
Os conflitos envolvem especialmente os usuários dos chamados planos antigos, contratados antes da lei que regulamentou o setor em 1998, e também os artigos de tecnologia mais recente, e portanto mais caros. No ano que vem, novos itens devem ser incluídos no rol de coberturas obrigatórias do setor, acirrando ainda mais o debate. As órteses, próteses e materiais especiais são usados em muitas especialidades médicas, e com grande frequ”encia na cardiologia e na ortopedia. Todas os materiais inerentes ao ato cirúrgico e que tenham registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devem ser cobertos pelos planos médicos, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos contratados após 1998. Mas, na prática, a cirurgia muitas vezes depende do Judiciário.
No caso de Rubens Cunha, a negativa foi motivada pelo material escolhido pelo médico. Segundo o consumidor, a prótese indicada pelo especialista custaria para o plano mais de R$ 30 mil, enquanto o material utilizado pelo convênio era bem mais barato, orçado em R$ 2,5 mil. “Não foi apenas o médico, o hospital também se negou a realizar o procedimento com o produto indicado pelo plano.” Segundo o corretor, desde que fez a cirurgia sua saúde foi de fato restabelecida e ele retomou sua vida normal, com trabalho e atividade física.
ALTO CUSTO Os gastos com órteses, próteses e materiais especiais movimentam cerca de R$ 20,5 bilhões ao ano e são destaque na internação hospitalar, despesa que mais cresce na conta dos planos de saúde. José Cechin, diretor-executivo da Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde), que representa 15 grandes grupos de operadoras e seguros de saúde, diz que é um pleito do setor a melhor regulamentação do mercado de órteses e próteses. Segundo o executivo, uma intrincada trama envolve o segmento, inclusive no que diz respeito a conflitos de interesses. “Nem sempre a prótese mais moderna é a melhor para o paciente”, defende. Ele cita como exemplo a reavaliação de procedimentos, que ocorreu recentemente no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O caso foi citado no Fórum de Qualidade e Segurança do Paciente, realizado em Londres. “De 1.679 pacientes encaminhados para cirurgias e reavaliados pelo hospital em uma segunda opinião, 683 tiveram confirmação para o procedimento. O restante foi encaminhado para outros tratamentos.”

Esse é o caso da aposentada Neuza Rodrigues. Usuária de um plano de saúde antigo, o marca-passo que precisou para garantir a saúde lhe foi negado pelo convênio. “A operadora disse que o contrato não cobria o procedimento”, conta a filha da aposentada, a analista de sistemas Rosa Magalhães. Rosa explica que a cirurgia foi feita mediante pagamento particular. Depois, a família recorreu ao Judiciário e foi reembolsada pelo plano. “Minha mãe precisou ser submetida a duas cirurgias para colocação do marca-passo. Nas duas vezes precisamos acionar a Justiça”, informou.
Operadoras de planos de saúde defendem a adaptação dos contratos antigos, que hoje atingem 7 milhões de brasileiros. Os usuários, segundo o setor, devem migrar para os novos contratos. “Mas essa migração inviabiliza o plano de saúde. O valor da mensalidade mais que dobra”, diz Rosa Magalhães. Antônio Carlos Teodoro, presidente do SOS Vida, diz que órteses, próteses e tratamentos para o câncer estão entre os principais conflitos que chegam ao Judiciário. Ele diz que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decisões que garantem ao consumidor de planos antigos a ter acesso aos materiais inerentes ao ato cirúrgico. “A Justiça tem entendido que o convênio tem a função de preservar a saúde e a vida. Se a vida depende da prótese, o procedimento deve ser coberto no plano antigo”, diz.
Coqueluche de pedidos
A indicação precisa para o uso de órteses e próteses, o preço do material, a qualidade e a relação de similaridade e qualidade entre produtos, assim como os materiais importados, estão na ordem do dia na agência reguladora do setor, a ANS. O alarme foi acionado pelo mercado que reúne as operadoras, seguradoras e cooperativas médicas. As operadoras de saúde afirmam que o uso desses produtos cresceu tanto nos últimos anos que se tornou uma espécie de “coqueluche” no país, compara o diretor executivo da Federação Nacional da Saúde Suplementar, José Cechin. Segundo ele, no último ano, enquanto as despesas assistenciais de modo geral avançaram 110%, os gastos com internações cresceram 214%, quase o dobro, sendo que desse percentual as órteses, próteses e materiais hospitalares têm peso de 55%. “É preciso haver maior transparência nesse mercado, sob o ponto de vista de custos e da saúde do usuário.”
O presidente da ONG SOS Vida, Antônio Carlos Teodoro, diz que no momento em que recebe a indicação para uma cirurgia, a vida complica para o consumidor. “De um lado está o médico de sua confiança; de outro, o plano de saúde indicando um material a princípio similar, mas mais barato. O consumidor não tem como decidir qual é o melhor produto para ele.” Teodoro defende uma espécie de selo de qualidade. “Sociedades como as de cardiologia e ortopedia poderiam dar aos materiais um selo de recomendação, como já ocorre com alguns produtos.”
No mercado brasileiro ainda não há um trabalho para garantir ao consumidor a similaridade entre próteses e órteses, como ocorre com os medicamentos genéricos, por exemplo. “Esse é um dos temas que estamos trabalhando, atribuir similaridade aos produtos”, diz Martha Oliveira, gerente-geral de Regulação Assistencial da ANS. A discrepância que existe de preços no mercado também é outro ponto em estudo. O segmento deriva sem nenhuma referência, podendo ter variações que levam o consumidor realmente a desconfiar, como ocorreu no caso do corretor Rubens Cunha. O preço de sua prótese variava no mercado de R$ 2,5 mil a R$ 30 mil. Outros temas abordados este ano pela agência e que estão na mira de uma regulamentação conjunta entre a agência reguladora, Ministério da Saúde e Anvisa é a qualidade dos produtos, para clarear as indicações médicas.
Martha Oliveira aponta ainda que ao indicar o material a ser usado em uma cirurgia, o médico deverá apontar três produtos distintos e não apenas uma única opção.
