Instalacao sonora de Froiid na mostra coletiva 'Babélica'

Instalação sonora de Froiid na mostra "Babélica", cujo título é inspirado na Torre de Babel

Marcos Vieira /EM/D. A Press

Resultante do Edital Novos Artistas 2021/2022, criado para dar visibilidade à produção contemporânea mineira, a exposição coletiva “Babélica”, aberta ao público no último sábado (4/2), no Memorial Vale, segue em cartaz até 9 de abril. Com curadoria do editor, escritor e professor Júlio Martins, mestre em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da UFMG, a mostra reúne os trabalhos de Bárbara Macedo, Froiid, Lucas “Skritor” e Sara Lana.

A exposição reconhece nas propostas apresentadas pelos artistas, segundo o curador, os mesmos trânsitos diversos e implicações políticas de tudo o que envolve a convivência partilhada no espaço público urbano. O próprio nome com que foi batizada se relaciona com essa ideia.

Martins ressalta que “Babélica” – título inspirado na Torre de Babel – remete ao caos e aos fluxos desiguais das cidades, especialmente Belo Horizonte, onde cada um dos artistas vive sua própria experiência, ecoando uma multiplicidade de vozes. Assim, são diversos e distintos os suportes e formas de expressão de que os quatro se valem.

Bárbara Macedo apresenta um ensaio fotográfico em que as pessoas redescobrem seus corpos. Sara Lana faz uma espécie de mapeamento afetivo do Bairro Santa Efigênia, a partir do contato com moradores locais. O trabalho de Froiid é um rap de múltiplas combinações de estrofes pré-programadas, apresentado em uma instalação sonora de impacto visual. Já as criações de Lucas “Skritor” transitam entre o grafite e o cânone da pintura.

O lugar de convergência é a ideia do espaço urbano, mas ela não aparece de forma objetiva em todos os trabalhos, conforme aponta o curador. “No caso do Lucas, que é um cara do grafite, e da Sara, que desenvolve sua proposta a partir de uma região da cidade, essa relação é mais explícita”, observa.

 Orelhão de Sara Lana e quadro 'Conflitos existenciais', de Lukas Skritor, na mostra Babélica

Orelhão de Sara Lana e quadro "Conflitos existenciais", de Lukas Skritor: artistas foram selecionados via edital

Marcos Vieira /EM/D. A Press

Cartografia afetiva

Ele explica que a artista perguntou para pessoas aleatórias como fazia para sair do Bairro Santa Efigênia, e pedia a elas que desenhassem um esboço de mapa. “A partir desse contato humano, com um desenho num pedaço de papel, na escala do afeto, do relacional, é que ela vai tentar construir uma cartografia afetiva daquela região”, pontua.

Esse trabalho dialoga com outro, em que Sara mapeou telefones públicos de comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco. “Ela ligava para esses números e conversava com quem estivesse passando por perto ou com os donos de comércios onde estavam esses telefones, o que também é uma forma de recompor uma paisagem. Acho um trabalho muito interessante. Esses ribeirinhos vão ter suas vozes dentro do Memorial Vale”, destaca Martins.

Com relação ao trabalho de Lucas “Skritor”, ele diz que promove o encontro da cultura imagética urbana com tradições da história da arte. “Ele apresenta tanto um grafite que fez especialmente para o espaço, na parede do museu, quanto quadros mais ligados ao cânone para pôr na parede, mas para os quais também se vale de elementos do grafite, o que evidencia sua relação com a rua”, aponta.

exposição coletiva babélica

Trabalhos de Bárbara Macedo, Froiid, Lucas "Skritor" e Sara Lana mostram uma convivência partilhada no espaço público urbano

Marcos Vieira /EM/D. A Press

Relações indiretas

Nas criações de Froiid e de Bárbara Macedo, a relação com o urbano surge de forma indireta, enviesada, segundo o curador. Com relação ao primeiro, ele explica que o artista projetou uma interface de tecnologia por meio da qual compôs um rap com rimas e estrofes coordenadas, transformadas em células permutáveis.

A música vai sendo tocada incessantemente, sempre com uma métrica, uma rima e um sentido, numa estrutura de aparelhagem de som ao estilo jamaicano. “É um rap infinito que te convida a mergulhar nele. Froiid está investigando algo que não é necessariamente do urbano, mas que se dá no urbano, que tem uma referência nesse espaço”, salienta.

O ensaio fotográfico de Bárbara Macedo, por sua vez, trabalha com corpos por uma perspectiva LGBTQIA+ que, nas palavras do curador, frustra quem espera ver algo sensual ou exótico. “Ela libera o corpo de categorizações. É um corpo que tem a ver com o convívio social, com o convívio político. São questões que atravessam a sociedade e, dessa forma, cabe dizer que atravessam a cidade”, diz.

Fotografias de Bárbara Macedo na exposição coletiva babélica

Fotografias de Bárbara Macedo trabalham com corpos por uma perspectiva LGBTQIA+ que, segundo a curadoria, frustra quem espera ver algo sensual

MEMORIAL VALE/DIVULGAÇÃO

Polarização

Martins observa que “Babélica” também se refere ao radicalismo dos atuais acirramentos sociais e políticos no Brasil. Ele diz que isso se manifesta numa profunda dificuldade de diálogo, numa incompreensão para com o outro, o que é narrado no evento bíblico que inspira o nome da exposição. Esse aguçamento é trabalhado pelos artistas em diferentes níveis, segundo o curador.

