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Estado de Minas

Disparidade entre ricos e pobres cresce no mundo

Os 85 mais ricos possuem bens que equivalem aos de 3,6 bilhões de habitantes mais pobres. Puxada pelo Brasil, América Latina é exceção


postado em 29/10/2014 06:00 / atualizado em 29/10/2014 08:01

A desigualdade aumentou para a maior parte da população mundial nas últimas três décadas: de cada 10 seres humanos, sete vivem em países onde a distância entre ricos e pobres cresceu no período. É um problema que afeta tanto países desenvolvidos quanto os mais atrasados. Na África subsaariana, há 16 bilionários. E outras 358 milhões de pessoas vivendo na miséria._

Caso se faça uma lista com as 85 maiores fortunas do planeta, chega-se a um montante que equivale às posses da metade mais pobre da população global, aproximadamente 3,6 bilhões de pessoas. “A desigualdade pode causar tensão política e está por trás de protestos em todo o mundo, inclusive os que ocorreram no ano passado no Brasil”, afirmou Simon Ticehurst, diretor no país da Oxfam, confederação de organizações sociais espalhadas por 18 nações. Ela inicia hoje a campanha Even it up, o equivalente em português a “equilibre o jogo”, com o objetivo de chamar a atenção para a desigualdade e para as medidas que podem levar à sua redução.

A América Latina é exceção nesse quadro global, com expressiva redução das disparidades desde 2000, quando a situação atingiu o pior grau. O Brasil lidera essa melhora. “Nós brincamos dizendo que éramos o país mais desigual do mundo e tínhamos o melhor futebol e, hoje, não somos nem uma coisa nem outra”, comentou o economista João Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por muitos anos, medalha de ouro da concentração era do Brasil. Agora está com as Ilhas Seychelles e, entre os países do G-20, com a África do Sul, onde os contrastes atuais são ainda maiores do que na época do apartheid, o regime de segregação racial.

Se o Brasil desceu degraus do pódio da desigualdade, a América Latina como um todo, a despeito dos avanços, continua no topo. A Oxfam aponta a alta correlação entre as diferenças de renda e a criminalidade. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 41 estão na região. Essa lista, o Brasil ainda lidera, com 16 cidades. Mas não é o país com maior taxa de homicídios. México e nações vizinhas estão na frente, com índices superiores aos de áreas em guerra civil, como o Iraque.

O Brasil ajudou a América Latina de dois modos: melhorando o índice da região e exportando seus programas. “Muito do que foi feito aqui tornou-se referência”, afirmou Ticehurst, da Oxfam. O relatório da organização faz sete menções positivas sobre o país. Um dos destaques é o programa Bolsa Família, que ao mesmo tempo entrega dinheiro aos mais pobres e obriga, por suas condicionalidades, os beneficiários a vacinar os filhos e enviá-los para a escola. “Isso cria um ciclo virtuoso, que fará as novas gerações terem muito mais oportunidades”, destacou Ticehurst. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) foi procurado ontem para comentar as avaliações da organização, mas preferiu não se pronunciar.

Mais do que só dinheiro


Renda não é apenas dinheiro. O relatório da Oxfam mostra que serviços públicos, como educação e saúde, têm grande poder de melhorar a vida das pessoas, aumentando o bem estar e a chance de que os filhos tenham um futuro melhor. “Em cinco países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, México e Uruguai), a renda virtual da educação e saúde reduziu a desigualdade em 10% a 20%. A educação teve um desempenho chave na redução da desigualdade no Brasil, a ajudou a manter o baixo grau de diferença de renda na Coreia do Sul”, registra o relatório.

O problema é que o ritmo de redução da desigualdade é cada vez menor nos últimos anos. "A parte mais fácil foi feita. Agora é preciso promover mudanças estruturais", aponta o diretor da Oxfam. Uma etapa, ele explica, deve se dar por meio de um passo além do aumento de acesso à educação e à saúde: o aumento significativo na qualidade. Mas não é só isso. Ticehurst chamou atenção para a necessidade de uma reforma política. “É preciso evitar que os mais ricos capturem os Estados, fazendo com que tomem decisões que lhes favoreçam”, defendeu.

Outra reforma necessária, disse Ticehurst, é a tributária. Empresários também querem isso, porque esperam a redução da cumulatividade dos impostos e a simplificação do sistema, diminuindo custos de produção. Mas o foco social da Oxfam é diferente. Eles veem necessidade de reduzir a taxação do consumo e aumentar as alíquotas sobre a renda. “Os tributos sobre consumo são regressivos. Atingem de forma acentuada os mais pobres, que gastam quase tudo o que recebem, e menos os mais ricos, que conseguem poupar parte de seus ganhos. É preciso que se crie um sistema progressivo”, afirma.

Críticas

Uma das maiores causas do aumento da desigualdade, de acordo com o relatório da Oxfam, é o chamado “fundamentalismo de mercado”. Isso embute uma critica à ideia de que as empresas, instituições financeiras e os agentes econômicos de modo geral devem ter a maior liberdade possível para tocar os seus negócios. A organização acredita que isso leva ao domínio da economia pela elite, com efeitos negativos para o bem estar da população e do próprio desenvolvimento econômico. O relatório cita vários defensores dessa tese, como Joseph Stiglitz, um dos vencedores do prêmio Nobel de economia.

“Consideramos aceitável que exista alguma desigualdade, de forma a premiar o talento das pessoas. Seria razoável o executivo de uma empresa receber um salário 20 vezes maior do que o de um trabalhador de nível médio. Mas, no Reino Unido, os mais bem pagos nas 100 maiores empresas recebem 131 vezes o rendimento do pessoal de nível médio”, comparou Ticehurst.

Essas altas remunerações são a principal causa do aumento da desigualdade nas regiões mais desenvolvidas, algo que tem efeito muito além do acesso ao consumo. Em Glasgow, na Escócia, há uma linha de metrô ligando o bairro mais rico da cidade ao mais pobre. Em cada estação, a expectativa de vida é menor que a anterior. A diferença entre o início e o fim da linha é de 15 anos.

O crescimento econômico só contribui com a redução da desigualdade, destacou o diretor da Oxfam, quando é acompanhado de outras medidas. Ele citou o exemplo de Zâmbia, país africano que vem crescendo 3% ao ano por um longo período, porém com aumento da desigualdade.


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