Morgante, Robytt Moon, Hellena Borgys, Gaia do Brasil, Chandelly Kidman, Ravena Creole, Frimes, Slovakia, DesiRée Beck e Enme Paixão, montadas, lado a lado, no palco

Morgante, Robytt Moon, Hellena Borgys, Gaia do Brasil, Chandelly Kidman, Ravena Creole, Frimes, Slovakia, DesiRée Beck e Enme Paixão formam o elenco da "Caravana das drags"

Prime Video/Divulgação
Na noite LGBTQIAP+ mundial, o Brasil brilha com a criatividade das drag queens. Foi a partir do final dos anos 1980, por exemplo, que as pistas ficaram mais animadas, com a disputa do bate-cabelo – movimento rápido com a cabeça, com cabelo jogado com rapidez, de um lado para o outro.

Acha que é fácil? Se você não tem labirintite, ótimo. Mas não se esqueça de que o cabelo (na grande maioria das vezes as drags usam laces) não é o único item na hora de montar a personagem. Figurinos pesados cheios de detalhes são exibidos sob saltos altíssimos, o que exige equilíbrio que não é para qualquer um, completando o look.

Se ainda ficou difícil imaginar a cena do bate-cabelo, não tire os olhos do primeiro episódio do programa “Caravana das drags”, que estreia nesta sexta-feira (14/4), no Prime Vídeo, sob o comando de Xuxa e da drag queen Ikaro Kadoshi.

O bate-cabelo é a prova que encerra o episódio de estreia do reality show, ao som de um dos clássicos da noite gay, "It's not right but it's ok", do repertório de Whitney Houston. Quem perder será a primeira eliminada entre as 10 concorrentes que buscam o título de Drag Soberana. Desafios e performances são a base da disputa. No segundo episódio, elas terão que compor uma canção sertanejo queer.



Durante coletiva on-line realizada na semana passada, o clima entre apresentadores e as candidatas era de alegria e entusiasmo com a expectativa da estreia do programa,  especialmente pela oportunidade que ele representa de dar mais visibilidade ao tema. "Neste país, onde mais se matam pessoas LGBTQIAP no mundo há mais de 13 anos consecutivos, esse programa tem uma importância muito grande", afirma Íkaro, uma das drag queens mais famosas do Brasil.

"Em pleno 2023, ser ignorante e preconceituoso é uma escolha que você faz todos os dias. Espero que muitos deixem de fazer (essa escolha) depois da ‘Caravana das drags’", acrescenta.

Xuxa levanta a bandeira junto a Ikaro e às concorrentes, quando o assunto é a luta contra a violência e o preconceito. No bate-papo na tela do computador, a apresentadora revelou ter se emocionado durante uma das provas, quando uma das meninas a fez “chorar como louca” ao tratar o tema. 

Preconceito

"Estávamos vivendo sob um governo que, graças a Deus, já acabou”, diz Xuxa, em relação à gestão Jair Bolsonaro. “Eu já sabia desses detalhes, mas como (durante as gravações, feitas entre abril e junho de 2022) estávamos em um momento político com muito preconceito, muita discriminação, ouvir aquelas palavras mexeu muito comigo."

A primeira temporada de “Caravana das drags” terá nove episódios, exibidos sempre às sextas-feiras, até o próximo dia 26 de maio. Cada capítulo traz convidados especiais. A apresentadora Nicole Bahls e a atriz Ingrid Guimarães participam, respectivamente, do primeiro e do segundo episódios.
Na região Sudeste, a ‘Caravana’ passa por Diamante, no Norte de Minas, única das cidades visitadas que não é uma capital, e Rio de Janeiro. Goiânia, Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís e Belém são os outros pontos de parada. Já entre as drags, apenas uma, Hellena Borgys, é  representante de Minas Gerais.                                                       

Ikaro chama a atenção para o fato de que as pessoas precisam entender que, no Brasil,  existem muitas histórias e artes marginalizadas. “Costumo dizer que marginalizada vem de margem e, se a margem tivesse uma margem, eu diria que ali morava uma drag queen no Brasil.”

“Ter um programa no qual mostramos nossa arte e poder conhecer ou reconhecer a cultura brasileira através do olhar dessas 10 competidoras é uma coisa tão linda que eu jamais sonhei viver na vida. Talvez a importância (do programa) seja essa: as pessoas entenderem o ser humano por trás do artista, e o Brasil pelo olhar do Brasil”, afirma.

Xuxa diz que fazer um programa voltado à comunidade LGBTQIAP é um desejo antigo. Tanto que levou suas ideias à Rede Globo e à Record, mas elas acabaram não saindo do papel. “Quando o Prime veio com o projeto, perguntei se eles estavam brincando. É um sonho guardado em uma caixinha, com chave especial”, diz ela.

