De vestido multicolorido e acessório na cabeça, Carmen Miranda pisca e sorri em cena de Aconteceu em Havana

O ciclo traz títulos estrelados pela Pequena Notável e outros produzidos no contexto geopolítico das décadas de 1930 e 1940, como "Aconteceu em Havana" (Walter Lang, 1941)

Fotos: Divulgação

No embalo do carnaval, que já toma conta das ruas de Belo Horizonte, a Fundação Clóvis Salgado promove, a partir desta terça-feira (7/2), uma mostra inédita dedicada a Carmen Miranda, que abre a programação anual do Cine Humberto Mauro. Até 7 de março próximo, serão exibidos vários longas estrelados pela cantora, dançarina e atriz luso-brasileira.

O público poderá assistir aos filmes “Alô, alô, carnaval” (Adhemar Gonzaga, 1936), “Aconteceu em Havana” (Walter Lang, 1941), “Copacabana” (Alfred E. Green, 1947), “Entre a loura e a morena” (Busby Berkeley, 1943) e “O príncipe encantado” (Richard Thorpe, 1948). Também fazem parte da programação os documentários “Carmen Miranda” (Jorge Ileli, 1969) e “Carmen Miranda: banana is my business” (Helena Solberg, 1994).

Além dos títulos com a presença da Pequena Notável, a mostra, batizada “Carmen Miranda e a boa vizinhança”, também apresenta grandes produções de Hollywood das décadas de 1930 e 1940 realizadas no período de vigência da chamada Política da Boa Vizinhança, preconizada pelos Estados Unidos durante o governo de Franklin Roosevelt.

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Toda a programação é gratuita, com ingressos distribuídos na bilheteria do Cine Humberto Mauro uma hora antes de cada sessão.

Entre as produções realizadas no bojo da Política da Boa Vizinhança estão os longas “Voando para o Rio” (Thornton Freeland, 1933) e “Interlúdio” (Alfred Hitchcock, 1946). Esses e outros filmes que compõem a mostra trazem no elenco artistas como a mexicana Dolores del Rio e a estadunidense Rita Hayworth interpretando personagens latinas em histórias ambientadas em países da América Latina. 

“Percebemos que a visão dos EUA, apesar da boa intenção em retratar latino-americanos como nunca haviam sido vistos pela indústria cinematográfica, contribuía para a manutenção de estereótipos culturais, criando uma ideia massificada dos países latino-americanos”, observa Vitor Miranda, gerente do Cine Humberto Mauro.

Contraponto no samba

Como espécie de contraponto aos longas que trabalham com essa visão estrangeira do Brasil, “Carmen Miranda e a boa vizinhança” traz uma espécie de mostra dentro da mostra, intitulada “Cine samba”, dedicada a personagens marcantes da história do gênero. “É um braço da mostra que contribui diretamente com a construção da ideia do carnaval, que partiu de influências como Carmen Miranda”, diz Miranda.

Esse recorte traz os longas “Do dia em que Macunaíma e Gilberto Freyre visitaram o terreiro da tia Ciata, mudando o rumo da nossa história” (Sérgio Zeigler, 1997), “Operação Morengueira” (Chico Serra, 2005), “Brasil” (Rogério Sganzerla, 1981), “Batuque na cozinha” (Anna Azevedo, 2004) e “Geraldo Filme” (Carlos Cortez, 1998), entre outros.

A programação de “Carmen Miranda e a boa vizinhança” inclui, ainda, uma celebração especial no jardim interno do Palácio das Artes, que ocorrerá na próxima quinta-feira (9/2), das 17h às 22h. A festa de carnaval Mamãe Eu Quero vai contar com performances em homenagem à artista, cortejo com a Cia. de Dança Palácio das Artes, DJs e barracas com comida mineira.

Tratados de relações

Apresentada pelo governo Roosevelt como uma abordagem política das relações estadunidenses com a América Latina, a Política da Boa Vizinhança foi um marco entre os tratados de relações internacionais. Com o intuito de estabelecer trocas e influências políticas, o acordo consistia em um esforço para aproximação cultural entre os EUA e os latino-americanos.

A Política da Boa Vizinhança teve grande impacto na percepção internacional dos costumes culturais latino-americanos, influenciando a forma como os próprios países da região passaram a se enxergar perante o mundo. Dentro dessa estratégia, Carmen Miranda foi peça fundamental, como a figura que melhor representou esse período, e tendo se tornado uma das personalidades mais influentes do Brasil e do mundo.

Vitor Miranda diz que, aos olhos estrangeiros, Carmen Miranda era a própria expressão da mulher brasileira, mas ainda assim chancelada como “latina”. “Ela pegou muitas identidades culturais baianas e se apropriou delas no figurino, nos trejeitos, na forma como se expressava. Ela incorporou uma ‘baianidade’ da época, então era a figura possível como vitrine para esse tipo cultural, que virou um símbolo para o estrangeiro”, destaca.

Produções estereotipadas

Ele aponta que essa imagem construída pelos Estados Unidos do que é ser brasileiro e ser latino – tudo meio que amalgamado num mesmo caldo – é um ponto de convergência dos filmes que compõem a mostra. Tais produções seguiam diretrizes específicas, retratando, dentro de um espectro limitado de gêneros, a América Latina sob um mesmo cobertor de identidade.

“Apesar de existir uma tentativa de se buscar uma autenticidade cultural, uma identidade real dos países da América Latina – não falando o português errado nos filmes, por exemplo –, são produções ancoradas no estereótipo”, ressalta. Comédias, musicais e dramas românticos prevalecem na programação de “Carmen Miranda e a boa vizinhança”.

O gerente do Cine Humberto Mauro chama a atenção para o fato de que Carmen não era a protagonista em nenhum dos filmes nos quais atuou. “A protagonista era, normalmente, uma atriz norte-americana interpretando uma mocinha às voltas com um imbróglio amoroso. Mas essa personagem coadjuvante, que cumpria a função do alívio cômico e estrelava os números musicais, num lugar de quase oposição à protagonista, era o motor do filme”, diz.

Ele destaca um “número musical maravilhoso” de Carmen no longa “Aconteceu em Havana”, no qual ela dança e canta em inglês, fazendo o papel de uma cubana, que, logo depois, surge cantando em português. “São filmes que, buscando um padrão, acabam marcados por essa bagunça cultural”, observa.

Sobre o talento para a atuação de Carmen, ele ressalta que não era dada a ela margem para desenvolver papéis dramáticos. “Ela recebia o chamado typecasting, fazia papéis sempre muito parecidos. Mas acho que, dentro do que ela se propunha, como performer, como entertainer, era a melhor”, aponta.

Ele diz que, assim como a própria Política da Boa Vizinhança, a atuação de Carmen no cinema estadunidense teve um período delimitado, que foi do final dos anos 1930 até meados da década seguinte. “Depois, ela foi quase que descartada, porque o cinema norte-americano mudou muito no pós-guerra, se tornou mais melancólico, então uma figura como Carmen Miranda passou a não ter mais espaço.”

Impacto indiscutível

De qualquer forma, o impacto dos filmes produzidos nos EUA naquele período é indiscutível, segundo Miranda. Ele diz ter sido algo que reverberou até mesmo em produções realizadas no Brasil. “Os longas brasileiros da época satirizavam a visão norte-americana imposta aos personagens latinos. A inspiração, no entanto, vinha dos próprios filmes produzidos lá, e com isso as narrativas se tornavam por vezes semelhantes”, explica.

Ele ressalta que os filmes norte-americanos produzidos durante a vigência da Política da Boa Vizinhança faziam muito sucesso, arrastavam multidões para os cinemas, o que reverberava na produção nacional. “Foi algo que impulsionou o movimento das chanchadas, que eram comédias brasileiras escrachadas, que espelhavam o cinema dos Estados Unidos”, aponta.

Havia, nesse sentido, segundo Miranda, uma espécie de retroalimentação, no sentido do que representava ser brasileiro e ser latino, conforme a imagem que o cinema norte-americano construiu, e a forma como as produções brasileiras da época reinterpretavam isso. “Carmen ainda é referência quando se fala de carnaval, de brasilidade, então são pontos interessantes a partir dos quais se pode propor um debate.”

“CARMEN MIRANDA E A BOA VIZINHANÇA”

A partir desta terça-feira (7/2), no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, 31.3236-7400). Entrada franca, com distribuição de ingressos na bilheteria, uma hora antes de cada sessão. Programação completa no site da Fundação Clóvis Salgado. Festa de carnaval Mamãe Eu Quero, quinta-feira (9/2), das 17h às 22h, no jardim interno do Palácio das Artes

De camisa listrada e óculos, Wilson das Neves dá entrevista para documentário

Wilson das Neves é tema do documentário "O samba é meu dom", disponível na plataforma EMCplay

CATÁLOGO ON-LINE

Responsável por gerenciar a Rede Minas e a Rádio Inconfidência, a Empresa Mineira de Comunicação disponibiliza em sua plataforma de streaming gratuita EMCplay, ao longo de todo este mês, um catálogo especial dedicado à folia de Momo.

São filmes, programas e conteúdos especiais da Rede Minas que colocam a maior festa popular do país em evidência. Um dos destaques da mostra, intitulada “Carnaval da liberdade”, é o longa “O samba é meu dom”, do cineasta mineiro Cristiano Abud.

Ele acompanhou o baterista, percussionista, cantor e compositor Wilson das Neves de 2009 a 2012, em todo tipo de situação e local, da Sapucaí à sua casa, com o objetivo de contar sua história de vida e esmiuçar sua obra, revelando a importância da sua influência na música brasileira.

O interior de Minas também está presente no catálogo da EMCplay, com o filme “Vai manter a tradição – O samba em Juiz de Fora”. Berço de consagrados sambistas, a cidade da Zona da Mata guarda, na história, o nome de grandes talentos da música e tem o samba como um de seus principais bens culturais.

A seleção de conteúdos ainda conta com programas da Rede Minas que abordam a história do carnaval no estado, dos blocos caricatos e dos atuais blocos que fazem a alegria dos foliões. O acesso é pelo site emcplay.com ou pelo aplicativo disponibilizado no Google Play e Apple Store.

“CARNAVAL DA LIBERDADE”

Mostra de filmes durante todo o mês de fevereiro, com transmissão pela EMCplay ou pelo aplicativo disponibilizado no Google Play e Apple Store