Cenário da animação 'O menino maluquinho'

Cenário da animação "O menino maluquinho", criação de Jane Carmen Oliveira para a Netflix

Jane Carmen/divulgação

"A gente temperou as animações com elementos nossos, então é um jogo bem brasileiro. O texto, a estética, tudo lembra muito mais nossas nuances do que as referências japonesas"

Filipe Dilly, desenvolvedor de games


A Casa dos Quadrinhos – Escola Técnica de Artes Visuais (CDQ) dá a largada, com a exposição “Muito além dos quadrinhos”, no calendário anual que vai desembocar na sexta edição da feira CDQ-CON, prevista para dezembro. Em cartaz a partir desta terça-feira (23/5), a mostra revela as pontes possíveis entre a arte sequencial e outras linguagens.

Dividida em cinco módulos, a exposição abarca games desenvolvidos por alunos da PUC Minas em parceria com a CDQ, jogos de tabuleiro criados pelos quadrinistas Vitor Cafaggi e Roberta Prado, animação em stop motion e esculturas colecionáveis. Com entrada franca, “Muito além dos quadrinhos” exibe artes originais, impressões inéditas, material histórico, figuras tridimensionais e jogos.

Cofundador e diretor-geral da Casa dos Quadrinhos, Cristiano Seixas aponta que o mote da mostra foi o desejo de apresentar ao público o vasto campo de atuação da escola. É a única produtora no estado que trabalha a animação em stop motion com esqueletos profissionais, valendo-se das técnicas mais desenvolvidas na área.

“São projetos com cenografia, modelagem digital, impressão 3D, desenvolvimento de personagens e cenários. A gente mistura todas as técnicas do cinema e da animação, e temos produzido muito. A Casa dos Quadrinhos atua há mais de 20 anos”, diz.

Grupo da PUC Minas

A exposição tem um espaço dedicado aos jogos digitais, apresentando resultados de trabalhos desenvolvidos por um grupo de estudos da PUC Minas coordenado pelo quadrinista por Daniel Lima, diretor da produtora Post Morten Pixels. Ali se veem as múltiplas possibilidades criativas em games educativos, publicitários e comerciais para diferentes dispositivos.

“O público vai notar a semelhança entre os processos de criação de personagens, cenários, roteiro e arte entre HQs e games. Os visitantes poderão experimentar alguns jogos digitais”, informa o quadrinista Fabrício Martins, um dos curadores da exposição.
 
Game criado pela produtora Post Morten Pixels

Game Talk to strangers criado pela produtora Post Morten Pixels

Post Morten Pixels/divulgação
 

Seixas conta que a parceria entre a CDQ e PUC Minas é algo natural, pois muitos alunos que hoje integram o grupo de estudos da universidade passaram pela escola. A mostra também vai abrigar o lançamento oficial do jogo independente “Takara Cards”, fusão de deckbuilder e RPG tático sobre se aventurar pelo Cosmo.

“Daniel Lima trabalhou na Irlanda com produção de animações e de games, e agora coordena esse grupo de estudos de jogos na PUC. Ele é um bom exemplo do diálogo que a exposição propõe, porque já passou por tirinha, ilustração, computação gráfica e agora está na seara dos games”, ressalta Cristiano Seixas.
 

"'Guerra nas estrelas', por exemplo, tem influência dos quadrinhos de 'Flash Gordon' e de 'Buck Rogers'. Isso está presente nos filmes e em todos os produtos derivados. Isso vem de décadas atrás. Hoje em dia, é algo bem mais óbvio, com as séries e filmes da Marvel"

Cristiano Seixas, diretor da Casa dos Quadrinhos

 

A porção criativa cabe à Casa dos Quadrinhos na parceria para o desenvolvimento de games. Já o curso de tecnologia em jogos digitais e de sistemas de informação da PUC Minas tem foco concentrado na programação e nas interfaces.

“É no desenvolvimento de personagens e de roteiro que a Casa dos Quadrinhos entra, porque é o nosso ponto forte. É a ponta de lança, pois, mesmo no universo dos games, o criar às vezes é mais importante do que o como criar”, salienta ele.

Principal desenvolvedor do “Takara cards”, Filipe Dilly detalha que o jogador cria e interpreta um personagem, nos moldes do RPG tradicional, ambientado num futuro fantástico inspirado por animações japonesas que passavam na extinta Rede Manchete.

“A gente temperou as animações com elementos nossos, então é um jogo bem brasileiro. O texto, a estética, tudo lembra muito mais nossas nuances do que as referências japonesas. É um jogo de ação e estratégia no espaço. Eu e Daniel Lima começamos a esboçar o jogo há cerca de dois anos. Chamamos para trabalhar no game a Keiko Kawa, amiga e ilustradora descendente de japoneses. Ela tem um traço lindo”, diz Filipe.
 

