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Estado de Minas

Casa apresenta a cultura chinesa através da comida

Se você quer descobrir como os chineses se alimentam, tem que conhecer o mais novo restaurante da cidade, Jia, que serve apenas receitas originais, sem nenhuma adaptação


postado em 09/02/2020 04:00 / atualizado em 11/02/2020 15:02

Joelho de porco com agrião e arroz glutinoso(foto: Iury Emanuel/Divulgação)
Joelho de porco com agrião e arroz glutinoso (foto: Iury Emanuel/Divulgação)


Para comer no Jia, você tem que estar disposto a viver uma experiência diferente. O menu é único, e surpresa. O jantar tem hora para começar e para terminar. Todas as receitas são originais, sem nenhuma adaptação. Em vez de refrigerante, cerveja ou vinho, chás e drinques são oferecidos para harmonizar com a comida. Localizado no primeiro andar da Casa Luna, que fica no Bairro Santo Agostinho, o restaurante criado pelo gastrônomo Bernardo Garcia quer levar o público para mais perto da China.
 
O bar oferece três drinques, pensados para não interferir no sabor da comida(foto: Iury Emanuel/Divulgação)
O bar oferece três drinques, pensados para não interferir no sabor da comida (foto: Iury Emanuel/Divulgação)
 
 
A casa trabalha com menu degustação, servido em dois horários (19h e 21h). Bernardo encara a experiência como um espetáculo em torno da comida, por isso chama o menu de temporada e o jantar de sessão. “Sentia falta de um lugar em que a cozinha fosse central”,  justifica. Ou seja, lá não é o restaurante indicado para passar a noite bebendo ou batendo papo. As sessões duram 1h40min e o serviço impõe um ritmo para a sequência dos pratos (o cliente escolhe entre três, cinco ou sete tempos).
 
Sugere-se fazer reserva com antecedência, pois o restaurante tem apenas 16 lugares. Bernardo preza por um atendimento mais cuidadoso e direcionado. Todos os clientes da sessão entram ao mesmo tempo para ocupar as mesas, já mapeadas. Logo depois, a porta da frente se fecha e a que divide o salão da cozinha se abre. “O meu propósito como cozinheiro é criar uma imersão. Quero que os clientes se sintam menos em BH e mais na China, então tento afastá-los de lá de fora”, explica.
Na mesa, já estão posicionados os palitinhos de aço inox, que na China são chamados de kuaizi (o atendente oferece garfo e faca para quem preferir). Ao lado, a xícara para o chá quente. A casa também serve água e drinques. Há três opções, todas leves, com um sabor mais cítrico, pensadas para harmonizar com os pratos e ajudar a limpar o paladar. “Não temos refrigerante nem suco para não desfocar do sabor. Centramos a experiência na comida mesmo”, reforça.
 
Pão cozido no vapor com recheio de pernil, gengibre, alho e especiarias(foto: Iury Emanuel/Divulgação)
Pão cozido no vapor com recheio de pernil, gengibre, alho e especiarias (foto: Iury Emanuel/Divulgação)
 
 
Na última semana de janeiro, o restaurante funcionou com um menu dedicado ao ano-novo chinês, a mais importante festividade do país, comemorada no dia 25. Bernardo seguiu fielmente a tradição, preparando as receitas que não podem faltar na ceia. A única diferença é que eram empratadas.
O jantar começou por um trio de dim sum, os petiscos chineses. Os três são servidos dentro de uma panela a vapor de bambu: bao (pão cozido no vapor) com pernil, gengibre, alho e especiarias, massa crocante de milho com orelha de porco picada, batata, milho e salsinha, e rolinho primavera com repolho, cenoura e cebola. O molho que acompanha não tem nada a ver com aquele rosa, tão comum por aqui, que costuma ser extremamente doce. Àbase de catchup e suco de abacaxi, ele tem cor amarronzada.
 
Um dos pratos da sequência é o peixe assado inteiro (tilápia, por questão de fornecimento) e escaldado com óleo quente de girassol. Ele chega à mesa com a pele ainda encharcada. Esse prato gera uma curiosidade sobre o uso abundante de gordura na cozinha chinesa. Segundo Bernardo, os chineses falam que comida boa deixa o lábio brilhando. “Recebi outro dia duas família chinesas e um deles falou que há muito tempo não comia o peixe da avó e agradeceu por lhe trazermos essa memória”, conta.
 
Não existe satisfação maior para Bernardo. O jovem sempre quis ser fiel às receitas originais, então não coloca nada a mais nem a menos. Na opinião dele, faltava aqui um lugar que não servisse pratos abrasileirados. “Não me coloco como chef, sou quase um curador, porque estou escolhendo boas receitas. Faço tudo com muito respeito a uma cultura.” Entre um um prato e outro, os garçons colocam na mesa um bilhetinho explicando os simbolismos que envolvem aquela receita.

DAN DAN Também fazia parte do menu de ano-novo o dan dan, macarrão com carne de porco moída. “Achava que era igual ao bolonhesa, mas percebi que existe uma diferença fundamental que não executavam. A carne é tão frita que fica bem crocante”, destaca. Além disso, em vez de tomate, o molho leva óleo aromatizado com pimenta e pasta de gergelim. A massa de trigo artesanal, servida com espinafre, é feita por chineses que moram em BH.
 
