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Estado de Minas ARTES CÊNICAS

Peça on-line "De bar em bar" expõe a tragicomédia da política brasileira

Empresário, cantora, dona de casa e homem gay relembram arrependimentos vividos durante o governo Collor. Peça dialoga com o Brasil do século 21


14/03/2021 07:45 - atualizado 14/03/2021 07:52

Os atores Léo Wainer, Letícia Isnard (acima), Ângela Rabello e Thadeu Matos encenaram a peça em suas próprias casas(foto: Renato Mangolin/divulgação)
Os atores Léo Wainer, Letícia Isnard (acima), Ângela Rabello e Thadeu Matos encenaram a peça em suas próprias casas (foto: Renato Mangolin/divulgação)

Especialmente no Brasil, bar é lugar de troca de confissões, desabafos e intimidade. Depois que essa configuração aglomerativa, sagrada para a boemia, se viu comprometida pela pandemia, foi preciso adaptá-la para outros formatos. Em certa medida, é o que propõe a peça “De bar em bar”, autodefinida como uma tragicomédia virtual, que estreia neste domingo (14/3) no YouTubeFacebook e Instagram.

O carioca Rogério Corrêa se inspirou na peça “Os órfãos de Jânio”, de Millôr Fernandes, adaptação de “Kennedy's children” (“Os filhos de Kennedy”), do dramaturgo norte-americano Robert Patrick. Em comum há monólogos de personagens que, num bar, expõem contradições de seu passado político.

A peça americana remetia à era Kennedy. Millôr Fernandes a transformou no relato de personagens caricatos que, na época da redemocratização, relembravam suas experiências durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Na plateia do Teatro dos 4, no Rio de Janeiro, estava Rogério Corrêa, que acabara de entrar na faculdade na década de 1980. “Os órfãos de Jânio” o marcou a ponto de inspirar um outro texto, anos mais tarde.

“Quando começou a coisa do Collor (presidente eleito em 1989), pensei que seria uma boa coisa para escrever. Aquilo ficou na minha cabeça. Até escrevi um dos personagens, mas isso ficou parado por anos”, relata o dramaturgo.

Há quatro anos, ele retomou o texto. “Quando houve o golpe contra a então presidente Dilma (Rousseff), me deu vontade de voltar a escrever. Minha peça é sobre o fim da ditadura e o restabelecimento da democracia. Senti que o golpe, ali em 2016, era o final de um ciclo. Comecei e terminei a peça há pouco mais de dois anos”, revela Rogério.

“Não estamos falando do agora. Não teríamos nem condições de entender toda essa loucura. Mas a história se repete no Brasil. Como disse Marx, primeiro como tragédia, depois como farsa. Já tivemos a primeira repetição, agora temos a segunda, como tragicomédia”, argumenta o autor.

“Temos a renúncia do Jânio e depois a ditadura, o tema da peça do Millôr. Trinta anos depois, vem o Collor e com mais 30 anos o Bolsonaro. Não mostramos o momento imediato de agora, mas o que está por trás de algo que acontece ciclicamente no Brasil”, explica.

A vida dos quatro personagens sofre forte abalo no governo Fernando Collor de Mello. São eles um michê de sauna, uma dona de casa de classe média, um empresário e uma cantora de axé, interpretados por Thadeu Matos, Ângela Rebello, Léo Wainer e Letícia Isnard.

“A cantora fez campanha para Collor, que foi alvo de impeachment e renunciou ao cargo em 1992. Ela se arrepende”, adianta Corrêa. Para criar a dona de casa, ele se inspirou na vizinhança da Tijuca, bairro onde morou.

“Ela se baseia em pessoas da classe média que são reacionárias sem nem saber. Sempre que há uma crise, elas abraçam um projeto de direita, como agora. Com o Collor, muita gente que fez isso se deu mal. É o caso dessa personagem, que acabou tendo uma vida trágica”, conta.

O empresário, interpretado por Léo Wainer, foi incendiário na juventude e bombeiro na meia-idade. “Militante do movimento estudantil, ele acabou herdando a empresa do pai, tornando-se de direita e votando no Collor. O casamento acabou, já que a mulher era muito de esquerda”, diz o dramaturgo.

O quarto elemento, ao contrário dos outros, não traz amarguras em relação à política. Ao ampliar a representatividade e trazer a perspectiva de um homossexual, o texto remete à crise relacionada à Aids no começo dos anos 1990 e ao preconceito sofrido pela população gay. “O personagem ama a vida, ama o sexo e não se desculpa. Tem valores mais inclusivos, é o único dos quatro que não votou no Collor”, revela Corrêa.

A peça é encenada nas casas dos atores. Segundo o dramaturgo, o formato on-line favorece os monólogos. O diretor Isaac Bernat reforça que a estruturação da montagem foi coletiva, passando por leituras do texto com presença de público antes do desafio de encarar câmeras e enquadramentos.

Uma das preocupações foi a dinâmica da peça. “Os personagens têm uma ligação entre si, embora nem se conheçam. Uma história vai entrando na outra de alguma maneira. Então, há uma escuta constante entre os atores e a noção de ritmo no trabalho”, diz Bernat.

Equilíbrio rítmico

A alternância entre uma fala mais melancólica e outras mais elétricas cria a cadência necessária para prender a atenção do espectador ao longo de 40 minutos. “O equilíbrio rítmico foi importante para o trabalho ter essa comunicação e não ficar entediante. Vivemos uma época de muitos estímulos, links, lives. Há uma saturação, então há a preocupação de ser interessante”, observa.

Após a sessão deste domingo, será transmitido o bate-papo entre Rogério Corrêa e Guilherme Terreri/Rita Von Hunty, professor, ator, comediante, youtuber e drag queen.

DE BAR EM BAR
 
Peça de Rogério Corrêa. 
 
Direção: Isaac Bernat. Com Thadeu Matos, Ângela Rebello, Léo Wainer e Letícia Isnard.
 
Neste domingo (14/3), segunda-feira (15/3) e dias 21 e 22 de março, às 20h.
 
Gratuito.
 
 









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