Francisco Bosco, escritor e filósofo, olha para a câmera

Francisco Bosco diz que redes sociais impuseram experiência relacional inédita à humanidade

Uanderson Brittes/divulgação

"As redes sociais passaram a instilar ódio, indignação moral, estimulando as pessoas a procurar identidades grupais que funcionam pelo ódio. Isso acabou explodindo em diversos lugares do mundo"

Francisco Bosco, escritor e filósofo



Ensaio mais recente do filósofo Francisco Bosco, “O diálogo possível: Por uma reconstrução do debate público brasileiro” (Todavia) foi publicado no ano passado, antes do início da campanha presidencial que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e tirou Jair Bolsonaro do poder. Bosco estará nesta terça-feira (23/5) em Belo Horizonte participando de bate-papo em torno do livro com os historiadores Heloisa Starling e Danilo Marques.
 
O encontro será na livraria Jenipapo, na terceira edição do projeto que pretende levar o debate para a praça pública – tanto por isso, público e debatedores estarão na pracinha da Avenida Getúlio Vargas com Rua Fernandes Tourinho, na Savassi.
 
Mesmo que a gestão federal tenha mudado desde a publicação do livro, Bosco afirma que as condições do debate público, não. A primeira questão para tal é histórica. “As condições das pessoas no Brasil são tão radicalmente diferentes que é difícil esperar que elas tenham algum solo comum de interpretação da realidade. Ou seja, uma primeira condição seria tentar aproximar a vida objetiva das pessoas.”

A segunda questão é contemporânea e o principal objeto da discussão do livro. “A revolução das tecnologias de comunicação pela qual estamos passando há cerca de 20 anos mudou completamente a nossa experiência social. O modo como as redes sociais funcionam, com os famigerados algoritmos, está fazendo com que a humanidade passe pela primeira vez por uma experiência relacional completamente nova”, destaca Bosco.

Conexão com o conflito

Antes, os relacionamentos, de maneira geral, se davam com pessoas que participavam do convívio de cada um – amigos, familiares, colegas de trabalho, pessoas com quem se tinha afinidade.
 
“Hoje, estamos o tempo todo conectados com a diferença e dentro de um regime tecnológico que estimula o conflito, a indignação moral, a raiva, a produção de identidades grupais que, por sua vez, só levam a mais ódio. Ou seja: o que está acontecendo independe de mudança de governo.”
 
Já existe uma reação às redes, Bosco comenta. “Afastar-se delas é parte da resolução dos problemas, e isso já começou, a ponto de haver produção teórica sobre o tema. E há também a tentativa de que a legislação altere o comportamento das plataformas. Eu apoio profundamente o projeto de lei sobre a responsabilização da transparência das plataformas”, afirma, referindo-se ao PL 2.630/2020, a chamada lei das fake news, em discussão no Congresso.

O ensaio anterior de Bosco é “A vítima tem sempre razão? Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro” (Todavia, 2017). Nesses seis anos, ele diz, pouco mudou em relação ao debate sob o ponto de vista das redes. Mas houve modificações no cenário nacional.

“Há seis anos você tinha, de um lado, o movimento que vou chamar de identitário e, do outro, a reação que se esboçava contra os movimentos. Essa reação se organizou institucionalmente e, por conta do contexto favorável que envolve o Brasil – o impeachment da Dilma, a prisão do Lula –, ela se expressou sob a forma do bolsonarismo.”

Bosco comenta também mudanças relativas aos movimentos identitários. “Há hoje margem de manobra maior para se tratar dessa questão. No interior da esquerda existe uma divisão. É possível dizer que na esquerda global progressista e identitária há um dissenso que é universalista, crítico, que pode se manifestar com mais liberdade.”

Jornadas de 2013

Voltando mais longe, às chamadas jornadas de 2013, período que está completando sua primeira década e marcou o início do “processo de hiperengajamento da população”, Bosco diz não acreditar que as redes sociais foram o instrumento para tal.

“Tenho outra hipótese: para mim, as redes não foram o instrumento, mas a causa do processo. Porque elas, como diz o subtítulo do melhor livro sobre o tema ('A máquina do caos', de Max Fisher), 'reprogramaram nossa mente e nosso mundo'.”

Para o filósofo, com a expansão das redes sociais a partir de 2010, “elas passaram a instilar ódio, indignação moral, estimulando as pessoas a procurar identidades grupais que funcionam pelo ódio. Isso acabou explodindo em diversos lugares do mundo, fazendo surgir grave crise.”
 
O que Francisco Bosco chama de “hiperpolitização” das pessoas não veio, de acordo com ele, acompanhado de um processo de esclarecimento, de formação política.

“Quem está submetido ao processo psicoafetivo de ódio sempre vai pensar de forma caricatural, doutrinária. A partir daí, uma pessoa de centro esquerda, para alguém de direita, será sempre comunista. Um liberal, para o da esquerda, será de extrema direita”, finaliza.

REPÚBLICA JENIPAPO

Debate sobre o livro “O diálogo possível”, de Francisco Bosco. Com participação dos historiadores Heloisa Starling e Danilo Marques. Nesta terça-feira (23/5), a partir das 19h, na praça em frente à livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi). Entrada franca.