"Quero que os clientes se sintam menos em BH e mais na China", diz Bernardo Garcia (foto: Iury Emanuel/Divulgação)
 
 
Na sequência, foi servido joelho de porco com agrião e uma porção de arroz glutinoso. O grão,  tipicamente asiático, vira uma massa grudenta, quase elástica, depois de cozido. Como não tem tempero, a sugestão é comê-lo com o molho da carne, bem potente. Este mesmo arroz se transforma em uma sobremesa com textura curiosa, o nian gao, conhecido como o bolo de ano-novo chinês. A massa doce com rapadura, servida com ameixa chinesa, fica quase três horas cozinhando no vapor.
Fora o arroz glutinoso – que aparece no zongzi, bolinho com barriga de porco, o menu da primeira temporada (diferente do menu do ano-novo) causa pouco estranhamento. Quando o cliente retorna, a história muda. “Não repetimos o menu, então vou intensificando o nível de dificuldade em relação a textura e sabor, sempre respeitando o paladar ocidental.” Entre os “desafios”, pé de galinha, perna de rã e bolo de pasta de semente de lótus com gema de pato curado.
 
Contar histórias 
 
Idealizador de projetos como o Serial Eaters (com menu inspirado em séries de TV) e Bení Kebaberia (que serve o kebab de Benimaclet, bairro de Valência), Bernardo sempre gostou de criar cenários e contar histórias. Talvez porque o seu sonho era fazer cinema, mas ele acabou se apaixonando pela gastronomia. Hoje sócio da irmã no espaço holístico Casa Luna, o jovem teve a ideia de abrir o Jia no primeiro andar, quando pesquisava sobre medicina chinesa.
 
“O que mais me encantou foi a forma como os chineses lidam com a comida. A primeira pergunta que eles fazem quando encontram alguém é: você já comeu hoje? É como se fosse o nosso 'tudo bem?'.”
Para Bernardo, o maior desafio é executar pratos que nunca comeu. Então, ele começou a estudar mandarim para entender melhor as receitas que encontrava na internet e conversou com muitos chineses, no Centro de BH, no Bairro Liberdade, em São Paulo, a maior comunidade asiática do Brasil, e trocou muitas informações com um tio chinês e toda a família dele.
 
Basicamente, todos os insumos são chineses. O molho shoyu, sempre presente na cozinha, é diferente do japonês, pois tem um sabor mais amadeirado, defumado e adocicado. Outro ingrediente indispensável é o vinho de arroz, de nome shaoxing, muito usado para marinar carnes. Os chineses também usam em quase todos os pratos cinco especiarias que consideram básicas: erva-doce, pimenta sichuan, cravo, canela e anis. De utensílios, não podem faltar a panela wok e o kuaizi.
A casa agora também abre suas portas durante a tarde para o ritual do chá (gongfu). São duas sessões por dia, às 15h e às 16h, só para oito lugares, com duração de 15 minutos. Depois do ritual, as pessoas podem escolher um chá para beber e um petisco para acompanhar. Formado como sommelier de chás, Bernardo criou um cardápio com opções que harmonizam com as diferentes bebidas chinesas, entre elas pé de galinha e bolinho de abacaxi.
 
Por incrível que pareça, Bernardo não conhece a China. A primeira viagem já está marcada para junho, quando ele vai passar um mês percorrendo cidades do interior. “Me interessa mais comer na rua, ver de fato o cotidiano das pessoas. Quero tentar encontra a raiz da culinária chinesa.” 
 
Bolinho de arroz glutinoso com recheio de porco (zongzi)

Ingredientes

1,4kg de barriga de porco; 
1/2 xícara de molho de soja; 3 colheres de sopa de molho de soja escuro; 
4 colheres de chá de sal; 
5 colheres de sopa de açúcar; 3 colheres de sopa de vinho shaoxing (pode ser substituído por vinho branco); 1 colher de chá de pimenta branca moída; 
1 colher de chá de cinco especiarias em pó (grãos de pimenta sichuan, erva-doce, cravo, anis-estrelado e canela); quanto baste 
de água; 2kg de arroz glutinoso (moti); 
5 colheres de sopa de molho de soja forte; 5 colheres de sopa de molho de soja comum; 1 e 1/2 colher de sopa de açúcar; 2 e 1/2 de colher de sopa de sal

Modo de fazer

Misture bem a carne de porco com todos os ingredientes da marinada, exceto a água. Se não houver líquido visível após a mistura, adicione a água (2 colheres de sopa de cada vez). O líquido ajuda a manter a carne úmida. A marinada de porco deve estar molhada, mas sem muito líquido acumulado no fundo. Um dia antes, em um recipiente grande, mergulhe o arroz glutinoso em água, certificando-se de que o nível da água esteja de 5 a 15cm acima do arroz, pois ele se expandirá consideravelmente à medida que encharca. No dia seguinte, drene completamente o arroz. Misture os ingredientes da marinada (molho de soja forte, molho de soja comum, açúcar e sal) e deixe marinar por 30 minutos. Embrulhe o arroz e o porco na folha de bambu ou alumínio. O arroz deve cobrir todo o porco, de todos os lados. Cozinhe em fogo baixo por 4 horas ou na panela de pressão por 1 hora. 

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