“Uma obra como a da Bárbara provoca a construção de um sentido de liberdade de expressão e de respeito ao outro, e nos evoca essa dimensão partilhada da cidade, que tem que ser um lugar para a diferença, para a discordância, mas com o convívio, não com o conflito. O trabalho dela trata de uma questão que precisa ser acordada na sociedade, na pólis”, diz.

Sobre as criações de “Skritor”, ele afirma serem mais “diretas” nesse sentido, na medida em que o grafite é uma instância que vive na cidade, mas pode ser considerado crime; o grafiteiro ou pichador pode ser enquadrado como criminoso. “Ao trazer para o museu, criamos mais uma camada de complexidade, porque incorporamos essa expressão no espaço oficial da arte, o que gera outra dificuldade para quem resiste à abertura para essa linguagem”, diz.

Celeiro

Ele ressalta que “Babélica” passa por questões poéticas que conseguem tematizar questões políticas. “Isso interessa a mim e a esses artistas jovens com que tenho trabalhado. Nos últimos anos, tornou-se mais necessária a reflexão sobre o que a arte pode, como ela pode colaborar com o campo social, com a vida das pessoas, com aquilo que é mais ordinário, mais cotidiano. É uma ideia que passa pelo plano político e passa pelos corpos”, pontua.

Com base no recorte que “Babélica” faz do atual cenário das artes visuais em Belo Horizonte, pensando na produção de jovens artistas, Martins, que é professor na Escola Guignard, considera que ele é pulsante. O curador observa que Belo Horizonte tem, nas últimas décadas, firmado uma posição de celeiro de novos talentos no Brasil.

“Os jovens artistas daqui da década de 1990 estão hoje entre os principais nomes das artes visuais em escala mundial, como Adriana Varejão, Rivane Neuenschwander ou Rosângela Rennó. Minha opinião sobre as gerações mais recentes é muito positiva. A Escola de Belas Artes da UFMG e a Guignard têm talentos muito expressivos”, afirma.

Suporte

Ele destaca que editais como o Novos Artistas, do Memorial Vale, são fundamentais justamente para dar suporte a essa cena em constante renovação. “O que eu teria a considerar é que são poucos. A estrutura institucional para jovens artistas ainda é precária. Você tem mais artistas e mais qualidade do que as instituições conseguem mostrar. Os museus e galerias não estão conseguindo acompanhar”, aponta.

Martins ressalva que, por outro lado, alguns desses nomes já expõem com muita fluência em instituições grandes no eixo Rio-São Paulo, como é o caso de Sara Lana e de Froiid. “Penso que os artistas têm mesmo que sair daqui depois de um certo tempo de carreira; é difícil sobreviver em Belo Horizonte, porque não tem uma cena institucional. Os editais são um primeiro passo para fortalecer, mas ainda insuficiente”, opina.


QUEM SÃO

Artistas que participam da mostra coletiva “Babélica”

. Lucas “Skritor”
Nascido e criado em Belo Horizonte, artista visual e grafiteiro, estudante de artes plásticas pela Guignard/UEMG. Pesquisa e atua em diferentes linguagens, suportes e técnicas, transitando da pintura figurativa ao abstracionismo e assemblages. O caos urbano, os tons de cinza e a agressividade do grafite ordenados com classe são traços da poética e estética de seu trabalho.

. Bárbara Macedo
Vive e trabalha em BH. Habilitada em desenho pela Escola Guignard – UEMG, participou de exposições individuais e coletivas, nas quais se destacam: 
“Museu travesti da Neca” (2021), “Movências” (2020), “Trajetória viva” (2020), “BRAsA” (2019) e “Coleção grandes mestres das nudes” (2018). Artista visual, umbandista e travesti, ela investiga atualmente as encruzilhadas entre esses lugares de fala. Usa principalmente a pintura e a fotografia em seu trabalho.

. Sara Lana
É artista e desenvolvedora brasileira de 34 anos. Nascida em BH, estudou matemática e engenharia elétrica na UFMG. Seus projetos se situam na confluência da arte com a tecnologia. Recorre a suportes variados, valendo-se principalmente do som, da eletrônica e do vídeo, tendo a ilustração e a cartografia presentes em todo o processo de criação. Já foi contemplada pela Akademie Solitude Fellowship (Alemanha, 2024) e pelo Bolsa Pampulha (Belo Horizonte, 2019).

. Froiid
Mineiro de BH, nasceu em 1986. Mestre em artes visuais pela UEMG, graduado em artes plásticas pela Escola Guignard. Artista multidisciplinar e curador, foi membro e fundador de coletivos relacionados à cidade, ocupação urbana e território. Trabalhando nas relações entre arte, jogo e malandragem, criando instalações, pinturas e jogos em diversos suportes e interfaces.

“BABÉLICA”
Até 9 de abril, no Memorial Vale (Praça da Liberdade, 640 – Funcionários). Visitação: terça, quarta, sexta e sábado, das 10h às 17h30; quinta, das 10h às 21h30; domingo, das 10h às 15h30. Gratuito