcionário aposentado ou não deve ser comunicado de forma clara e “inequívoca” sobre o direito de permanecer no plano. A partir daí, ele tem 30 dias para tomar sua decisão.


“A segregação do usuário em apólice distinta, com maior sinistralidade, desconsiderando o tempo de relacionamento anterior do mesmo usuário com a operadora, pode elevar de forma que consideramos indevida, o valor da mensalidade na ordem de até 300%”, diz o advogado Périsson Andrade, que é responsável por ações judiciais envolvendo a matéria. Para o especialista, a medida é ilegal. “A operadora não está ganhando um usuário novo. Ele é o mesmo, com os mesmos problemas e já cumpriu todas as carências. Com a medida, tanto os demitidos quanto os aposentados são levados a buscar no mercado planos inferiores e mais caros, o que é contra a lei que lhes assegura o direito de permanecer nas mesmas condições, com a rede credenciada e preço dos ativos.”

Reajuste de 94% em três anos

Em 2012, Francisco Damasceno, já aposentado, foi demitido da indústria atacadista de alumínio onde trabalhava. Naquele momento, começaram os seus problemas para manter o plano de saúde. Francisco saiu do grupo de ativos e foi colocado em uma carteira de ex-funcionários e aposentados. Desde então, viu serem aplicados reajustes anuais bem acima da inflação oficial do país (IPCA) e do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), conforme estipulado em seu contrato.


O plano do aposentado, que aguarda decisão da Justiça sobre o caso, acumula em três anos reajustes de 94% das mensalidades e, neste ano, ele já foi comunicado pela operadora de que na data de aniversário do contrato serão aplicados mais 19%. O valor de seu plano coparticipativo, que inclui um dependente, é de R$ 1,8 mil. “Quando usamos o plano, a mensalidade alcança R$ 2,2 mil”, informa.


Segundo ele, caso tivesse sido mantido no grupo da antiga empregadora, a mensalidade referente ao dependente no mesmo convênio seria de aproximadamente R$ 750. Francisco tem tentado demonstrar na Justiça a ilegalidade da resolução normativa editada pela ANS. “Já existem diversas decisões nesse sentido nos tribunais do país, inclusive apontando que a ANS extrapolou suas atribuições.”


Segundo a agência reguladora, por decisão exclusiva da empresa empregadora, o ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa pode ser mantido no mesmo plano dos empregados ativos ou pode ser constituído para ele um plano exclusivo. Em ambas as situações, o plano é financiado integralmente pelos beneficiários, sendo permitido ao empregador subsidiar o plano ou promover a participação dos empregados ativos no seu financiamento.


O gerente da ANS Rafael Vinhas afirma que a carteira de ex-empregados de uma operadora deve ser tratada de forma unificada para fins de apuração de reajuste. “Tal medida tem como objetivo diluir os impactos do reajuste deste grupo.” No intuito de proteger o ex-empregado, ainda segundo Vinhas, a ANS determinou prazo de 60 dias antes do término de permanência no plano para que ele exerça seu direito de portabilidade especial de carências. Nesse caso, poderá optar por pesquisar um plano individual ou coletivo por adesão que seja compatível com sua situação para ingressar sem cumprir carência. Para Francisco Damasceno, as medidas citadas pela agência não protegem os ex-funcionários demitidos ou aposentados, já que pode levá-los a deixar o convênio. (MC)

 


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