Estátuas de Zico e do Galo

Cristiano Seixas informa que outro destaque da exposição é o lançamento das estátuas colecionáveis de tiragem limitada do jogador Zico e do Galo Forte Vingador, mascote do Clube Atlético Mineiro. Criadas pelo professor e artista plástico Eddie Vieira, as peças foram feitas em resina polystone e pintadas à mão com tinta de poliuretano, resistente a raios UV, água, abrasão e também a produtos químicos.

“Eddie tem carreira sólida no mercado de escultura e modelagem, é muito respeitado em todo o Brasil. O público terá a oportunidade de ver de perto seu trabalho, do conceito à finalização do protótipo, bem como outras estátuas que ele cria”, pontua Fabrício Martins.

“A gente destaca o Zico e o Galo porque são as duas obras mais fora da esfera em habitualmente trabalhamos”, explica Seixas.
 
Cenário criado por Jane Carmen para a Netflix

Cenário criado por Jane Carmen para a Netflix

Jane Carmen/divulgação
 

O último percurso da exposição, voltado para animações, trará o processo de criação de storyboard, com esboço das cenas, seus enquadramentos e composições, pensado para direcionar o trabalho dos animadores em vídeo.

“Estarão expostos os trabalhos de Jane Carmen Oliveira, ex-aluna da Casa dos Quadrinhos, que trabalhou na animação 'O menino maluquinho', e do Immagini Animation Studios, produtora do filme 'Chef Jack: o cozinheiro aventureiro', dirigido por Guilherme Fiúza e lançado no início deste ano”, revela Martins.

“Além de ter trabalhado em 'O menino maluquinho' para a Netflix, a Jane Carmen Oliveira tem participado de grandes produções de desenhos animados”, complementa Seixas.

Antes de chegar ao módulo final, o visitante da exposição poderão se divertir com os jogos de tabuleiro “Valente”, de Vitor Cafaggi, “Férias em dupla”, de Rebeca Prado, e “Nuna”, de Eddie Vieira.

De Flash Gordon a 'Guerra nas estrelas'

O diretor da Casa dos Quadrinhos observa que é difícil precisar exatamente quando e como a influência das HQs começou a se fazer presente na animação e nos games, mas observa que ela sempre se deu de forma pulverizada, no bojo da cultura pop.

“Essa influência pode se dar de maneira sutil ou escancarada. 'Guerra nas estrelas', por exemplo, tem influência dos quadrinhos – de 'Flash Gordon' e de 'Buck Rogers'. Isso está presente nos filmes e em todos os produtos derivados. Isso vem de décadas atrás. Hoje em dia, é algo bem mais óbvio, com as séries e filmes da Marvel, mas também existem produções para cinema que partem de quadrinhos adultos, quadrinhos de drama, de faroeste, mangás e animes. Quer dizer, virou mesmo a base de produção para outras mídias”, ressalta.
 
Páginas da história em quadrinhos com Flash Gordon

Flash Gordon rompeu a fronteira dos quadrinhos para influenciar filmes, animações e a cultura pop

Reprodução
 

Para traçar essa linha evolutiva de maneira segura, seria necessário tratar caso a caso. “Os mais conhecidos, das gerações mais recentes, são os super-heróis, mas tem até filme nacional baseado em quadrinhos. Não é uma fase. Isso vem de muito tempo e vai continuar, aponta.

Na esfera dos games, Filipe Dilly também não detecta um momento específico da história em que essas pontes começaram a ser construídas. 

“Tem um jogo muito influente, que até hoje acho sem comparação, que é o 'Another World', jogo independente e criado por um francês. Está entre os mais importantes do universo dos games, com elementos narrativos inaugurais. Uma de suas principais inspirações foram os quadrinhos franceses, tipo 'Moebius', entre outros. Dá para ver claramente isso no jogo”, destaca.

Seixas informa que a exposição abre a série de eventos que vão culminar na sexta edição da CDQ-CON. Já estão acertadas três ações relacionadas com a feira, uma delas em parceria com a Aliança Francesa e outra contando com um convidado internacional – ainda a definir se presencial ou virtual.

“A ideia é, em cada evento, explorar uma linguagem, com um deles focado em técnicas bem tradicionais, por exemplo. Estamos definindo a agenda. No ano passado, o resultado da quinta edição (da feira) foi acima do esperado, então manteremos o mesmo local, que é a sede da Casa dos Quadrinhos, e a mesma data, na terceira semana de dezembro”, adianta.

“MUITO ALÉM DOS QUADRINHOS”

A exposição começa nesta terça-feira (23/5) e vai até 23 de agosto, no Espaço Cultural Casa dos Quadrinhos (Av. João Pinheiro, 277, Funcionários). O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 21h, e aos sábados, de 8h às 17h.