A atriz Monica Maria  em Canção ao longe

A escalação da atriz estreante Mônica Maria para o papel da protagonista tornou a história do filme mais complexa, segundo a diretora

Vitrine Filmes/Divulgação


Jimena é uma jovem arquiteta que trabalha no projeto de um novo espaço para uma sinfônica. O primeiro voo na carreira é um contraponto para sua vida pessoal, que parece paralisada. Ainda na casa onde nasceu, vivendo ao lado da avó e da mãe, ela se sente presa. Seu maior interlocutor é o pai, na figura de cartas, nem sempre amistosas, que os dois trocam. Jimena não se vê em lugar nenhum, e acredita que ele poderá lhe trazer respostas.

Este é o ponto de partida de “Canção ao longe”, filme belo-horizontino em cartaz no UNA Cine Belas Artes e Centro Cultural Unimed-BH Minas Tênis Clube, que marca a estreia solo de Clarissa Campolina em longas-metragens. 

A sequência inicial já dá conta do caos e do aprisionamento em que a personagem, interpretada pela estreante Mônica Maria, se encontra. Sozinha em uma casa, ela caminha pelo local sem luz. Em poucos instantes, a moradia começar a ruir – e a luminosidade começa a aparecer. Fica claro, a partir deste sonho de Jimena, que ela deve colocar a ordem das coisas abaixo para aprender a ter sua própria voz.

Busca

Só que o aprendizado se dá aos poucos, como acompanha o filme sobre o rito de passagem. A sensação de não pertencimento também é física. Jimena não se reconhece na mãe e na avó, principalmente por causa da cor da pele. A raça, assim como a descoberta da sexualidade, tornam-se outros vetores na busca da personagem por si mesma.

Os personagens que vai encontrando pelo caminho – as novas amizades, o namorado e o filho dele, o velho amigo de seu pai – colaboram para que Jimena descubra seu caminho.

Clarissa começou o projeto há muitos anos, mas admite que a entrada de Mônica no filme deu outra dimensão para a história. “Ela foi essencial para trazer novas camadas. O questionamento das estruturas, dos modelos sociais presentes no início do projeto foi se adensando, e passamos a investir também em questões do racismo estrutural, de classe e de gênero. A Mônica deu complexidade à personagem.”

Belo Horizonte é outra personagem do filme. A cidade se faz presente em várias das locações, no Baixo Centro, na Kasa Invisível, ocupação também na região central da capital, nos movimentos artísticos (a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais ensaia no Palácio das Artes e depois se apresenta no Grande Teatro), no Parque Julien Rien, em antigas casas e também em imagens em movimento que mostram edificações da cidade.

“A escolha da profissão de arquiteta vem também do desejo de simbolizar o tempo passando, com as estruturas sendo destruídas e construídas. ‘Canção ao longe’ pode ser as cartas do pai mas também tudo o que está no entorno da personagem, que quer encontrar outros caminhos que não aqueles que foram traçados por sua estrutura familiar”, comenta Clarissa.

A diretora comenta que costuma filmar com um “grau de abertura para o acaso”. “O roteiro se alterou com a chegada da atriz e houve também mudanças de locação. Mas, para trabalhar assim, temos que ter precisão na decupagem, inclusive para dimensionar o tempo e o trabalho da equipe.”
 

Jogo de espelhos

Clarissa diz isto fazendo referência à cena inicial, da casa em destruição. A sequência foi rodada em duas casas que estavam sendo demolidas (uma no Sion e a outra no Funcionários). “Tinha que ser muito organizado para dar certo, já que eu queria fazer a demolição não como uma observação”, conta. Para tal, ela filmou com um jogo de espelhos, “para que desse a sensação de que as peças estavam demolindo sobre a câmera e a personagem (ao filmar o espelho, não havia a chance de impacto na equipe ou na atriz)”.

Rodado em 2019, “Canção ao longe” chegou ao circuito de festivais no ano passado. Estreou no Festival do Rio, depois foi para o de Marrakesh, no Marrocos, Brasília (onde Carlos Francisco, que interpreta o motorista Miguel, levou o prêmio de melhor ator) e a Mostra de Tiradentes. Neste momento, Clarissa monta seu próximo longa, “A fera na selva”, mais uma direção conjunta, desta vez com Sérgio Borges.

“CANÇÃO AO LONGE”

• (Brasil, 2022, 75min., de Clarissa Campolina, com Mônica Maria e Margô Assis) –
• O filme está em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, às 18h20, e no UNA Cine Belas Artes 3, às 20h20.