Uyan Vilela está sentado no palco

Bailarino Uyan Vilela leva para o palco componentes de aparelhos para deficientes auditivos

Luisa Machala/divulgação

'Quero falar sobre a inclusão na sociedade como PCD, como ser humano e como artista. A perda auditiva me trouxe muitas barreiras, então agora quero mostrar que estou aqui. Quero ser aceito e inserido'

Uyan Vilela, bailarino



Uyan Vilela partiu de suas experiências enquanto pessoa com deficiência (PCD) para criar “Mouco: uma dança para a sociedade”. Improvisando passos, ele diz que seu grito de liberdade tem o objetivo de fazer com que o público reflita sobre a relação dos deficientes auditivos com o mundo e vice-versa.

O trabalho é um resgate das memórias do artista, que sempre encontrou barreiras para se encaixar no convívio social. Ao longo de oito meses, Uyan se dedicou ao processo de escrita de suas lembranças “como ‘d-eficiente’ auditivo”, como ele se autointiula. Depois disso, passou a ter novo olhar sobre sua própria vivência.
 
O bailarino perdeu a audição após o nascimento e conviveu parte da vida com o silêncio. Descobriu a perda auditiva aos 8 anos, quando teve dificuldades em acompanhar os colegas de escola. “Até então, achava que escutava normalmente. Daí o colégio veio com o questionamento de que eu não conseguia acompanhar bem a minha turma e me pediram para fazer audiometria”, relembra Uyan.

Depois do diagnóstico, ele passou a usar aparelho auditivo. Veio, então, a descoberta de sons e sentidos. Devido aos ruídos emitidos pelo aparelho, o processo de adaptação era lento e cheio de dificuldades.

“Foi bem complicado, hoje não uso aparelho nos dois ouvidos porque me incomoda bastante”, comenta Uyan.

Silêncio e microfonia: a trilha sonora de Uyan

No palco, ele se move por meio do silêncio, enquanto apenas a plateia escuta os sons. A trilha sonora é formada por áudios de microfonia captados do aparelho de audição, que geram um ambiente de aflição e desconforto.

“O som é o fio condutor do espetáculo. As pessoas vão poder ter um pouco da sensibilidade de vivenciar como é a percepção de mundo de uma pessoa com deficiência auditiva. O público vai escutar o caos sonoro que o aparelho traz, o que ouço todos os dias”, afirma o bailarino.

Uyan Vilela diz que o fato de ficar sem o aparelho em alguns momentos da apresentação foi um grande desafio. “Nesses momentos, ouço apenas alguns ruídos muito superficiais. Mas isso é uma provocação, o aparelho faz parte de mim. Quando ele não funciona, é como não andar ou não conseguir falar”.

Outro destaque são os elementos cênicos. Com cerca de 500 aparelhos auditivos espalhados pelo palco, o artista transita entre eles, com iluminação destinada a guiar o olhar da plateia. O chão é coberto de areia, indicativo de que o dançarino atravessa superfícies áridas e incômodas.
 
Mouco, expressão utilizada nos estados do Nordeste, refere-se a alguém que não ouve ou ouve muito pouco. Segundo o diretor artístico do espetáculo, Ítalo Augusto, a ideia é trazer outro entendimento para a palavra surdo, que muitas vezes é utilizada de maneira depreciativa.

“A palavra vem também da necessidade que esses corpos têm de provocar seja um entendimento, uma busca, uma pesquisa ou a empatia e a curiosidade sobre o que isso quer dizer”, afirma Ítalo Augusto.

Inclusão da população PCD

 Para o bailarino Uyan, o espetáculo vem reafirmar o seu lugar no mundo. “'Mouco' é um grito de liberdade. Quero falar sobre a inclusão na sociedade como PCD, como ser humano e como artista. A perda auditiva me trouxe muitas barreiras, então agora quero mostrar que estou aqui. Quero ser aceito e inserido, quero estar junto de todo mundo”.

O espetáculo oferece acessibilidade em libras, a cargo do próprio dançarino em cena. No segundo semestre, a montagem será apresentada em centros culturais de BH, com encerramento em 7 de outubro, no Sesc Palladium.

“MOUCO: UMA DANÇA PARA A SOCIEDADE”

• Com Uyan Vilela
• Nesta terça-feira (11/7), às 19h, no Teatro Marília (Avenida Alfredo Balena 586, Santa Efigênia)
• Entrada franca
• Ingressos disponíveis na bilheteria a partir das 18h30
 
* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria