Garota de máscara segura menina durante linchamento no filme Medusa

Em 'Medusa', garotas usam máscaras para linchar meninas que consideram indecentes

Vitrine Filmes/divulgação

"Mate-me por favor" (2015), longa-metragem de estreia de Anita Rocha da Silveira, já se baseava na aliança inteligente entre o universo de adolescentes de classe média e elementos do cinema de horror. Com "Medusa", que chega agora aos cinemas, a cineasta carioca renova e aprimora a aposta nessa combinação. Leva às telas uma história com tons muito próprios e ao mesmo tempo o charme do filme de gênero.

Mariana, vivida por Mari Oliveira, faz parte de uma estranha seita liderada por sua amiga Michele, papel de Lara Tremouroux. São garotas penteadas, maquiadas e muito arrumadinhas que frequentam uma igreja evangélica, onde cantam e dançam enquanto almejam se casar com os fortões do Vigilantes de Sião, um grupo que lembra o movimento "red pill".

 

 

Linchamento feminino

Findo o dia, as meninas cobrem os rostos com máscaras e lincham mulheres que não fazem parte de sua turma. O motivo? Andar sozinha à noite, usar decotes, ter a aparência descuidada, beijar em público. Qualquer coisa diferente do padrão moralizador é pretexto para ataques. O objetivo é inibir o desejo das jovens e reprimir sua relação com a sexualidade.

As excessivas preocupações com a aparência e o decoro soam caricaturais, mas tristemente verdadeiras. Estão lá o visual baseado em cabelos à chapinha e maquiagem delicada, num ideal de beleza ariano tão violento em nosso contexto. O nome da líder remete a uma primeira-dama brasileira, enquanto as palavras de ordem ("devemos ser belas, recatadas e submissas") lembram outra.

 

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Tudo isso é costurado com um humor bastante corrosivo, que surge por exemplo com a gravação de um tutorial para esconder marcas de violência doméstica sob uma espessa camada de base ou nos comentários sobre uma mulher que exagerou nas festas de botox e acabou em coma.

Ainda que ressalvas possam ser apontadas, principalmente com relação a certo maniqueísmo, a mistura de humor, suspense, horror e crítica enreda espectadores e espectadoras de "Medusa".

 

Garotas cantam e dançam no palco, sob luz cor-de-rosa, em ritual de seita evangélica

Jovens se reúnem para cantar e planejar ataques a garotas que fogem de padrões moralizadores adotados por seita evangélica

Vitrine Filmes/divulgação
 

 

Conta a favor do filme a ancoragem em um fenômeno que realmente aconteceu no Brasil: jovens mulheres que se juntavam, a partir de 2015, para atacar adolescentes que consideravam promíscuas.

A narrativa ganha densidade quando Mari arruma trabalho em um hospital, tem o rosto marcado por uma cicatriz e se transforma, abalando a separação entre bem e mal. Toma, assim, consciência do terror embutido no imperativo da aparência alinhada, de modo a esconder tanto os cachos quanto os hematomas.

 

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Da Grécia Antiga para o Brasil

"Medusa" remete à sacerdotisa da mitologia grega, cujo rosto é desfigurado e o cabelo transformado em serpentes depois de ceder às investidas de Poseidon. Ao deslocar o mito para o cenário atual, o filme aborda questões centrais para o processo de se tornar mulher, como a relação com a própria sexualidade, o aprendizado da repressão e os modelos de beleza.

A cineasta dialoga ainda com referências importantes do cinema de horror. A máscara usada pelas integrantes da seita, bem como o rosto queimado de Melissa, primeira vítima do bando, remetem a filmes como "Halloween", o clássico de John Carpenter, e "Sexta-feira 13".

 

Mas talvez a citação mais precisa seja a "Olhos sem rosto", de 1960, filme icônico do gênero, realizado pelo francês Georges Franju, que tem uma protagonista desfigurada como Melissa.

Difícil não reconhecer que o caminho de uma grande cineasta se desenha.

“MEDUSA”

Brasil, 2021. Direção: Anita Rocha da Silveira. Com Mari Oliveira, Lara Tremouroux e Thiago Fragoso. Nesta quinta (16/3), às 20h30, na Sala 3 do Una Cine Belas Artes, e às 20h50, no Cine Centro Cultural Unimed-BH Minas