Três atrizes com figurinos do século 16 conversam em cena do filme As órfãs da rainha

História das três irmãs órfãs é ficção baseada em pesquisa que teve o apoio dos historiadores Ronaldo Vainfas e Mary del Priore

Persona Filmes/divulgação

O tempo do fazer cinematográfico costuma ser longo – um par de anos, se for produção rápida, de viés comercial, um pouco (ou bem mais) no caso de filmes autorais. No Brasil, então, com a espera por editais e verba incentivada, pode durar uma década para que o projeto saia do papel e chegue à sala de cinema. Ou mais.

“As órfãs da rainha”, segundo longa-metragem de ficção da cineasta mineira Elza Cataldo, estreia nesta quinta (11/5) em Belo Horizonte, depois de um longuíssimo processo. “Foi muito demorado, mas o tempo acabou sendo um aliado”, diz ela.
 

O filme chegará  ao circuito 18 anos após a estreia da diretora em longas de ficção, com “Vinho de rosas” (2005). Mais uma vez, Elza trata de mulheres em períodos marcantes da história do país. Se no filme anterior estavam em foco as figuras femininas da Inconfidência Mineira, desta vez ela mexeu num vespeiro.

 

 


“As órfãs da rainha”, expressão que Elza descobriu em um dicionário antigo, foi a denominação dada às primeiras mulheres que vieram de Portugal com a missão de povoar a colônia brasileira. Estamos falando do final do século 16, em especial o período em que os primeiros membros da Inquisição chegaram ao Brasil.

A história é centrada em três irmãs órfãs, Leonor (Letícia Persiles), Brites (Rita Batata) e Mécia (Camila Botelho). Criadas como católicas pela rainha de Portugal, são enviadas a contragosto ao Brasil para se casar e procriar. Chegam à Bahia, onde passam maus bocados até se assentarem.

Na mira da Inquisição

Leonor se casa com um judeu. Com o tempo, acaba se apaixonando e tendo filhos com ele. Brites, que se casou com um homem violento, sofre com as investidas agressivas e a falta de um filho. Mécia acaba se encantando por um indígena. A chegada da Inquisição em 1591 abala não só a comunidade de Vila Morena, como as irmãs, acusadas de práticas judaizantes.

A narrativa é ficcional, mas Elza cercou-se de documentos e registros históricos para a escrita do roteiro, assinado por ela, Pilar Fazito e Newton Cannito.

“Li mais de 300 livros, fui a Portugal e Espanha, morei um tempo na Bahia, onde a Inquisição chegou primeiro. Foram 12 tratamentos de roteiro por causa da dificuldade do gênero e também por ser uma história com três protagonistas.”

A cineasta contou com consultores, com destaque para o historiador Ronaldo Vainfas, especialista em Inquisição, para a escritora e historiadora Mary del Priore e para o rabino Uri Lam.

A verba para viabilizar a produção só começou a sair em 2017 – o patrocínio é da Energisa –, além de recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, Ancine/FSA e BRDE. Somente a partir deste momento ela começou a contratar a equipe.
 
Vila colonial cenográfica construída em Tocantis, na Zona da Mata mineira

Vila colonial cenográfica foi construída em Tocantins, na Zona da Mata mineira

Jonathas Marques Abrantes/divulgação
 

Uma questão fundamental seria a locação. “Existem poucas edificações no Brasil do final do século 16. Além delas, eu precisava de uma configuração espacial para contar a história, com casas vizinhas e capela.” Construiu-se, durante dois anos, uma cidade cenográfica na Fazenda Brasileira, localizada em Tocantins, na Zona da Mata de Minas, terra natal de Elza.

“Filme histórico precisa de muita preparação, e minha equipe fala que sou a rainha da pré-produção. Três meses antes de começar a filmar, todo mundo da equipe estava meio assustado. Tive uma sensação estranha, uma intuição, e resolvi que era o momento de filmar.” O momento, leia-se, era o final de 2019, início de 2020, época em que chove muito naquela região do estado.

“Enfrentamos muitos problemas com o clima, tivemos que parar a filmagem, perdi diárias. Mas acabei usufruindo disso: a lama e a chuva que estão no filme são reais”. As filmagens terminaram um dia antes de ser anunciado o primeiro caso de COVID no Brasil.

“Se tivesse esperado mais, com a pandemia, não haveria filme”, afirma a cineasta. Montagem e finalização foram realizadas remotamente durante a crise sanitária.

Estratégia especial de lançamento

Além de direção e roteiro, Elza assina a produção (a distribuição é da Cineart Filmes). “As órfãs da rainha” será lançado por etapas. Hoje, estreia só nos cinemas de Belo Horizonte.
 
“Assim como cuidei do filme por anos e anos, também estou cuidando do lançamento. A estratégia é fazer de forma mais pontual e depois ir chegando a outras cidades”, explica.
 
 
Elza vai acompanhar tudo de perto, participando de várias sessões comentadas. Ainda que lançado em outra época com um contexto diferente, “Vinho de rosas” conseguiu ficar em cartaz durante seis meses em BH.

E que fique claro: mesmo que haja uma vida entre um filme e outro, Elza Cataldo produziu bastante nestes 18 anos. Realizou os curtas de ficção “O crime da atriz” (2007) e “A má notícia” (2013), além dos documentários “A santa visitação” (2006) e “O ouro branco” (2009), ambos fruto da pesquisa para “As órfãs da rainha”.

Rodou, no ano passado, seu terceiro longa, “A pedra do sino”. Novamente ficção histórica com protagonista feminina na Minas Gerais de outrora: no caso, uma jovem que, no Serro do século 19, começa a ter visões. “É a história da aproximação dela com Allan Kardec”, adianta Elza Cataldo.

“AS ÓRFÃS DA RAINHA”

(Brasil, 2023, 120min., de Elza Cataldo, com Letícia Persiles, Rita Batata, Camila Botelho, César Ferrario e Alexandre Cioletti). Estreia no Cidade 6, às 20h20 (exceto domingo) e 19h10 (somente domingo); Ponteio 3, às 16h10 e 18h45; e UNA Belas Artes 1, às 16h e 20h20.