Em superfície coberta de lama, ator ergue com mecanismo de içamento corpo de outro ator em cena de 'tom na fazenda'

Ator Armando Babaioff traduziu o texto e interpreta o personagem-título da peça, que estreou em 2017 e fez recente temporada em Paris

Victor Novaes/Divulgação

Foi em 2014, depois de sair de uma sessão de cinema com um amigo, que o ator Armando Babaioff ficou sabendo da existência do filme “Tom na fazenda” (2013), dirigido pelo canadense Xavier Dolan. “Meu amigo me disse que gostou tanto desse filme que assistiu até o fim dos créditos, onde viu que a obra era baseada em uma peça de mesmo nome, do Michel Marc Bouchard”, diz Babaioff.

Ele decidiu, então, seguir o conselho do amigo cinéfilo e procurar por “Tom na fazenda” na internet. Antes de assistir ao filme, no entanto, ficou curioso para saber como era a peça original. 

Encontrou uma versão em inglês, baixou, leu e gostou tanto que resolveu traduzi-la no intuito de montar o espetáculo no Brasil. “Eu já estava procurando algo para montar. Aí a peça caiu no meu colo dessa maneira”, conta.

Com direção de Rodrigo Portella (mesmo diretor de "Ficções", estrelado por Vera Holtz, em cartaz no CCBB-BH), “Tom na fazenda” cumpre curta temporada em Belo Horizonte, no Cine Theatro Brasil Vallourec, desta sexta-feira (27/4) a domingo.

Sempre achei curioso esse cenário que, de repente, vai subindo na gente. Ou seja, estou me sujando de cenário, estou me vestindo de cenário. É o cenário que está me engolindo. A leitura que eu faço disso é que essa é a lama na qual todos nós estamos chafurdando. Todos nós estamos afundando, mas não conseguimos ver

Armando Babaioff, ator


Funeral

No espetáculo, o publicitário Tom (papel de Babaioff) sai de sua cidade para ir ao funeral de seu companheiro, na fazenda em que vive a família dele. Contudo, o que Tom não sabia, e só descobre ao chegar no local, é que o companheiro nunca havia mencionado para a mãe (Soraya Ravenle) e o irmão (Gustavo Rodrigues) que era casado. E, muito menos, com outro homem.

Não bastasse o constrangimento da situação, as coisas pioram para Tom quando ele passa a ser alvo de hostilidades e mentiras do cunhado e acaba estabelecendo uma relação de dependência com a família do companheiro morto.

Leia tambémSer humano está em xeque na peça "Ficções", em cartaz em BH

“É um texto que, de alguma maneira, aborda a homofobia, mas não é uma peça panfletária”, diz Babaioff. “Ela mostra a origem do mal, a origem dessa decadência humana, por meio desses personagens, da humanidade deles - ou da falta de humanidade deles”, observa o ator.

A deterioração humana citada por Babaioff é simbolizada em cena pela lama que configura o cenário da peça - são 115 kg de areia e 15 kg de argila escolar. Mais que apenas cenário, a lama, à medida em que vai sujando os atores, passa a ser figurino e maquiagem.

“Sempre achei curioso esse cenário que, de repente, vai subindo na gente. Ou seja, estou me sujando de cenário, estou me vestindo de cenário. É o cenário que está me engolindo. A leitura que eu faço disso é que essa é a lama na qual todos nós estamos chafurdando. Todos nós estamos afundando, mas não conseguimos ver”, avalia Babaioff.

Paris-Villette

“Tom na fazenda” fez uma estreia tímida, no Rio de Janeiro, em março de 2017, num teatro com capacidade para 54 pessoas - o que contrasta com apresentações recentes da peça em Natal, onde lotou os 1.000 lugares de um teatro. Com encenações pelo interior do Brasil e também no exterior, já foram realizadas 276 apresentações para um público que soma mais de 45 mil pessoas.

O espetáculo esteve recentemente em cartaz em Paris, no Théâtre Paris-Villette, com sessões em português (com legenda). “Ao mesmo tempo em que a gente estava lá na França, com uma peça que discute a homofobia, a coragem e a verdade - e que, no fundo, aborda algo mais complexo, que é o patriarcado, responsável pelos outros tipos de violência - com um título em português, atores brasileiros e um estilo de interpretação que não é o que eles estão acostumados, a gente está falando de decolonialismo”, diz o ator. 

“Estamos saindo da colônia e jogando na cara dos colonizadores o que estamos fazendo e como estamos fazendo. Não nos portamos na França como exóticos, ou como os brasileiros que ganharam uma oportunidade. Não, a gente estava lá num lugar de destaque”, afirma.

Em janeiro do ano que vem, a trupe retorna à Europa, para uma turnê de quatro meses pelo interior da França, Suíça, Bélgica, Marrocos e Portugal.

“TOM NA FAZENDA”
Texto de Michel Marc Bouchard. Direção: Rodrigo Portella. Com Armando Babaioff, Soraya Ravenle, Gustavo Rodrigues e Camila Nhary. Nesta sexta (28/4) e sábado, às 21h, e domingo (30/4), às 20h. No Cine Theatro Brasil Vallourec (Av. Amazonas 315, Centro). Ingressos à venda por R$ 80 (plateia 1B / inteira) e R$ 70 (plateia superior / inteira) na bilheteria do teatro ou pelo site do teatro. Meia-entrada na forma da lei. Mais informações: (31) 3201-5211.