Atores André Kirmayr,  Guilherme Chelucci e Ellen Roche

Comédia com Guilherme Chelucci, Ellen Roche e André Kirmayr está em cartaz no Teatro Feluma

Leekyung Kim/divulgação
 
Por vários anos, o diretor e dramaturgo Fernando Cardoso trabalhou com Cleyde Yáconis (1923-2013), irmã de Cacilda Becker. Costumava ouvir dela que um eventual caso de infidelidade conjugal poderia ser perdoado. Imperdoável, no entanto, seria a tal amante passear pelas ruas com o marido e o cachorrinho.

A frase ficou na cabeça de Cardoso, que cogitou escrever algo com base no comentário da atriz, mas acabou abandonando a ideia. Só voltou a pensar no assunto ao passar o réveillon na casa do escritor Gabriel Chalita, onde estava Lygia Fagundes Telles. Num momento de descontração, a autora paulista disse a mesma frase de Yáconis.
 
A ideia da peça ganhou forma quando o diretor leu notícia sobre casais que haviam se separado e entraram na Justiça para disputar a guarda de cachorros.

É mais ou menos por aí a história de “Quem vai ficar com Juca?”, peça em cartaz no Teatro Feluma de hoje (8/9) a domingo (10/9). Cardoso, que dirige o espetáculo, dividiu o roteiro com Danilo Thomaz e Nicole Puzzi.

O casal Otávio (Guilherme Chelucci) e Augusta (Ellen Rocche) está se separando. Augusta é prática e pragmática. Cientista no auge da carreira, trabalhou no desenvolvimento de vacinas durante a pandemia e foi convidada a dar aulas nos Estados Unidos.

O melhor amigo de Otávio

Otávio é um ator em crise. Com a pandemia, teve contratos cancelados e entrou em depressão. Quando Augusta estava no exterior, ele se aproximou mais de Juca (Andre Kirmayr), o vira-lata caramelo que pertence ao casal. Para onde  vai, Otávio levava Juca. Até mesmo ao ensaio de uma peça.

“Augusta não perdoa ao descobrir que no momento em que ela e Otávio estavam separados, ele levou Juca para o ensaio, formando ali um triângulo entre ele, o cachorro e uma atriz”, conta Cardoso.

“Não é que Augusta desconfie que Otávio está tendo caso, pois não se importa com isso. O que provoca a raiva dela é o elo entre Juca e uma terceira pessoa. É como se a tal amante passeasse com o cachorro, o que era imperdoável para Cleide Yáconis e Lygia Fagundes Telles”, emenda.

A partir daí começam as brigas do casal. A discussão fica insustentável a ponto de o próprio Juca “falar” em alto e bom som: “Chega!”. Resumindo: o pet da casa vira o personagem mais sensato da trama.

Por ter sido criado por ator e cientista, Juca é capaz de falar sobre obras de Shakespeare com a mesma propriedade com que fala de RNA e micropartículas. Com esse conhecimento aliado à natureza canina de não julgar a moral das pessoas, Juca decide estabelecer uma espécie de terapia para o casal. E desenvolve a técnica “lacãoniana”, baseada em Jacques Lacan.

“Tínhamos medo de que as pessoas achassem que a peça era espetáculo infantil”, conta Fernando Cardoso. “Então, tomamos alguns cuidados. Primeiro, falamos para o André, que interpreta o Juca, não imitar cachorro. Ele não anda de quatro e nem late no palco. Interpreta o texto escrito do ponto de vista de um cachorro”, explica.

“Augusta e Otávio se amaram de verdade e amam o Juca, tanto é que querem ficar com ele, mas o desgaste do relacionamento ocorre porque os dois são a representação dos casais de hoje, que vivem tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo. Tem casal que só conversa por Whatsapp”, afirma Ellen Rocche.

“Rei Lear”

Com o fracasso da empreitada terapêutica, Juca recorre a “Rei Lear”. O vira-lata caramelo propõe um sistema no estilo do escolhido pelo personagem de Shakespeare para julgar as filhas Goneril e Regan. Ou seja, um tribunal cuja decisão final cabe ao juiz, sem júri, advogados e promotores.

“O Juca é muito esperto, o vira-lata que conhece a vida como ela é. Tem a sabedoria de um cachorro de rua, mas como convive com um ator e uma cientista, acabou absorvendo muito dos dois”, conclui Cardoso.

“QUEM VAI FICAR COM JUCA?”

Peça de Fernando Cardoso, Danilo Thomaz e Nicole Puzzi. Direção: Fernando Cardoso. Com Ellen Rocche, Guilherme Chelucci e Andre Kirmayr. Nesta sexta (8/9) e sábado (9/9), às 20h; domingo (10/9), às 19h. Teatro Feluma (Alameda Ezequiel Dias, 275, 7º andar, Centro). R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), na bilheteria do teatro ou no site Sympla.