O fato de não ter até então o seu programa não impediu que Xuxa acompanhasse outros apresentadores e artistas que mostraram a arte drag pela qual ela afirma ter sido sempre muito apaixonada. De alguma forma, garante, ela também contribuiu para a difusão da arte drag. “Como no meu programa tinha essa coisa de inclusão, havia umas sementinhas que apareciam mostrando o trabalho. É isso que eu quero para mim, do meu lado. Acho que eu sempre fui uma drag, e entrar pela porta da frente, com um tapete arco-íris, foi uma coisa incrível.” 

Xuxa cita outras características suas que se assemelha às das drags. “Eu amo essa coisa de roupa exagerada. Quando cheguei aqui (no estúdio da coletiva) queria falar com todas, mas meus olhos não saíam das roupas.” A paixão por esse universo, segundo ela, tem origem em sua infância em Santa Rosa, quando usava fantasias feitas pela mãe.

“O mais bacana é a transformação. São artistas completos. Não só costuram, como se maquiam, desenham, fazem suas roupas, suas perucas, dançam, sapateiam, dublam. Elas são incríveis. Artista é isso. Fiquei e fico fascinada. Adoro esse colorido, esse galmour, essa purpurina toda. Enchem os olhos”, derrete-se.

Ao definir o que é arte drag, Ikaro garante ser uma coisa peculiar. “Só quem entende o preço de ser livre é capaz de fazer a drag queen no seu ápice. Em um mundo que nos aprisiona, nos dita as regras, ser drag é questionar tudo isso, de alguma forma”, resumiu. 

“CARAVANA DAS DRAGS”

• Reality de competição de talentos. A partir desta sexta (14/4), no Prime Video. Um episódio a cada sexta, até 26/5. 

Montada, a drag queen Hellena Borgys sorri para a câmera

Hellena Borgys é a personagem criada por Uátila Coutinho, que dançou com o Grupo Corpo e hoje está no Teatro Municipal de São Paulo 

Prime Video/Divulgação


Bailarino é único mineiro na disputa

Das 10 concorrentes ao título, uma, Hellena Borgys, pode-se dizer que começou a ser gerada na capital mineira. Os primeiros traços do que mais tarde seria eternizado na drag queen foram apresentados em uma exposição que Uátila Coutinho, na época bailarino do Grupo Corpo, fez no Centro de Arte Savassi.  

"Hellena é a externação desses quadros que eu pintava. É como se aquelas obras tivessem tomado vida. Hoje não pinto mais em telas, pinto a Hellena em mim e materializo ela pelo mundo", comenta.

"A Hellena é todos os meus sonhos de infância. Sempre desenhei mulheres assim, com olhos e bocas gigantescos, roupas extravagantes, coloridas, e eu nem pensava em ser drag. Quando comecei a entender que Helena era uma materialização de todos os meus anseios como criança, ela foi tomando vida mais consistente", afirma.

Já os primeiros passos de Hellena no mundo real foram dados de forma bem amadora, há seis anos, época em que Uatila dançava com Deborah Colker. "Um dia, me montei para ir a uma festa. Foi mais um momento de diversão do que pensar em uma drag. Não tinha ideia do que era esse universo", diz.

Hoje, atuando como bailarino do Teatro Municipal de São Paulo, Uatila diz que é  desafiador conciliar as duas atividades. No teatro, a rotina diária de trabalho vai das 9h às 16h e, aos finais de semana, tem shows com Hellena. Isso sem contar os vídeos para redes sociais. Só a pintura corporal leva mais de cinco horas. "Trabalho de domingo a domingo, de forma incansável, para manter Hellena e Uatila vivos."

Orgulho

Com 34 anos, natural de Itapagipe, no Triângulo Mineiro, Uatila  foi do elenco da São Paulo Cia de Dança e do Ballet da Cidade de São Paulo. "Tenho orgulho da minha trajetória artística. A passagem por todas essas escolas de dança e meu histórico com a arte desde a infância só acrescentam coisas para a Hellena, para o meu trabalho de drag", afirma.

Uátila conta que gosta de criar performances com dinâmicas diferentes, que tragam as pessoas para dentro do seu trabalho. "É como se eu fosse a cantora; eles, os músicos", compara, garantindo que, embora seja grato pela carreira como bailarino, atuar em um trabalho criado por ele dá muito orgulho e o deixa diante de um infinito de possibilidades. "Criar o que eu quiser com minha arte é ter a minha voz. Agora consigo dar o meu recado através do meu trabalho." 
 
Ele conta que o processo seletivo para a “Caravana das drags” foi intenso, com muitas provas, que incluíram testes psicológicos e testes artísticos, ao longo de quase um ano. Quando soube que estava na final, o bailarino garantiu que se dedicaria ao máximo. "Não só pelo programa, mas por uma chance de mostrar meu trabalho ao mundo", afirmou. O “Caravana” será exibido para mais de 200 países. "Não sonho em ser famoso, mas sonho em ser reconhecido pelo meu trabalho.”