(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CAPACITISMO

UFMG não oferece recursos para a inclusão de estudante deficiente auditiva

A estudante conta que se sente prejudicada pela falta de acessibilidade na universidade. Núcleo de Acessibilidade e Inclusão não oferece soluções com agilidade


05/05/2022 13:00 - atualizado 05/05/2022 16:26

Print do tweet de Poliane onde se lê: 'tô praticamente desde o início do semestre sem entender a maioria das aulas pois os professores estão usando máscaras e eu preciso fazer leitura labial e é INACREDITÁVEL que o NAI não comprou máscaras transparentes até hoje, cadê a acessibilidade? @ufmg??????'
Poliane denuncia os atrasos do NAI no Twitter (foto: Twitter/Reprodução)

Uma estudante do curso de engenharia civil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) denúncia o descaso do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) para com suas necessidades. Poliane é deficiente auditiva oralizada, ou seja, não se comunica com LIBRAS e entende o que as pessoas falam a partir da leitura labial. Em um post nas redes sociais, publicado na quarta-feira (4/5), ela relata a última solicitação à universidade: fornecimento de máscaras transparentes para os professores nas aulas em que ela estiver presente. A medida permitirá à aluna tentar fazer a leitura labial dos docentes.


Os problemas de Poliane começaram logo que o sistema de Ensino Remoto Emergencial (ERE) teve início. As aulas ao vivo não possuíam legendas simultâneas e a instabilidade da conexão de internet dificultava o entendimento do que os professores falavam em aula. Apesar do contato frequente com o NAI, a estudante conta que não obteve o apoio necessário, teve que começar a estudar sozinha e não assistia mais às aulas.

“O NAI chegou a me oferecer monitoria de matérias que, na época, eram do ciclo básico. Mas a monitoria era apenas para tirar dúvidas e é complicado dar aula por escrito pelo WhatsApp. Não é a mesma coisa que aprender presencialmente com os recursos ideais”, conta Poliane em entrevista ao EM.

Cobranças ao NAI

O período de ensino remoto, que na UFMG durou cerca de dois anos, contabilizou quatro semestres e foi um momento conturbado para a estudante. Ela conta que propôs soluções para o NAI, mas recebia, constantemente, respostas negativas em relação às demandas.

“Fui cobrando acessibilidade, pedindo legenda, mas o NAI não conseguia arrumar soluções. De acordo com eles, não tinham recursos para isso. Então, sugeriram que os professores mesmo legendassem as aulas. Mas eles já têm aquele ‘trabalhão’ de preparar e dar as aulas. Muitos deles nem dominavam a tecnologia, então a maioria nem conseguia ajudar. Uns nem tentavam”, explica a estudante.

Apesar disso, no último semestre em regime ERE, Poliane conta que recebeu ajuda de um professor que se sensibilizou com sua situação, mas que a universidade em si dificultou o processo.

“[O professor] me ajudou muito, fez mais que o NAI e a própria UFMG e me passou um tutorial de como colocar legenda nos vídeos. Passei a enviar o tutorial para todos os professores colocarem, e a maioria fazia, mas tinha um que dificultava e nem tentava. Era uma matéria muito difícil e cobrei do NAI para arrumar algum técnico que pudesse ficar responsável por colocar as legendas. Eles disseram que arrumaram e que ele começaria a fazer isso para mim, mas nunca apareceu. Tentei estudar sozinha e até aula particular fiz para ver se eu aprendia essa matéria”, diz ela.

Quando surgiu a possibilidade de a UFMG voltar às atividades presenciais, Poliane começou a pressionar o NAI sobre soluções para que ela pudesse assistir às aulas com o restante dos alunos. Tendo em vista que o uso das máscaras continuaria obrigatório dentro da universidade, ela não seria capaz de entender o que os professores falavam. “O NAI sempre fala que ia analisar e marcar reunião sobre isso, mas nunca foi para frente e não solucionam, de fato”, relata.

Um dos recursos encontrados pelos professores para auxiliá-la no aprendizado foi enviar as videoaulas de semestres anteriores, que foram em regime ERE. No entanto, no regime presencial, era exigida a presença dela em sala, o que torna a prática inviável.

“Como eu tenho que aparecer nas aulas presenciais para não receber falta, já é um tempo a mais que eu tenho que gastar. Tenho que arrumar mais horas para assistir às aulas online. Não dá, é impraticável”, explica a jovem.

