Garoto que coleta material reciclável "surfa" em trem em Déli; linha ferroviária é elemento central na trama do livro sobre desaparecimento de crianças
Jai tem 9 anos e é uma criança inteligente e feliz, que mora com os pais e a irmã mais velha. Apesar de tudo, diga-se. A família vive em uma moradia com um cômodo só em um basti, o equivalente a uma favela, nos arredores de uma grande cidade da Índia. Mas ele não reclama – afinal, tem uma televisão em casa e pode assistir ao seu programa favorito, o “Patrulha policial”.
Deepa Anappara, autora de 'Os detetives da Linha Púrpura'
Liz Seabrook/Divulgação"Como você bem sabe no Brasil, se está falando sobre uma região pobre, existem já algumas ideias prontas. Como indianos, somos muito cautelosos em relação a isto. Queria ser o mais correta possível, não iria estereotipar o meu país e o meu povo. Queria a visão deles, das pessoas"
Deepa Anappara, escritora
Se fossem ricas, faria mais sentido, mas, sendo pobres, ninguém ligava. Na época, entrevistei tanto as crianças quanto suas famílias. Senti que a história daquelas crianças, que eram completamente ignoradas, merecia ser conhecida. Na Índia há tantos problemas –, discriminação, questões religiosas –, que aquele não parecia importante.
Quando me mudei para Londres, comecei a estudar escrita criativa e pensei que este poderia ser um tema para ser trabalhado na ficção. Mas levou muito tempo para que eu conseguisse, quase 10 anos. Também senti que eu tinha que ter o direito de escrever sobre as crianças, demorei para entender como faria isso de maneira respeitosa.
Além disso, como jornalista, não queria dar nenhum dado errado. E para escrever ficção você tem que usar mais a imaginação. Li vários livros, vi filmes sob o ponto de vista das crianças, escrevi contos, até que finalmente encontrei em Jai uma voz.
Ele é uma criança, é ingênuo à sua maneira. Mas é também uma criança feliz, e achei que isto era importante, porque existe uma ideia sobre a pobreza de que todas as vidas são miseráveis. Não estou dizendo que seja fácil, mas as pessoas encontram suas vidas em meio a circunstâncias difíceis.
Queria ser o mais correta possível, não iria estereotipar o meu país e o meu povo. Queria a visão deles, das pessoas. Quando você vê pobreza praticamente todos os dias, chega um ponto em que não se importa mais. O livro foi uma maneira de lembrar às pessoas que elas têm que ter um novo olhar sobre a questão.
Ou seja, nada mudou, tenho medo de que a situação tenha piorado. A polícia não registra muitos casos, então não temos uma ideia dos números reais. A economia está ruim, há poucos empregos, a população é enorme, então fica muito mais fácil para que traficantes encontrem crianças, as sequestrem ou as levem com o consentimento dos pais.
Foi muito difícil ser publicado. Além do mais, porque escrevo em inglês e sobre outro país. E isto é mais complicado, pois o interesse que se tem por estas histórias não é grande, a menos que você estereotipe o seu país. Como tampouco tenho uma formação literária, aprendi muito mesmo foi quando estava escrevendo.
capa do livro "OS DETETIVES DA LINHA PÚRPURA"

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