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Estado de Minas

Tradição de fabricar queijo artesanalmente está agonizando em Minas

Com novas exigências e o preço do queijo canastra em queda, a velha guarda produtora da iguaria deixa de lado a herança da família para vender o leite cru, mais valorizado


postado em 10/10/2011 06:42

João Carlos tem duas fazendas e em uma delas ainda consegue produzir o queijo, como hobby(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
João Carlos tem duas fazendas e em uma delas ainda consegue produzir o queijo, como hobby (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
São Roque de Minas - Era uma vez uma cidadezinha no interior de Minas Gerais, na beira da Serra da Canastra, onde, até o início do século 21, famílias sobreviviam e enriqueciam às custas de um famoso queijo. Como o chocolate suíço, o vinho português e os charutos cubanos, em São Roque de Minas, por quase 300 anos, um ‘queijim’ inofensivo – mas para lá de saboroso – era o símbolo da região. Mas eis que uma lei sanitária proibiu que o alimento fosse vendido fora do estado, e o que era sustento de mais de 1,3 mil famílias deu lugar a outras produções e o gostinho de colocar a mão na massa para fazer o famoso queijo ficou na memória...

Parece até exagero imaginar que uma das mais famosas iguarias mineiras será lembrada apenas em livros de história ou no documentário O mineiro e o queijo, recém-lançado pelo cineasta Helvécio Ratton. Mas, nas palavras de quem ainda resiste e insiste em sustentar-se da produção do queijo minas, o fim da produção artesanal do produto celebrado como Patrimônio Cultural Imaterial está cada vez mais próximo. De 10 anos para cá, mais da metade dos produtores abandonou suas queijarias para produzir leite. E ante as dificuldades em se comercializar o queijo são poucos os que bravamente resistem, seja para manter a tradição ou apenas por hobby.

É o caso de Alexandre Pereira Silva, de 27 anos. Ele herdou a propriedade de 250 hectares do avô em 2007. Por apenas um ano, manteve a produção de mais de um século da família. Formado em agronomia, logo vislumbrou que, apesar da tradição, o mercado do queijo perdia espaço. O valor do produto foi diminuindo, assim como a demanda, com a proibição das vendas além das divisas de Minas. “Já tive muita dó de abandonar o que aprendi a fazer aos oito anos. Mas quando se começa a olhar para o dinheiro e para as dificuldades não se pensa mais no amor”, afirma o jovem, que por quatro anos manteve produção de leite e recentemente decidiu arrendar parte da fazenda para um cafeicultor da região.

João Bernardes comprou um tanque de armazenamento e agora se dedica à pecuária leiteira(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
João Bernardes comprou um tanque de armazenamento e agora se dedica à pecuária leiteira (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
O cálculo é simples: a produção de um queijo canastra leva 10 litros de leite – fora a mão de obra, o coalho e o sal – e a unidade é vendida no atacado por R$ 7,50, em média. Enquanto isso, se optar por produzir leite, o fazendeiro pode faturar R$ 9,50 com os mesmos 10 litros. E não é só. O queijo requer mais tempo e preparo. Depois de ordenhar as vacas, ainda são muitas as etapas até o canastra ir para a mesa. Com isso, em um dia um produtor de queijo gasta quatro horas para tirar o leite e outras quatro para as etapas de preparo do queijo, enquanto para produzir apenas o leite basta fazer a ordenha das vacas duas vezes ao dia. Aí é jogar o líquido no tanque que o caminhão passa recolhendo.

A explicação para a queda nos preços está diretamente atrelada a uma série de obrigatoriedades para a venda do queijo fora de Minas. Isso porque a legislação federal que rege o comércio de queijo determina que para o produto ser vendido em outro estado é preciso aguardar 60 dias de cura. Também têm que ser observadas outras regras de higiene para a produção com leite cru. O processo confere sabor especial ao queijo e garante que o produto não transmita doenças. Mas todas essas restrições, segundo os produtores, reduzem consideravelmente o mercado consumidor, apesar de muitos insistirem no comércio clandestino, contrabandeando o queijo. Outro fator considerado importante para a perda do valor é a maior procura pelo queijo minas frescal. Em vez de esperar a maturação por 10 ou 15 dias, com um ou dois os queijos são vendidos, perdendo em qualidade e deixando a tradição um pouco de lado. “Pesquisas da Universidade Federal de Viçosa (UFV) já mostraram que é possível a produção de queijo artesanal com leite cru”, afirma o presidente da Cooperativa São Roque de Minas Crédito (Samrocredi), João Carlos Leite.


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