Descaso

Segundo Poliane, o NAI chegou a sugerir o uso de um aplicativo transcritor, para o qual ela precisaria de um microfone potente, mas não ofereceu ajuda financeira para que pudesse arcar com os custos. Ela chegou a comprar um microfone de quase R$ 1 mil, mas por conta da linguagem técnica utilizada nas aulas, a precisão da transcrição não funcionava plenamente. 

Dessa forma, seu último recurso foi pedir que os professores usem máscaras transparentes que não embaçam, recomendadas pela sua fonoaudióloga. Ela conta que o NAI aprovou a sugestão, mas que, até o momento, não realizou a compra dessas máscaras.

“Já estamos quase na metade do semestre, então para agilizar o processo, sugeri ao NAI que eu mesma comprasse as máscaras, mas pedi garantia de reembolso, porque já tive prejuízo com o microfone. Eles não me deram certeza. O kit de três dessas máscaras custa cerca de R$ 89, então não dá para comprar e esperar o NAI decidir se vai me reembolsar ou não”, conta Poliane.

Como consequência dos problemas enfrentados durante o período de ERE relativos ao capacitismo sofrido ao longo desses anos, Poliane afirma que sua saúde mental foi  bastante prejudicada. “Comecei a tomar mais remédios por recomendação psiquiátrica. São consequências muito graves que não esperava e nem queria lidar”, explica.

Ela também fala que, ao fazer a denúncia nas redes sociais, a intenção não é atacar a UFMG ou o NAI, mas sim pressioná-los para que suas demandas e as de outros estudantes com deficiência sejam atendidas. No portal do NAI na internet, consta que a missão do núcleo é “assegurar a inclusão de pessoas com deficiência à vida acadêmica e profissional, eliminando ou reduzindo barreiras pedagógicas”.

Em nota, a UFMG afirma que "muito já se avançou nas ações de acessibilidade, inclusão e permanência das PcD na Universidade, que reconhece, no entanto, que ainda há muito o que se fazer" e que "as adaptações impostas pela pandemia da covid-19 para garantia da qualidade dos processos de ensino-aprendizado [...]  têm sido objeto de criteriosos estudos pela equipe do NAI, em diálogo com o Comitê de Enfrentamento ao Novo Coronavírus da UFMG".

Apoio nas redes

Nas redes sociais, internautas demonstram apoio à Poliane. “Infelizmente, a universidade - que tem a obrigação de ser - não é para todos. Em especial, não é para pessoas com deficiência. E é urgente que a UFMG seja para todos”, diz um deles.




Nota da UFMG na íntegra

A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) adota políticas e iniciativas que promovem a inclusão de pessoas com deficiência (PcD) desde a década de 1990. Em 2002, a UFMG instituiu uma Comissão Especial com objetivo de assegurar aos estudantes e servidores com deficiência a sua permanência na Universidade. O trabalho dessa comissão gerou ações de grande magnitude que desencadearam na criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG, em 2014, voltado à eliminação ou redução de barreiras pedagógicas, instrumentais, arquitetônicas, de comunicação e informação, para o cumprimento dos requisitos legais e aprimoramento das ações de acessibilidade na instituição.

Desde então, o NAI tem desenvolvido suas atividades com o desafio de acolher os estudantes e demais PcD de sua comunidade e, em respeito aos seus direitos, propor e implantar melhorias no sentido de superar as barreiras que vão sendo identificadas. Para isso, o NAI está em constante diálogo com a comunidade universitária e com o Comitê Gestor da Formação Transversal em Acessibilidade e Inclusão, dentre outros atores, para tratar de demandas gerais e específicas das PcD, em suas diversidades. 

As adaptações impostas pela pandemia da covid-19 para garantia da qualidade dos processos de ensino-aprendizado, como a utilização de recursos tecnológicos assistivos e/ou máscaras especiais que possibilitam a leitura labial, têm sido objeto de criteriosos estudos pela equipe do NAI, em diálogo com o Comitê de Enfrentamento ao Novo Coronavírus da UFMG. Muito já se avançou nas ações de acessibilidade, inclusão e permanência das PcD na Universidade, que reconhece, no entanto, que ainda há muito o que se fazer. Por isso, a UFMG se coloca ao lado da comunidade na construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva - da qual a universidade faz parte.
 

*Estagiária sob a supervisão de Márcia Maria Cruz
 

Ouça e acompanhe as edições do podcast DiversEM




podcast DiversEM é uma produção quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar além do convencional. Cada episódio é uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar único e apurado de nossos convidados.



receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)